Justiça
Como funcionava a Abin paralela, esquema pelo qual Carlos Bolsonaro e Ramagem foram indiciados
Agência de Inteligência, segundo a PF, teria sido usada de maneira ilegal pela gestão do ex-capitão para perseguir opositores, driblar investigações e para fomentar a trama golpista


A Polícia Federal concluiu a investigação sobre um suposto esquema de espionagem ilegal montado na Agência Brasileira de Inteligência durante o governo Jair Bolsonaro (PL), a chamada ‘Abin Paralela’.
O relatório final, apresentado nesta terça-feira 17, pediu o indiciamento de 35 pessoas, entre elas o filho do ex-presidente, Carlos Bolsonaro (PL-RJ), o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o atual diretor da Abin, Luiz Fernando Corrêa. Jair Bolsonaro (PL), inicialmente, foi mencionado como um dos indiciados por fontes da PF, mas seu nome não foi adicionado à lista final do caso.
Segundo as investigações, policiais, servidores e funcionários da Abin formaram uma organização criminosa para monitorar pessoas e autoridades públicas, invadindo sem autorização judicial celulares e computadores. O esquema de arapongagem serviria para perseguir opositores do governo Bolsonaro.
Agora, cabe à Procuradoria Geral da República fazer uma denúncia contra os indiciados, ou ainda pedir mais provas à PF ou solicitar ao Supremo o arquivamento do caso. No caso de denúncia pela PGR, cabe ao STF abrir ou não processo contra os indiciados, que podem virar réus. A PGR pode fazer uma denúncia única contra todos, ou mais de uma, se avaliar que os crimes devem ser julgados separadamente.
Como funcionava o esquema?
A PF apurou que os servidores da Abin usavam instrumentos adquiridos pela agência durante os governos Bolsonaro e Michel Temer (MDB) para coletar ilegalmente informações e alimentar o chamado “gabinete do ódio”.
O grupo tinha como alvo autoridades do Judiciário, Legislativo e Executivo, além de jornalistas. Entre os alvos da espionagem estavam nomes como do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e dos ex-presidentes da Câmara dos Deputados Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Maia, além do senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Segundo as investigações, o monitoramento ilegal era realizado por meio de um software chamado ‘First Mile’, que permitia à Abin rastrear o paradeiro de uma pessoa a partir da transferência de dados de seu celular para torres de telecomunicações em diferentes regiões. O software, desenvolvido pela empresa israelense Cognyte, foi contratado pela agência com dispensa de licitação por 5,7 milhões no fim de 2018. As investigações apontam que a ferramenta foi utilizada ao longo do governo Bolsonaro até meados de 2021.
Para o rastreamento, bastava digitar o número do celular da pessoa no sistema, que mostrava, em uma mapa, a última localização do dono da linha. Era possível ter acesso ao histórico de deslocamentos e até ‘alertas em tempo real’ de movimentações de alvos. A coleta de dados, segundo a PF, foi utilizada para blindar aliados de Bolsonaro de investigações em curso, para promover espionagem política e atacar desafetos do governo.
Como os indiciados atuaram no esquema, segundo a PF
De acordo com a investigação, Alexandre Ramagem, diretor da Abin sob o governo Bolsonaro, estruturou o esquema de espionagem ilegal de pessoas consideradas adversárias pelo governo do ex-presidente.
Carlos Bolsonaro, por sua vez,é apontado como o chefe do gabinete do ódio, que usava as informações obtidas ilegalmente para atacar publicamente os alvos por meio das redes sociais.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) não é um dos indiciados por já ser investigado pelo crime na ação do golpe, mas a conclusão da PF aponta que ele sabia do esquema e se beneficiava de sua dinâmica.
Já o atual diretor da Abin, Luiz Fernando Corrêa, teria agido para dificultar apurações em curso, motivo pelo qual foi indiciado por obstrução de Justiça.
A PF ainda apontou que o esquema era estruturado em três núcleos: o da ‘Presidência’; e do ‘vetor de propagação’ (gabinete do ódio); e da ‘estrutura paralela’, que municiava os dois primeiros grupos com informações.
Segundo os investigadores, o núcleo “Presidência” seria um ponto de contato do Planalto com os responsáveis por proliferar as fake news. A PF aponta que o núcleo atuou diretamente para blindar, por exemplo, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) no caso da “rachadinha”. Também há o entendimento de que o esquema atuou para viabilizar a manutenção de Bolsonaro na cadeira de presidente, inclusive tendo relação com o plano de golpe de estado, também sob investigação. Ramagem, segundo a PF, orientou o presidente a atacar a credibilidade das urnas e adotar uma estratégia mais hostil no enfrentamento contra o “sistema”.
O que dizem os indiciados
Ramagem não comentou o indiciamento. Em outras oportunidades, negou o envolvimento no esquema e alegou que a Abin nunca contou com uma estrutura paralela. Carlos, por sua vez, afirmou que a PF teria motivações políticas políticas no indiciamento. “Alguém tinha dúvida de que a PF de Lula faria isso comigo?”, questionou o vereador do Rio em uma rede social.
Já a atual gestão Abin, em nota, disse que está “à disposição das autoridades” e frisou que os casos aconteceram em “gestões passadas”.
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