Política
Bolsonaro tenta se afastar do homem-bomba de Brasília. Vai colar?
A julgar pelo que afirmaram três personagens-chave para a investigação e suas consequências, parece improvável


Jair Bolsonaro acredita que o homem-bomba morto na porta do Supremo Tribunal Federal (STF) em 13 de novembro agiu “ao que tudo indica (…) por perturbações de saúde mental” e que o episódio foi um “fato isolado”. É o que diz uma postagem em seu perfil na rede X, ex-Twitter. O comentário parece uma tentativa de distanciar-se do ocorrido, no momento em que a Polícia Federal se prepara para concluir o inquérito sobre os eventos de 8 de Janeiro de 2023. Mas será que essa tentativa vai colar?
A julgar pelo que afirmaram três personagens-chave para a investigação e suas consequências, parece improvável. Alexandre de Moraes, ministro do STF; Paulo Gonet, procurador-geral da República; e Andrei Rodrigues, diretor da Polícia Federal, veem conexão entre o ataque de Francisco Wanderley Luiz e o clima de extremismo fomentado por Bolsonaro, sendo o 8 de Janeiro um desdobramento desse cenário.
“Quero lamentar essa mediocridade das pessoas que, por questões ideológicas, banalizam [o caso da bomba], dizendo o absurdo de que foi, por exemplo, um mero suicídio”, declarou Moraes na sessão do STF desta quinta-feira 14. Ele não citou o ex-capitão, mas ficou evidente a quem se referia ao acrescentar: “Essas pessoas não são negacionistas só na área saúde, são negacionistas do Estado de Direito e devem ser responsabilizadas e serão responsabilizadas.” Moraes, que é relator do inquérito sobre o 8 de Janeiro, também assume o caso do homem-bomba.
“Fica claro que o desrespeito às instituições continua a ter sinistros desdobramentos”, afirmou Gonet, na mesma sessão. Como procurador-geral, ele é o único autorizado a processar Bolsonaro por crimes comuns no STF. Quando a PF finalizar o inquérito do 8 de Janeiro, caberá a Gonet decidir se levará o ex-presidente ao banco dos réus.
Em 2023, Gonet participou do julgamento do TSE que condenou Bolsonaro a oito anos de inelegibilidade por abuso de poder político. Na ocasião, afirmou que “o chamado à desconfiança nas eleições (…) provocou reações de desabrida e descomedida desconfiança de parcela da população sobre a legitimidade dos resultados nas urnas”. Mais: que os atos pró-Bolsonaro na porta de quartéis e em rodovias decorreram do “chamado à desconfiança” e que “estão ainda presentes e nítidas as imagens do dia 8 de Janeiro último de destruição e de acinte aos poderes constituídos”.
Em maio deste ano, Gonet acusou perante ao STF um casal de empresários de Santa Catarina (mesmo estado do homem-bomba) acusando-os de financiar bloqueios de rodovias após a eleição de 2022. Na denúncia, ele argumentou que os atos antidemocráticos culminaram no ápice em 8 de Janeiro de 2023.
Já Andrei Rodrigues, chefe da Polícia Federal, declarou em coletiva recente que o episódio do homem-bomba “não é um fato isolado, mas conectado a várias outras ações investigadas pela PF”. Segundo ele, Luiz estava em Brasília no início de 2023 e teria deixado mensagens citando pessoas envolvidas nos atos do 8 de Janeiro. A ex-esposa de Luiz também relatou que o alvo do ataque era Moraes, a quem Bolsonaro insultou publicamente em 2021: “Sai, Alexandre de Moraes, deixa de ser canalha”.
O ministro Gilmar Mendes, na sessão do STF desta quinta-feira, reforçou: “A reconstituição dos eventos nacionais recentes demonstra que o ocorrido na noite de ontem infelizmente não é um fato isolado.” Mendes lembrou que, nos últimos anos, atentados contra as instituições têm sido cometidos por simpatizantes de extrema-direita, inspirados por figuras de liderança.
Em outubro de 2022, o ex-deputado Roberto Jefferson, aliado de Bolsonaro, recebeu policiais com tiros e granadas para evitar a prisão. Em dezembro, bolsonaristas vandalizaram Brasília e tentaram invadir a sede da PF, em resposta à prisão de um indígena pró-Bolsonaro que pregava resistência violenta à posse de Lula. O saldo desses eventos: nenhum preso.
George Washington de Oliveira Souza, em depoimento à Polícia Civil de Brasília, revelou que, em dezembro de 2022, preparou uma bomba, instalada por aliados em um caminhão-tanque no aeroporto. A explosão foi evitada graças à rápida ação da polícia, avisada por um motorista de caminhão que viu o artefato. Souza e seus cúmplices foram condenados à prisão por causa do plano.
A bomba havia sido montada em um acampamento em frente ao QG do Exército, onde simpatizantes de Bolsonaro pediam intervenção militar. Dali saíram vários participantes do quebra-quebra de 8 de Janeiro. Ao afastar o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, no dia da insurreição, Moraes destacou que o acampamento estava “infestado de terroristas”.
No dia seguinte àquela insurreição, Moraes reuniu-se com os chefes das Forças Armadas. Disse que, por menos do que havia acontecido, brasileiros haviam sido torturados e mortos. Também lembrou que Bolsonaro havia saído do Exército pela ‘porta dos fundos’, nos anos 80, em razão de planejar ataques a bomba em busca de reajuste salarial.
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