Política

Cheque em branco: MP de Bolsonaro dá fundo bilionário a Ricardo Salles

Medida provisória de autoria da Presidência da República dá controle sobre dinheiro de multas do Ibama ao ministro do Meio Ambiente

O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e o presidente da República, Jair Bolsonaro. (Foto: Marcos Corrêa/PR)
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Tramita no Congresso Nacional uma medida provisória, de autoria da Presidência da República, que mira o fundo financeiro criado a partir de multas ambientais. Publicada em 18 de outubro no Diário Oficial da União (DOU), a MP 900/2019 torna o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Ricardo Salles, gestor do fundo responsável pelo financiamento de projetos de recuperação ambiental.

Antes, o fundo era administrado pela equipe técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em conjunto com organizações sem fins lucrativos. Agora, a medida provisória autoriza o Ministério do Meio Ambiente a contratar, sem licitação e por até dez anos, uma instituição privada para gerir o fundo. Segundo o Observatório do Clima, a estimativa é de que o ministro administre cerca de 15 bilhões de reais, dos cerca de 38 bilhões do total de passivo de multas no Ibama.

A medida provisória tem caráter imediato, portanto, o Ministério do Meio Ambiente já tem permissão para gerir o fundo. O Congresso tem 60 dias (com possibilidade de prorrogação por mais 60) para avaliar se a medida pode se transformar em lei – em caso contrário, o texto caduca. Em 45 dias após a publicação do texto, a pauta entra em regime de urgência e impõe prioridade em relação a outras matérias do Congresso. Os parlamentares ainda não criaram uma comissão para analisar a proposta.

O modelo de conversão de multa é uma alternativa ao modelo tradicional em que o empresário apenas paga o dinheiro cobrado pelo Estado. Na conversão, direta ou indireta, o infrator aplica 40% do dinheiro em projetos de recuperação ambiental e ainda ganha 60% de desconto. Na conversão direta, o infrator paga diretamente a um projeto ambiental. Na indireta, as finanças param em uma conta na Caixa Econômica Federal e contribuíam para um projeto que o Ibama selecionava previamente.

A conversão de multas foi criada em 1998, mas o que se fazia era aplicar as finanças em iniciativas espalhadas pelo País. Foi em 2017 que a então presidente do Ibama, Suely Vaz de Araújo, regularizou a conversão indireta, com o argumento de que era preciso melhorar os critérios para direcionar o dinheiro das multas aos projetos ambientais.

Em março de 2018, o Ibama divulgou um chamamento público para selecionar projetos de apoio às bacias do Rio São Francisco e do Rio Parnaíba. Estas iniciativas receberiam financiamento a partir da conversão das multas recolhidas pelo Instituto.

Para especialistas, a conversão da multa é mais eficiente do que o seu simples pagamento, porque, no segundo caso, o processo demora mais devido à falta de celeridade e na insistência do infrator em recorrer.

Segundo a Controladoria-Geral da União, em relatório de abril, o Ibama lavrou cerca de 80 mil autos nos últimos cinco anos, o que representa uma média anual de, aproximadamente, 16 mil autos de infração e 3,7 bilhões de reais em multas ambientais. A CGU avalia que há deficiência do Ibama em 61% dos processos, ligados a multas acima de 100 mil reais e a autos julgados em 2ª instância.

“O ministro quer um fundo para chamar de seu”, avalia diretor de Justiça da WWF

No entanto, em um decreto publicado em abril, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) suspendeu o modelo adotado em 2017. Em outubro, o Palácio do Planalto lançou uma medida provisória que define que as diretrizes de gestão, destinação dos recursos e as definições em relação aos serviços executados “serão estabelecidas em ato do Ministro de Estado do Meio Ambiente”, sem delimitar critérios.

Para Raul do Valle, diretor de Justiça Socioambiental do WWF Brasil, uma das principais mudanças é o fato de, agora, o infrator depositar o dinheiro da multa, não mais para um banco de projetos já pré-aprovados, mas para um fundo privado que não prevê quais iniciativas serão beneficiadas. A parte mais grave da medida provisória, para Valle, é a falta de transparência sobre a utilização do recurso.

“Você tinha um sistema de concorrência pública de propostas, as áreas foram definidas por ampla consulta da sociedade e então havia clareza sobre como o recurso seria utilizado, com formas de controle social e prestação de contas. Agora, a medida provisória dá um cheque em branco para o ministro decidir o que ele quiser sobre onde vai ser gasto o recurso. Isso é um absurdo completo, não é republicano. Uma autoridade, sozinha, não pode definir com a cabeça dela ou consultando quem ela quiser sobre um recurso na casa dos bilhões”, avalia.

Outra alteração criticada por Valle é sobre o método de concessão do desconto ao infrator. Se, antes, o modelo só oferecia 60% de desconto na multa do infrator que não recorresse, agora, Valle observa que a MP 900 facilita a aplicação do desconto.

Segundo ele, o WWF é uma das organizações afetadas com a medida de Salles, pois participava, por meio de um consórcio com outras organizações, de um dos 34 projetos aprovados pelo Ibama. A parceria era liderada pela Fundação Pró-Natureza (Funatura). A iniciativa previa recuperar cerca de três mil hectares na bacia de São Francisco.

“O ministro quer um fundo para chamar de seu, com poder de decidir sozinho sem prestar contas a ninguém. Ele tentou fazer o mesmo com o Fundo Amazônia, tentou interferir na governança do fundo para que pudesse ter poder de decisão e passar ao largo do comitê que faz parte do sistema. Os financiadores do Fundo Amazônia não toparam, obviamente”, afirma. “Agora, ele conseguiu convencer o presidente a fazer isso com os recursos de multas ambientais.”

Parlamentares do Congresso Nacional já apresentaram 94 emendas ao texto do governo, ainda sem previsão para ser votado. CartaCapital procurou o Ibama e o Ministério do Meio Ambiente, mas não obteve resposta.

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