Política

assine e leia

Braga Netto liberou R$ 401 milhões a projetos indicados por aliados de Bolsonaro

O ‘orçamento secreto’ do Ministério da Defesa abasteceu redutos eleitorais de senadores fieis ao governo

Braga Netto liberou R$ 401 milhões a projetos indicados por aliados de Bolsonaro
Braga Netto liberou R$ 401 milhões a projetos indicados por aliados de Bolsonaro
O ex-ministro é cotado para ser vice na chapa do atual presidente - Imagem: Isac Nóbrega/PR
Apoie Siga-nos no

Em dezembro do ano passado, uma auditoria do Tribunal de Contas da União constatou que o Ministério da Defesa torrou parte da verba destinada ao combate à Covid-19 para comprar picanha, filé mignon, salmão, bacalhau, bebidas alcoólicas e outros itens supérfluos. Agora, uma reportagem do jornal O Globo revela que a pasta repassou recursos das Forças Armadas para redutos políticos de seus aliados no Senado. Em 2021, o então ministro Walter Braga ­Netto, general da reserva do Exército e cotado para ser vice de Bolsonaro nas eleições deste ano, reservou 588 milhões de reais para o “orçamento secreto”, jabuticaba criada no Congresso dois anos antes para beneficiar parlamentares que votam a favor de projetos do governo. Desse montante, ao menos 401 milhões foram destinados a projetos indicados por 11 senadores da base governista.

Orçamento secreto é como ficaram conhecidas as emendas de relator, que não identificavam os nomes dos parlamentares que davam pitaco na destinação de recursos da União. Somente após o Supremo Tribunal Federal exigir a publicação dos dados, foi possível desvendar a dimensão da farra dos aliados do governo no Legislativo. No caso do Ministério da Defesa, ao menos 4,5 milhões de reais foram destinados à construção de seis campos de futebol com grama sintética em Macapá – e não se trata de instalações para manter o condicionamento físico dos militares, os equipamentos são para o lazer da população local. Outros 400 mil reais foram usados para erguer uma capela mortuária em São Félix do Araguaia, município de Mato Grosso com menos de 12 mil habitantes.

O investimento na sala de velório foi indicado, no escurinho do orçamento secreto, pelo senador Wellington Fagundes, do PL de Bolsonaro. Mas a prefeita Janailza Taveira Leite, do Solidariedade, sabia muito bem a quem prestar tributo. “Só tenho a agradecer à boa gestão do Braga Netto e ao senador Wellington por essas obras. O senador é nosso campeão de votos aqui e vai ser de novo nesta eleição, se Deus quiser”, disse a gestora, que também recebeu 2 milhões da Defesa para asfaltar ruas.

No seleto grupo de senadores com poder de influenciar na destinação de recursos das Forças Armadas figura Chico Rodrigues, que se tornou nacionalmente conhecido após ser flagrado com 30 mil ­reais escondidos na cueca em uma operação da Polícia Federal, criada para apurar o desvio de recursos públicos destinados ao enfrentamento da pandemia. À época, Rodrigues era vice-líder do governo Bolsonaro no Senado. Em 2021, o parlamentar manejou uma verba de 30 milhões de reais do orçamento secreto da Defesa, privilegiando, evidentemente, os seus redutos eleitorais. “O Chico era líder do governo, é do DEM (atual União Brasil). Acaba recebendo um carinho maior”, observa Telmário Mota, líder do PROS no Senado, que também representa o estado de Roraima na Casa Legislativa.

Outro favorecido pelas verbas ocultas é Márcio Bittar, relator do Orçamento de 2021. No ano passado, o senador orientou a destinação de 207 milhões de reais para projetos de seu interesse, enquanto o colega Sérgio Petecão, que igualmente representa o povo acriano, ficou de mãos vazias. “Não sei o critério que o governo adota. E os prefeitos cobram isso da gente”, lamentou o parlamentar do PSC ao Globo.

As despesas consumiram, com o aval de Braga Netto, parte dos recursos disponíveis para o programa Calha Norte, criado nos anos 1980 para obras de infraestrutura básica e aquisição de equipamentos para quartéis em áreas remotas do ­País. Em vez de aparelhar melhor as Forças Armadas, o então ministro se dispôs a financiar projetos que podem render dividendos eleitorais para os senadores leais a Bolsonaro. Por meio de nota, o Ministério da Defesa tentou eximir-se da responsabilidade, dizendo que “cabe ­exclusivamente aos parlamentares, nos termos da lei vigente, definirem quais municípios serão contemplados, quais obras serão realizadas ou quais equipamentos serão adquiridos, por meio da destinação de emendas (individuais, de bancada ou de relator)”. Mas a análise das emendas propostas pelos congressistas, como o próprio texto reconhece, deve ser feita pela pasta “a partir de critérios técnicos e não políticos”. Dos 11 senadores contemplados com recursos das Forças Armadas – oh, surpresa! – nenhum deles pertence a partidos de oposição ao governo.

Em 2020, mais de 6,1 mil militares, da ativa ou da reserva, ocupavam cargos civis no governo federal, segundo uma auditoria do TCU. Ao incluir os oficiais que ocupam cargos comissionados em tribunais e comandos militares, o total passa de 8,4 mil, revela um levantamento feito pelo ­site Poder 360, com base em dados obtidos via Lei de Acesso à Informação. Desde o início da gestão Bolsonaro, os fardados receberam numerosas benesses do governo. Em 2019, quando a reforma da Previdência retirou direitos e impôs um período de contribuição maior para a grande maioria dos trabalhadores brasileiros, os integrantes das Forças Armadas conseguiram conservar privilégios e ainda ganharam um generoso plano de reestruturação de carreiras, que aumentou o salário dos militares na ativa em até 43%. Até o fim de 2020, o aumento nos soldos e outros penduricalhos custará aos cofres públicos mais de 21 bilhões de reais.

Em fevereiro de 2021, deputados do PSB pediram à Procuradoria-Geral da República para investigar os elevados gastos das Forças Armadas com itens supérfluos em plena pandemia. O levantamento feito pelos parlamentares revelou, por exemplo, a compra de 80 mil unidades de cerveja e mais de 700 toneladas de picanha. Os oficiais, por sinal, eram exigentes na escolha dos itens do churrascão. Para acompanhar a carne nobre, cujo quilo chegou a custar aos cofres públicos 118 reais, a geladinha precisava ser de marcas prestigiadas, como Stella Artois, Heineken e Eisenbahn. Ao término daquele ano, o TCU revelou que a Defesa usou 545 mil reais da verba de combate à Covid-19 para comprar filé ­mignon, salmão, bacalhau e outras iguarias essenciais ao paladar apurado da turma.

As regalias apenas reforçam as desconfianças da oposição de que os militares possam embarcar nas aventuras golpistas de Bolsonaro, que há tempos tenta colocar em dúvida a lisura do processo eleitoral. “Para entregar o poder aos civis no fim da ditadura, os militares impuseram uma autoanistia, que os livrasse de punições pelas torturas, assassinatos e desaparecimentos forçados. Agora, depois de retornar ao poder com Bolsonaro, eu me pergunto que garantias eles vão exigir de nós”, comenta a deputada petista Maria do Rosário, ex-ministra dos Direitos Humanos de Dilma Rousseff. “Será que todo esse discurso de armar a população, de questionar as urnas eletrônicas, não é o ensaio de um golpe? Não duvido.” •

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1203 DE CARTACAPITAL, EM 13 DE ABRIL DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Braço forte, verba amiga”

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo