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Coração alado

O segundo turno é embalado pelo clima de comoção com a morte do marido de Raquel Lyra

Com o apoio de Lula, Arraes tenta reverter a desvantagem nas pesquisas - Imagem: Ricardo Stuckert
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Depois de uma votação pulverizada no primeiro turno, com pequenas diferenças entre os cinco principais candidatos, a disputa ao governo de Pernambuco neste segundo turno é, no mínimo, inusitada e deverá ser decidida voto a voto. Pela primeira vez, o estado será governado por uma mulher, tendo no páreo a deputada federal Marília Arraes, do Solidariedade, e a ex-prefeita do município de Caruaru Raquel Lyra, do ­PSDB. Ambas têm perfil bem parecido, são da mesma geração, começaram a vida política no PSB e são de famílias tradicionais, historicamente inseridas na política estadual. As coincidências não param por aí: as duas vivem momentos delicados na vida pessoal, pautando, em alguns momentos, o debate eleitoral no estado e elevando o tom emocional da campanha. Com uma diferença inferior a 200 mil votos, ­Arraes saiu na frente no primeiro turno, com 23,97% de votação, contra 20,58% de Lyra.

Na manhã de 2 de outubro, o marido de Raquel Lyra, o empresário Fernando ­Lucena, não resistiu a um infarto fulminante e faleceu de forma inesperada. A notícia logo tomou conta não só do noticiário, mas também das conversas entre os eleitores que enfrentavam as enormes filas das secções de votação, gerando comoção entre as pessoas. Muitos indecisos optaram pela tucana em solidariedade à dor da família, o que pode também estar influenciando a virada da candidata nas primeiras pesquisas do segundo turno, a apontá-la com 54% de intenção de voto, 8 pontos à frente de Arraes. Não bastasse a fatalidade, dez dias depois, o filho de Lyra precisou fazer uma cirurgia de urgência para retirada do apêndice. “Estou vivendo o pior e o melhor momento da minha vida. É muito estranho. Tenho um vazio imenso dentro de mim e um propósito imenso para lutar por Pernambuco”, resume.

Marília Arraes, por sua vez, encara a campanha com uma gravidez de seis meses e recentemente sofreu crise hipertensiva

Grávida de seis meses e com uma bebê de 9 meses, Marília Arraes também tem estimulado a empatia em muitos eleitores, os quais se sentem comovidos pela disposição da candidata em enfrentar a campanha com todo o desconforto. Na segunda-feira 17, Arraes teve um pico hipertensivo enquanto concedia entrevista, e precisou ser socorrida às pressas. Ficou em observação no hospital, mas no dia seguinte retomou a agenda de campanha. “Além do aspecto nacional do lulismo versus o bolsonarismo, o segundo turno em Pernambuco ganhou tons emocionais e a gente passa a não discutir racionalmente as coisas. O fato de serem duas mulheres disputando leva a campanha para um tom mais emotivo, visto que a mulher, culturalmente, é associada a aspectos mais emocionais que racionais, ainda que as candidatas sempre apareçam com firmeza, se mostrando lideranças aguerridas”, opina Priscila Lapa, cientista política e pesquisadora do Observatório das Eleições.

Na primeira semana do segundo turno, Lyra ficou afastada da campanha, reclusa com a família em luto, e solicitou ao Tribunal Regional Eleitoral o adiamento do início da campanha na tevê, previsto para 7 de outubro. Ela pediu que começasse na segunda-feira 10. Em resposta, o TRE afirmou que precisaria do consentimento do palanque adversário para deferir o pedido, mas a campanha de Arraes não concordou, gerando muitas críticas a ela, acusada de insensibilidade. Apesar do clima de comoção das campanhas e entre os eleitores, as candidatas em si evitam explorar a questão eleitoralmente e utilizam como estratégia desgastar a adversária a partir da rejeição de políticos que tentam associar uma e outra. Enquanto ­Arraes busca colar Lyra à imagem de Bolsonaro e se apresenta como a candidata de Lula no estado, a tucana liga a adversária ao governador Paulo Câmara, do PSB, com quase 70% de rejeição. Depois da derrota de Danilo Cabral, com 18,06% dos votos, o PSB declarou apoio a Marília Arraes, mas a candidata continua se apresentando como oposição ao governador. Lyra, por sua vez, preferiu a neutralidade e diz que não vai declarar seu voto para presidente, mesmo tendo em seu palanque todas as forças conservadoras e bolsonaristas do estado.

“Em um estado em que o ex-presidente Lula deverá ter entre 65% e 70% dos votos válidos, seria improvável que Raquel assumisse o palanque de Bolsonaro. Em termos pragmáticos, o prejuízo de se colocar como neutra na disputa nacional deve ser muito menor do que assumir o que deve ser o desejo de seu palanque, ou seja, apoiar Bolsonaro”, avalia Túlio Velho Barreto, cientista político da Fundação João Nabuco. “Qualquer que seja o resultado, a eleição para governador em Pernambuco consolida o surgimento de outra geração de políticos no estado, que nasceu sob o Estado Democrático de Direito erigido na Constituição de 1988”, conclui.

“Vivo o pior e o melhor momento da minha vida”, resume Lyra – Imagem: Janaína Pepeu

No primeiro turno, Lyra apoiou Simone Tebet e, em várias entrevistas, fez questão de revelar que votou em Lula três vezes e em Dilma Rousseff uma vez. Sempre ressalta que sua família tem um histórico ligado à democracia, tentando se descolar de Bolsonaro. Ela é filha do ex-governador João Lyra e seu tio, Fernando Lyra, falecido em 2013, teve um papel importante na chamada redemocratização do País. Foi ele quem primeiro lançou Tancredo Neves para presidente da República, em 1984, além de ter sido ministro da Justiça de José Sarney e vice na chapa de Leonel Brizola nas eleições presidenciais de 1989. A tucana relativiza o apoio recebido por forças conservadoras. “Recebemos apoios de lideranças e de prefeitos de todo o espectro político em Pernambuco. Somos uma candidatura de soma, de união e de compromisso com Pernambuco acima de tudo.”

Marília Arraes também tem pedigree político. É neta de Miguel Arraes e prima de Eduardo Campos. Ela disputa o legado eleitoral da família com os filhos de Campos, liderado pelo prefeito do Recife, João Campos. Rompida com o grupo desde 2014, quando deixou o PSB, ela recebeu o apoio do prefeito e da legenda no segundo turno, embora algumas lideranças do PSB tenham migrado para o palanque da adversária. “Aprendi com meu avô que política se faz unindo”, diz a candidata, que participou ao lado de Lula de um grande ato de rua no Centro do Recife, na sexta 14 de outubro. Magoado, Danilo Cabral continua fazendo campanha para o presidenciável petista, mas não pede voto para Arraes. Na reta final, ela deve intensificar ainda mais sua ligação com Lula e associar Raquel a Bolsonaro, para tentar reverter a desvantagem e vencer nas urnas. •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1231 DE CARTACAPITAL, EM 26 DE OUTUBRO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Coração alado”

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