Política

#CartaJáSabia: Sergio Moro, maior que ele, só Deus

Uma retrospectiva diária de textos de CartaCapital que explicam como chegamos nesta era da demência

Sérgio Moro, então Juiz Federal, na Câmara dos Deputados Sérgio Moro, então Juiz Federal, na Câmara dos Deputados. Foto: Lula Marques/AGPT
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Em 9 de junho de 2019, o portal The Intercept Brasil publicou mensagens trocadas entre procuradores do Ministério Público Federal, como o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, e o então juiz federal e atual ministro da Justiça, Sergio Moro. As conversas revelam que os dois articularam para condenar o ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá, a fim de tirá-lo da corrida eleitoral de 2018.

CartaCapital defende há anos que Moro atuava de forma dirigida. Abaixo, trecho da reportagem de capa da edição 1002 da revista – “Onisciente, onipotente”, de 9 de maio de 2018, assinada pelo repórter André Barrocal.

Em 26 de abril, Moro soltou um despacho a avisar que não iria cumprir uma decisão do STF. Queria primeiro examinar o texto dela, o “acórdão”, e depois veria o que fazer. Dois dias antes, uma das duas turmas da Corte lhe havia ordenado que mandasse ao Judiciário paulista as delações da Odebrecht, entre elas as do patriarca da empreiteira, Emilio, e a de seu filho, Marcelo. As deduragens integram uma ação penal aberta por Moro contra o ex-presidente Lula, aquela baseada na acusação do Ministério Público de que o petista ganhou da construtora propina disfarçada de dois jeitos. Uma reforma em um sítio em Atibaia (SP). E um terreno para montar um instituto – e-mails trocados entre Marcelo e FHC, conforme advogados de Lula, indicam que o instituto do tucano recebeu doações iguais.

Moro havia sido instigado pela força-tarefa da Lava Jato a revisar a decisão do Supremo. Liderados por Deltan Dallagnol, o evangélico das convicções sem provas, os procuradores pediram ao juiz, em juridiquês, para não dar bola à ordem. Esta, segundo eles, “não tem qualquer repercussão sobre a competência desse douto juízo para promover e processar a ação penal”, só serve para causar “lamentável tumulto processual”. Diziam ainda que o caso do sítio conteria fartas provas, “em grande parte, colhidas muito antes da colaboração da Odebrecht”, notável sintonia com a posterior escritura de Moro. É “oportuno lembrar”, anotou o juiz, que o processo se iniciou “muito antes” das delações odebrechtianas e constitui-se de “outras provas além dos referidos depoimentos”.

A sintonia é uma das razões para o jurista italiano Luigi Ferrajoli, de 77 anos, famoso teórico do Direito garantista, não ser misericordioso com a Lava Jato, especialmente quando se trata dos processos contra Lula. Na CartaCapital de 22 de novembro de 2017, ele confessou-se impressionado com a “estrutura inquisitória” da operação, “manifestada por três aspectos inconfundíveis das práticas inquisitivas”. A primeirona era justamente a confusão entre juiz e acusação, não se sabe onde termina um e começa a outra: “Moro parece, de fato, o absoluto protagonista deste processo”. A segunda era que a Lava Jato “não busca a verdade do fato, mas procura no prisioneiro o delito”. Por fim, Lula seria tratado como “inimigo” e demonizado pelo juiz por meio da mídia. Motivos para Ferrajoli afirmar que nenhum magistrado de Mani Pulite, a inspiração italiana da Lava Jato, aceitaria comparações entre elas.

Moro analisou a Mãos Limpas em um artigo de 2004 que ajuda a entender por que se portou como instância acima do STF. Para o juiz, as altas cortes brasileiras são “dependentes de fatores políticos”, ou seja, passíveis de influências, impressão que o Supremo não se cansa de confirmar, vide a boa vida que dá a tucanos. O antídoto seria juízes e MP usarem seus poderes no limite. “A Magistratura e o Ministério Público brasileiros gozam de significativa independência formal frente ao poder político. Os juízes e os procuradores da República ingressam na carreira mediante concurso público, são vitalícios e não podem ser removidos do cargo contra a sua vontade”, teorizou.

Ao testar seus poderes, Moro descobriu que são bíblicos. Em março de 2016, divulgou o áudio de um telefonema entre Dilma Rousseff, presidenta na ocasião, e Lula. Gesto ilegal. O chefe da nação pode ser investigado apenas no STF. Como Dilma caiu no grampo, cabia a Moro mandar a gravação ao Supremo. O maior ato político de um juiz brasileiro foi justificado por ele: “As pessoas tinham de conhecer o conteúdo daquele diálogo”. Levou um sermão do falecido Teori Zavascki, então condutor da Lava Jato no STF, e só. “É descabida a invocação do interesse público da divulgação ou a condição de pessoas públicas dos interlocutores atingidos, como se essas autoridades, ou seus interlocutores, estivessem plenamente desprotegidas em sua intimidade e privacidade”, escreveu Zavascki. Uma semana depois, Moro pediu “respeitosas escusas” ao STF, por ter causado polêmica. No Roda Viva de 26 de março passado, deixou claro que não era madalena arrependida. Não acha que errou. “Pedi escusas pela controvérsia gerada, mas jamais pedi escusas a respeito da divulgação daqueles áudios.”

No TRF4, sua instância imediatamente acima, o juiz também levou 10 em onipotência. Alguns advogados acionaram o tribunal sediado em Porto Alegre, em abril de 2016, a cobrar punição pela divulgação do áudio. Assunto encerrado seis meses depois com um “dou fé” da Corte aos poderes de Moro, pois as investigações da Lava Jato “trazem problemas inéditos e exigem soluções inéditas”. Apenas um togado defendeu castigá-lo. Para Rogério Favretto, Moro não podia ter ignorado “dispositivos legais e constitucionais, sobretudo naquilo em que consagram direitos e garantias fundamentais”, e “foi, no mínimo, negligente quanto às consequências político-sociais de sua decisão”.

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