Política

“Brincar com versão é crueldade”, diz procuradora exonerada por Bolsonaro

Eugênia Gonzaga afirmou que soube pela imprensa sobre sua demissão da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos

Foto: Victor Ohana/Carta Capital
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A procuradora regional da República Eugênia Gonzaga Fávero afirmou, nesta quinta-feira 1, que “esta situação de brincar com a versão é crueldade”, após o presidente Jair Bolsonaro (PSL) colocar dúvidas nos relatos do colegiado sobre assassinatos e desaparecimentos ocorridos na ditadura. Eugênia acaba de ser demitida do cargo de presidente da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, posto que será ocupado agora pelo assessor da ministra Damares Alves, Marcus Vinícius Pereira de Carvalho.

A procuradora disse que não recebeu comunicação prévia sobre a decisão de despedi-la. A baixa foi publicada no Diário Oficial da União. “Eu não fui informada. Não soube nem pelo Diário Oficial. Foi por uma nota que recebi de uma repórter, às sete da manhã”, declarou. Além de Eugênia, outros três integrantes, de sete, foram dispensados. Saem a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, o coronel João Batista da Silva Fagundes, indicado pelo Ministério da Defesa, e o deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), indicado pela Câmara dos Deputados.

“Nunca antes um representante da Câmara foi destituído sem que o presidente [da República] pedisse ao presidente da Comissão de Direitos Humanos [da Câmara] que fizesse a sua indicação. Existem princípios maiores, entre eles, a autonomia e o respeito”, disse a procuradora exonerada. Eugênia também reagiu à fala de Bolsonaro que classificou documentos da Comissão Nacional da Verdade como “balela”. Para ela, a declaração é “injuriosa” e “ofensiva à moralidade pública”. O presidente da República está, segundo a procuradora, “descumprindo o dever de representar e defender os órgãos do Estado”.

Ela também informou que o presidente da República solicitou a indicação do procurador Ailton Benedito como representante do Ministério Público Federal na comissão. Eugênia ressaltou que Benedito é conhecido por seu perfil conservador e contrário à pauta dos perseguidos pela ditadura.

A decisão de Bolsonaro ocorre uma semana depois que a Comissão emitiu um documento desmentindo sua versão sobre a morte de Fernando Santa Cruz, pai de Felipe Santa Cruz, presidente da OAB. Bolsonaro havia dito que Fernando foi assassinato por colegas de militância, enquanto o órgão sustenta que o fato ocorreu “em razão de morte não natural, violenta, causada pelo Estado Brasileiro”.

“Estamos montando uma armadilha”, diz procurador

Para o procurador Marlon Weichert, presente na coletiva, o presidente da República não tem “cheque em branco” para nomear qualquer pessoa à Comissão. “São comissões de implementação de direitos. Você não pode nomear pessoas que tenham perfil contrário a esses direitos, porque esses direitos foram reconhecidos por lei. Essa contradição é inaceitável do ponto de vista jurídico, político e social.”

Segundo o procurador, tanto a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos como a Comissão de Anistia e a Comissão da Verdade têm sofrido desmantelamento pelo Estado nos últimos meses.

“A gente está montando uma grande armadilha. Primeiro, porque as decisões da Comissão de Anistia serão anuladas, não há legitimidade. Segundo, porque aqueles que tomaram estas decisões estão criando, para o Estado, novos passivos, porque estão, novamente, violando o direito dessas pessoas, o que pode gerar direitos a novas reparações. Terceiro, o número de demandas crescerá no âmbito dos tribunais internacionais. À medida que o Estado deixa de implementar políticas de direitos humanos, abre-se a janela para se buscar nos tribunais internacionais”, afirmou.

Amelinha Teles, ex-militante contra a ditadura e parente de desaparecidos, esteve na coletiva e disse que, junto a demais familiares de perseguidos, enviou uma carta à Corte Interamericana de Direitos Humanos, exigindo explicações do presidente da República sobre as declarações dadas nos últimos dias. “Escrevemos uma carta para a Corte Interamericana de Direitos Humanos para interpelar, junto ao governo brasileiro, sobre as colocações do presidente, extremamente irresponsáveis e levianas.”

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