Entrevistas

Cid Benjamin: ‘No Brasil, você não tem uma direita democrática, essa é a verdade’

Em conversa com CartaCapital, o jornalista e vice-presidente da ABI fala de impeachment e da busca por uma frente ampla e um ‘centro’

ACM Neto e Rodrigo Maia. Foto: Foto: Roberto Tenorio/Divulgação
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O jornalista Cid Benjamin, ao contrário do Repórter Esso, é mais que testemunha ocular da história. Entre as décadas de 1960 e 1970, fez parte da resistência armada contra a ditadura, foi um dos protagonistas da mais notória reação à ditadura militar: o sequestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, em 1969.

Capturado e torturado, viveu exilado no Chile, em Cuba e na Suécia, de voltou em 1979. Nos anos 80, ajudou a fundar o PT, do qual se afastou nos anos 2000 para fundar o PSOL.

Atualmente, é vice-presidente da centenária Associação Brasileira de Imprensa. Longe do corporativismo que domina as principais associações do ramo, a entidade tem pedido na Justiça o afastamento contra nomes de alto escalão do governo Bolsonaro, incluindo o PGR Augusto Aras, o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde. Em janeiro, a ABI acusou o presidente de crime de responsabilidade.

Benjamin considera, contudo, que as chances de apear o presidente do cargo, por ora, são pequenas. “Não tenho ilusões de que alguém com 30% de popularidade vá sofrer impeachment, não é assim que a banda toca.” Em conversa com CartaCapital em vídeo, ele comenta ainda o namoro entre o capitão e o Centrão, a postura da imprensa, das Forças Armadas e das instituições e a busca por uma frente ampla e por um ‘centro’ antibolsonarista.

Confira, a seguir, os destaques da entrevista:

CartaCapital: O que é preciso pra abrir um processo de impeachment no Brasil? E no caso específico do Bolsonaro?

CB: Acho que a gente deve refletir sobre essa coisa de impeachment. Pessoalmente, não gosto desse quesito na Constituição. Na prática, você tem, no caso do Brasil, os executivos reféns dos legislativos. O Bolsonaro se livrou, até agora, do impeachment porque está atendendo às demandas não políticas e não republicanas do poder Legislativo. Comprou o Centrão, na verdade, e com isso garante não sofrer o impeachment. Agora, claro que há outros elementos. A Dilma, quando caiu, tinha 8% de popularidade. Bolsonaro tem em torno dos 30%. É complicado, quer dizer, você fazer um impeachment com alguém que tem 30%.

Os mais de 60 pedidos que impeachment que foram engavetados pelo Rodrigo Maia ajudam a desgastar o Bolsonaro, se um deles fosse aceito, começasse o debate, isso poderia incluir evoluir para um processo de maior isolamento dele, então é bom que tenha havido esses pedidos de impeachment. Mas eu não tenho ilusões de que alguém com 30% de popularidade vá sofrer impeachment, não é assim que a banda toca.

De qualquer maneira, eu acho que a gente deve refletir essa coisa do impeachment sobre isso e ver se não seria melhor, não agora, mas adiante, numa reforma constitucional, se adotar o referendo revogatório, em vez de um processo de impeachmenT. criadas algumas condições, a população vai votar se o presidente, governador ou prefeito ficam ou não. Porque objetivamente, dessa forma que existe, é um permanente elemento de chantagem do Legislativo sobre o Executivo.

O jornalista Cid Benjamin (Foto: OAB-RJ/Reprodução)

CC: Quanto dura esse namoro com o Centrão?

CB: Ele se comprometeu com uma série de coisas que ainda não bancou, não pagou. Pagará tudo o que foi acertado? É uma dúvida. Até porque há resistência da área econômica, há resistência do Paulo Guedes em pagar esse preço que o Bolsonaro prometeu. Agora, por outro lado, o Centrão não se vende exatamente, ele se aluga, se deixa alugar, e mudando o quadro político, os caras podem recuar perfeitamente, então se a compra ou aluguel do Centrão traz uma relativa segurança pro Bolsonaro de que ele não vai sofrer um impeachment, dois fatores podem melar esse tipo de situação. Um primeiro é o Bolsonaro não pagar o que prometeu pagar. Em segundo lugar, tem a questão da crise. Se a crise se aprofunda e o isolamento do Bolsonaro cresce, o Centrão vai reavaliar essa questão do apoio.

A gente está numa situação com uma pandemia em que entra na segunda onda e tem um número brutal de mortes, já estamos a mais de 220 mil, e é evidente pra maioria da população, e as pesquisas mostram isso, que o governo tem responsabilidade pra essas mortes, pela condução absolutamente irresponsável e criminosa que deu no caso da pandemia. Então tem esse quadro do agravamento da pandemia, que é o previsível… Tem a crise econômica, nós estamos como desemprego recorde também, como é que isso vai ficar exatamente?

