Política

Brasil faz ‘leilão do fim do mundo’ e avança na exploração de petróleo em áreas sensíveis

O certame, considerado o maior da categoria já realizado, abrange 63% dos 955 blocos que a ANP poderia oferecer

Bacia de petróleo de Santos. Foto: Agência Brasil
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Um dia após o término da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP28, o Brasil realizou, na quarta-feira 13, o leilão de 603 blocos para exploração de petróleo e gás natural, um contrassenso às preocupações levantadas durante o evento, que destacou a urgência de substituir os combustíveis fósseis, responsáveis por mais de 75% das emissões de gases de efeito de estufa, por fontes de energia renováveis. Hoje, o Brasil ocupa a 9° posição na produção desses vilões do aquecimento global.

O certame é considerado o maior da categoria já realizado, o que o levou a ser chamado de “leilão do fim do mundo”, e constitui 63% dos 955 blocos possíveis de serem ofertados pela Agência Nacional de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP). Segundo a ONG Instituto Arayara, a exploração desses blocos pode representar mais de um giga de toneladas de emissões de dióxido de carbono (CO2). A entidade fez um mapeamento das regiões a serem exploradas e identificou que muitos blocos estão sobrepostos em unidades de conservação e em comunidades indígenas e quilombolas.

O impacto ambiental levou a Arayara a mover uma ação na Justiça pedindo a suspensão do certame, que aconteceu no Windsor Barra Hotel, no Rio de Janeiro. Dentre as áreas de proteção ambiental atingidas, está a Costa dos Corais, em Alagoas, a poucos metros de distância da região onde há o afundamento de cinco bairros de Maceió, provocado pela imperícia da Braskem na exploração de sal-gema. “A distância é de apenas 1,4 quilômetro, numa região que está passando por uma situação superdelicada. Nenhuma das comunidades foi ouvida sobre exploração de petróleo”, critica o biólogo marinho Vinícius Nora, gerente de clima e oceanos do Arayara.

O estudo realizado pela ONG também identificou a sobreposição de 15 blocos em 22 terras indígenas, das quais 21 estão na Amazônia Legal, numa extensão de 47 mil quilômetros quadrados. Nove etnias estão no caminho da exploração petrolífera: Sateré Mawé, Mundukuru, Mura, isolados do Pitinga/ Nhamunda-Mapuera, isolados do Rio Kaxpakuru/Igarapé Água Fria, Kahyana, Katxuyana, Tunayana e Xokleng.

Dentre as cinco comunidades quilombolas ameaçadas, três estão no Espírito Santo, uma em Alagoas e outra no Ceará. A situação mais crítica é a do Quilombo do Córrego de Ubaranas, no município cearense de Aracati, uma vez que todo o território será sobreposto por um dos blocos ofertados.

Na bacia Potiguar, que faz parte da Margem Equatorial e se estende desde o rio Amazonas até Fernando de Noronha, Rio Grande do Norte e Ceará, foram oferecidos 187 blocos, os quais estão em área de recursos não-convencionais, o que significa que a extração deve ser feita por meio de fraturamento hidráulico, o chamado fracking, considerado uma técnica poluente em que é necessário injetar grandes quantidades de água, areia e produtos químicos para romper a rocha e fazer com que o combustível chegue à superfície. São 1,3 quilômetros de extensão, composto por 14 formações geológicas submersas, com exceção das que estão em Noronha e Atol das Rocas. Felizmente, nesta região, não houve registro de interessados na atividade petrolífera que ameaça os corais e o ecossistema marinho. Já na sensível bacia do Amazonas, alvo de controvérsias no licenciamento pelo Ibama, entrou na mira de empresas que desejam participar da exploração.

Na Bahia, sobretudo na bacia do Recôncavo, as águas subterrâneas podem ser contaminadas pelo combustíveis fósseis, comprometendo a irrigação e o abastecimento da população. No Espírito Santo, alguns blocos ameaçam áreas da Mata Atlântica, no Parque de Itaúnas, assim como acontece com a Reserva Extrativista de Cassusurá, colocando em risco o Parque Nacional Marinho de Abrolhos, no extremo sul baiano.

“O Brasil acabou de apresentar um ajuste da Nota Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês) durante a COP 28, um evento focado na redução das emissões de gases causadores do efeito estufa. A expectativa é de que, com o leilão, entre  2025 e 2030, haverá um aumento de 1,3 giga de tonelada de gás de efeito estufa, o que, certamente, deve anular  nossa chance de alcançar as metas, além de estar na contramão do mundo. Esse número pode ser ainda maior, porque não estamos computando a operação da sequestração do petróleo, tampouco o transporte e os gases fugitivos, o que pode aumentar esse cálculo entre 15% e 18%”, destaca Nora.

A ANP justifica que o leilão não significa aprovação tácita para o licenciamento ambiental pelos órgãos responsáveis, uma etapa a ser realizada após a assinatura dos contratos. “Todas as atividades que as concessionárias venham a executar nas áreas demandarão detalhado processo de licenciamento ambiental, o qual será conduzido pelo órgão competente”, afirma a agência em nota, concluindo que o “licenciamento realizado pelos órgãos ambientais competentes é condição obrigatória para a realização de qualquer atividade em um bloco sob contrato.”

Os especialistas alertam para a insegurança jurídica do leilão, considerando a imprevisibilidade da licença ambiental posterior e a judicialização do processo. A ANP afirmou que não irá se manifestar sobre as ações judiciais. Além dos 603 blocos que fazem parte do 4º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão, outros cinco blocos do pré-sal foram ofertados em regime de partilha. Até a conclusão desta reportagem, na própria quarta-feira 13, o leilão ainda não havia sido finalizado.

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