Política

Com governo sob pressão, Congresso indica R$ 6 bi do orçamento secreto em duas semanas

Planalto tentou adiar ofícios para depois das eleições, mas Lira destravou negociações em troca de apoio à PEC

Rodrigo Pacheco e Arthur Lira. Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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Com o governo pressionado pela votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) Eleitoral e a abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar o Ministério da Educação (MEC), o Congresso indicou R$ 6,1 bilhões em emendas do chamado orçamento secreto em duas semanas. O valor é praticamente o dobro do que já tinha sido indicado desde o início de maio. Segundo dados da Comissão Mista do Orçamento (CMO), já foram indicados R$ 12,3 bilhões desse tipo de emenda neste ano, até agora.

Os pedidos foram encaminhados pelo deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ) e publicados nesta terça-feira. Segundo fontes que participaram das negociações, o Executivo tentou segurar essa última leva de indicações para depois das eleições, já que há R$ 16 bilhões para gastar em emendas de relator até o final do ano, apenas R$ 4 bilhões a mais do que já foi distribuído.

As indicações são uma parte do processo orçamentário. Esses pedidos agora estão nas mãos do governo federal. A legislação atual não obriga o governo a gastar o dinheiro, mas impede o Palácio do Planalto de repassar o recurso aos outros beneficiários. Na prática, entretanto, o Poder Executivo e o Congresso têm atuado de forma conjunta na liberação do orçamento secreto.

Em 2020, o governo federal empenhou 97,9% do orçamento secreto previsto na Lei Orçamentária Anual. No ano seguinte, a taxa de obediência foi ainda maior, 99,1%. O empenho é a garantia que o dinheiro será gasto.

Esses gastos, em sua maioria, são destinados para obras e serviços nas bases eleitorais dos parlamentares. Deputados e senadores insistiram pelo envio das indicações ao governo porque, em ano eleitoral, mesmo quando os valores ainda não foram pagos, os empenhos (autorizações de pagamento) do governo federal ou mesmo os pedidos do relator podem ser usados como moeda de troca por apoio de prefeitos.

Legislação eleitoral

A legislação eleitoral impede a transferência de recursos nos três meses que antecedem a eleição, período que começou no último sábado. Até o momento, o governo já empenhou R$ 7,7 bilhões do total previsto para este ano (R$ 16,5 bilhões).

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), que está trabalhando a favor da PEC Eleitoral na Câmara — proposta que permite aumentar o Auxílio Brasil às vésperas das eleições — e conseguiu destravar a negociação. Ele prometeu apoio à PEC com a condição de que o Executivo conseguisse honrar com as liberações, de acordo com fontes que conhecem o assunto.

Se o governo é pressionado pela PEC Eleitoral na Câmara, no Senado, a criação de uma CPI do MEC faz com que o Executivo invista no atendimento a senadores.

O parlamentar que mais assinou destinações até o dia 1º de julho foi o senador Wellington Fagundes (PL-MT), com R$ 150 milhões; seguido pelo presidente da Câmara, que destinou R$ 134 milhões. Em nono lugar, ficou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), responsável por R$ 93,5 milhões em recursos.

Procurado, o senador Wellington Fagundes comemorou e disse ao GLOBO que o dinheiro é importante para o estado do Mato Grosso.

— O que o estado mais quer é que o parlamentar tenha influência. O Mato Grosso é um estado em desenvolvimento, o que mais cresce. Só nesse ano, conseguimos 2,5 mil quilômetros de asfalto novo. As pessoas cobram muito nossa atuação aqui. Então, se eu estiver no topo, vou comemorar.

Procurados, o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, não responderam.

O Orçamento Secreto ganhou notoriedade durante o governo Bolsonaro, quando os congressistas turbinaram as chamadas emendas de relator. Até o ano passado, a autoria das indicações era secreta: ou seja, era difícil apontar qual parlamentar era o responsável pela indicação dos recursos. A partir deste ano, após decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), a Comissão Mista de Orçamento disponibiliza a lista de indicações de cada deputado.

Na última semana, deputados e assessores formaram fila em frente ao gabinete da Presidência da Câmara dos Deputados, onde são controlados os pedidos, para garantir sua fatia no bolo das emendas de relator. Líderes ouviram queixas em seus partidos, já que nem todos foram contemplados: 74% dos deputados conseguiram fazer indicações, mas enquanto alguns parlamentares conseguiram dezenas de milhões de reais, 269 deputados ficaram com menos de R$ 15 milhões.

No Senado Federal, também não houve distribuição para todos: 48 de 81 senadores fizeram indicações. Eles ganharam mais do que os deputados, porém. A média por senador é de R$ 54,9 milhões em indicações, enquanto os deputados atendidos até agora tiveram direito a R$ 14,9 milhões, segundo levantamento do GLOBO.

Não há transparência sobre todos os pedidos. Segundo pessoas próximas aos presidentes da Câmara e do Senado, as indicações feitas por parlamentares da oposição têm sido cadastradas como se tivessem sido feitas por “usuários externos”, com os nomes de assessores de prefeituras e até dos próprios prefeitos constando como autores. Foram R$ 3,9 bilhões indicados nessa modalidade até agora, o que prejudica a transparência.

Na proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada pela Comissão Mista de Orçamento na semana passada, há a previsão de que, no ano que vem, esse tipo de pedido de “usuário externo” tenha que vir acompanhado com o parlamentar contemplado, mesmo quando for formalizado por alguém de fora do Congresso Nacional.

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