CC: Alguns acham que o Bolsonaro aposta no caos para intervir militarmente…

CB: É uma percepção, mas acho que não dá pra cravar isso. Até porque, quando se fala em ruptura institucional e golpe de Estado, aparentemente o Exército não está muito embarcando nessa, vê com restrições esses arroubos ditatoriais do Bolsonaro. E eu não tenho uma posição refratária em relação às Forças Armadas, eu sou filho de um oficial do Exército, acho que não interessa ao País enxovalhar as Forças Armadas, qualquer país soberano tem que ter Forças Armadas e é bom que elas sejam respeitadas. As Forças Armadas já mostraram, pelo menos até agora, eu não sei como vai ser depois da renovação dos generais, mas até agora, que elas não estão embarcando nessas coisas do Bolsonaro. Seria muito bom, até para a imagem dela, que desse uma limpada, o pessoal largasse as (?) civis, em vez de ganhar o soldo general e mais o salário de alto funcionário na administração civil.

O Bolsonaro no fundo fala fino, e ajoelhou no milho direitinho para essa gente que ele chamava de “pior da política brasileira”

CC: Mas ele tem apoio nas PMs…

CB: Que são um fator de fascistização muito grande no País, são 500 mil militares da PM no País inteiro. Agora, para dar um golpe de Estado em que o Exército fique nos quartéis, como na Bolívia , serve muito e esse pessoal tá se especializando, das Polícias Militares principalmente, em oprimir, humilhar, matar, espancar as camadas mais pobres. Agora, o Exército talvez não assista dos quartéis como o exército boliviano assistiu uma tentativa de virar a mesa. 

CC: O que explica esse apoio de setores das Forças Armadas a um governo como o de Bolsonaro?

CB: Temos as Forças Armadas absolutamente conservadoras. Depois da ditadura militar não houve nenhuma tentativa, mesmo dos governos progressistas, de mudar a formação dos oficiais das Forças Armadas. Continuam aprendendo lá que 64 foi uma revolução democrática que salvou o País.

Agora, ainda assim, eles têm se comportado de uma maneira mais profissional, com exceção dos que vão pro governo pegar boquinha, mas mesmo esses não estão sendo visto com bons olhos por boa parte dos militares, que receberam uma série de vantagens, enquanto os trabalhadores em geral e os funcionários civis perderam na reforma da Previdência, os militares ganham e ganham mais vantagens. Mas isso basta pra comprar as Forças Armadas, para que embarquem em qualquer aventura do Bolsonaro? Até agora, parece que não. Voltando ao que eu tinha dito, me parece que a situação pode se agravar do ponto de vista da pandemia e da inação do governo, e do ponto de vista da economia, porque o Guedes aponta a cada instante a recuperação, que vai crescer, e não cresce. Não cresce. 

Os militares ganham e ganham mais vantagens. Mas isso basta pra comprar as Forças Armadas, para que embarquem em qualquer aventura do Bolsonaro? Até agora, parece que não

CCC: Arthur Lira na Câmara e Pacheco no Senado também, indicam, por essa via, o impeachment não sai mesmo. A política econômica, no final das contas, também acaba atendendo à elite. É isso, Bolsonaro fica até o final?

CB: Essa é uma percepção que se tem depois dessas eleições, mas eu não dou tão de barato, porque o Centrão se aluga, mas não se vende. Eu estou convencido que o Rodrigo Maia, depois dessa rasteira que tomou, teria preferido aceitar um daqueles pedidos de impeachment, até pra ter mais elementos da disputa com o Bolsonaro. Ele se acovardou e não fez isso. Mas se a situação do Bolsonaro, a situação política dele, o isolamento crescer, o impeachment pode voltar à tona e mesmo o Centrão pode trair o Bolsonaro.

CC: Como você enxerga esses movimentos em busca de um ‘centro’?

CB: O Brasil é interessante, chama-se de centro a direita, a direita que sabe usar garfo e faca, não come com as mãos, que não é extrema-direita, se coloca como centro e isso não é contestado. Esses neoliberais que usam abotoadura na camisa e têm gravatas bonitas, esse pessoal nunca foi centro. O Centrão nunca foi de de centro. É direita. E, no Brasil, você não tem uma direita democrática, essa é a verdade. Não há uma cultura, em outros países até existe isso. Eu estava no Chile na época do golpe, a Democracia Cristã era um partido de direita, mas jogava o jogo democrático ao longo de décadas no Chile, então enfim, é uma gama, uma corrente de pensamento legítima, que se expressava, existia na sociedade (?) partidária. No caso do Brasil, os partidos são brincadeira, cada um, o pessoal troca de partido como troca de camisa e o próprio Rodrigo Maia é tido como centro, ele agora está pensando em ir para o PSL, o que é o PSL? O partido criado pelo Bolsonaro. Enfim, a gente vai gramar muito ainda pela falta de uma cultura democrática mais arraigada no País.

