Política

Bolsonaro atribui queda nos homicídios à sua política pró-armas; especialistas discordam

O que aconteceu no Brasil, na verdade, é uma redução de conflitos do crime organizado e dos conflitos entre facções criminosas na Amazônia

Foto: EVARISTO SA / AFP
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No cercadinho em frente ao Palácio do Alvorada, em rápida conversa com apoiadores nesta segunda-feira 21, o presidente Jair Bolsonaro (PL) celebrou a redução no número de homicídios no Brasil em 2021, revelada pelo monitoramento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo site G1.

Ao comemorar os dados, no entanto, Bolsonaro atribui a queda de 7% no número de assassinatos registrada no ano passado por um suposto sucesso de sua política armamentista, focada na liberação de armas sem fortes restrições e no pouco controle de munições em território nacional. A política armamentista, no entanto, não é um dos motivos elencados pelos especialistas para a redução. Pelo contrário, o descontrole sobre os equipamentos é visto como um fator risco por quem acompanha o tema.

“Vocês viram que o número de homicídios caiu ao menor número histórico, né? A imprensa não fala que caiu”, inicia Bolsonaro no cercadinho. Neste pequeno trecho, há outra distorção, uma vez que os dados do fórum de segurança foram compilados e divulgados por um veículo de imprensa nacional.

O ex-capitão então segue sua declaração: “Entre outras coisas, teve a liberação das armas pro pessoal de bem, então o cara pensa duas vezes antes de fazer uma besteira. Agora, se tivesse aumentado quem era o culpado?”, ironiza Bolsonaro.

Especialistas, no entanto, discordam do presidente. Rafael Alcadipani, pesquisador membro do Fórum de Segurança Pública e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV), em entrevista a CartaCapital, destaca que a relação entre os temas, na verdade, são opostas e que nas próximas décadas será possível ver o efeito negativo da atual política bélica de Bolsonaro.

“Não tem absolutamente nada a ver uma coisa com a outra. Neste momento, os populistas sempre tentam trazer para eles a vitória que não é deles”, critica. “São inúmeros fatores que levaram a queda e nenhum deles tem relação com o que o inquilino do Planalto está tentando colocar.”

“Se for ver em detalhes o que aconteceu no Brasil, na verdade, é uma redução de conflitos do crime organizado e dos conflitos entre facções criminosas na Amazônia. Além de que vários estados, em especial no Nordeste, conseguiram resolver questões que impediram novas greves de policiais como a ocorrida no Ceará, mais recentemente. Junto a tudo isso, ainda temos um cenário de menor circulação pela pandemia, o que também contribui para a queda”, detalha Alcadipani.

Fazem coro à análise de Alcadipani, o diretor-presidente do Fórum de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, e Bruno Paes Manso, jornalista e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP).

“Entre as causas estão a profissionalização do mercado de drogas brasileiro; maior controle e influência dos governos sobre os criminosos; apaziguamento de conflitos entre facções; políticas públicas de segurança focalizadas; e redução do número de jovens na população”, listou Lima em suas redes sociais.

O pesquisador também destacou a forte queda nos índices de violência no Ceará, em especial, após a solução do motim policial no estado, que resultou no início de 2020. Para ele, resolver o conflito de forma definitiva foi determinante para a redução no número de homicídios no País. O Ceará, sozinho, foi responsável por 25% da redução total dos homicídios no Brasil.

“Homicídios são fenômenos multicausais. Mas, no caso, podemos constatar que quando o motim ocorreu, as mortes no estado cresceram. E, sem ele, elas caíram. Ou seja, há aqui um fator político interveniente que merece atenção e destaque”, explicou Lima.

Paes Manso, em artigo publicado no G1, também detalha a pouca relação que o recrudescimento nos índices tem com a política de armas de Bolsonaro. Novamente, as mudanças na organização de grupos criminosos no Brasil é apontada como principal fator motivador dos números de 2021.

“Essa tendência de queda pode ocorrer a despeito do aumento da venda de armas e munições no mercado. As armas e munições legais e ilegais – que são desviadas e ingressam no mercado do crime – não causam, isoladamente, variações nas taxas. Elas tendem a aumentar os homicídios circunstanciais, em bares, boates e no trânsito, por exemplo, e os feminicídios. Mas não afetam necessariamente as dinâmicas criminais nos estados”, destaca o pesquisador no texto.

“O Rio de Janeiro é um exemplo. Apesar da imensa quantidade de fuzis nas mãos de traficantes e milicianos, que controlam diversas comunidades do estado graças a esse poder bélico, a atual força política dos milicianos têm inibido conflitos por poder e mercado, contribuindo para uma redução de mortes intencionais violentas que persistiu nos últimos quatro anos”, complementa Paes Manso.

Resultado negativo da política de armas de Bolsonaro serão colhidos na próxima década

Para Alcadipani, a política armamentista de Jair Bolsonaro irá impactar negativamente os dados na próxima década. ‘Bolsonaro irá transferir o custo para o próximo presidente’, alerta o pesquisador.

“Isso vai virar uma bomba relógio na mão do sucessor dele. Todos os estudos mostram o caminho contrário do que é apontado pelo presidente. A liberação descontrolada de armas e munições contribui para o aumento da violência, são muitos dados que comprovam isso”, destaca.

“Assim como não é do dia para noite que uma política desarmamentista traz resultados, a atual política de armas vai demorar um pouco para mostrar seus reais impactos. Essas armas levam algum tempo para chegarem na mão de criminosos. Mas, com certeza, na próxima década veremos os resultados negativos disso”, projeta Alcadipani.

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