CC: Cid, à luz da tua experiência pessoal e também da história da ABI, que diferenças apontaria entre 1992, quando Collor caiu, e agora? 

CB: O Bolsonaro fez muito mais. Hoje, um dos grandes objetivos do Bolsonaro é livrar a si próprio e os filhos da quantidade de acusações que existem. O problema é que o Collor, se tivesse tentado comprar o que compõe o Centrão, talvez ele não tivesse caído, ele foi muito arrogante. Ele, inclusive, eu trabalhava n’O Globo na época, quando ele conclamou a população a ir de verde e amarelo nas ruas, eu peguei o telefone e liguei para um amigo que era dirigente sindical para dar uma ideia, que muitos tiveram, e a Central Sindical, que era a CUT, já tinha tido, vamos todo mundo de preto em vez de verde e amarelo. Ele ali deu uma cartada que, ele já estava ladeira abaixo. A arrogância dele foi muito decisiva nesse processo. O Bolsonaro aparentemente fala grosso, mas no fundo ele fala fino, e ajoelhou no milho direitinho com essa gente que ele chamava de “pior da política brasileira”.

CC: Como vê a apresentação de candidaturas e os clamores por uma frente ampla?

CB: Não tem lógica nenhuma lançar candidaturas a presidente agora. E olha que eu não acredito que a oposição se unifique pra 2022, o Ciro não vai deixar de ser candidato, o PT não vai deixar de lançar seu candidato, e o PSOL vai lançar seu candidato também. E tô falando só desses três. Agora, isso não quer dizer que não possa haver um processo de lutas unitário. Eu acho que o Haddad dizer: é o Lula de novo, o Lula falou, então tá falado, o Lula disse pra ele se lançar… A essa altura, isso ajuda em quê? Em nada.

Era o momento dos partidos da oposição e entidades da sociedade civil se unirem não na busca de um candidato comum pro primeiro turno, o que dificilmente vai acontecer — até porque tem a cláusula de barreiraSeria muito mais importante se pegar três ou quatro pontos, não um programa de 10 a 20 pontos, 3 ou 4 pontos e se trabalhar nisso, partidos, entidades da sociedade civil, centrais sindicais e etc, que pontos são esses? Vacinação já, ajuda emergencial, o mínimo de racionalidade no enfrentamento da pandemia e Fora Bolsonaro. Pronto, 4 pontos. E trabalhar nisso. 

CC: Como você avalia a postura da imprensa e das instituições frente a Bolsonaro?

CB: Não acho que esse Congresso seja defensor da democracia ou que o Supremo seja defensor da democracia. Agora, se houver um fechamento do regime ou se o Bolsonaro resolver, por uma emenda qualquer, ampliar o Supremo botando mais 7 ou 8 integrantes, o atual Supremo vai perder força. Se o Congresso for fechado, os deputados e senadores vão perder influência e negócios. A grande imprensa, a mesma coisa. Eu trabalhei por muito tempo n’O Globo, mais de 10 anos, e conheço bem como funciona aquilo lá, O Globo não quer o fechamento do regime. Até se houvesse uma revolução, talvez defendesse, mas não há. Não por acaso o Estadão e a Folha já andaram defendendo o impeachment. O Globo não fez editorial defendendo o impeachment, mas os colunistas que melhor expressam as posições da família que detém o controle do jornal têm feito artigos duros. Claro que elas também não querem uma democracia substantiva, mas isso é outra história.

Eu acho que o Haddad dizer: é o Lula de novo, o Lula falou, então tá falado, o Lula disse pra ele se lançar… A essa altura, isso ajuda em quê? Em nada.

CC: Digamos que Bolsonaro termine o mandato, você acha que cabe uma posterior, para que ele seja de alguma forma julgado? Seja aqui no Brasil, seja em Haia…

CB: Acho difícil. Crimes de responsabilidade é enquanto ele estiver na presidência, depois que ele sair, há vários crimes comuns que ele, a família, tem cometido. Isso vai ser uma questão política, na verdade, como aliás esses julgamentos internacionais são políticos. Os Estados Unidos bombardearam uma série de países sem ter sequer guerra declarada e aprovada no seu congresso. Agora ditadores menores, aí são julgados internacionalmente.

Efetivamente, há elementos para acusar o Bolsonaro de um comportamento não diria genocida, mas criminoso diante da pandemia. Mas o mais provável é que depois que ele saia do mandato, não seja alcançado por um tribunal internacional. Mas é uma especulação fazer qualquer consideração, ou talvez tentar substituir a realidade pelo meu desejo. 

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