Política

‘Bolsonaro não aceita que as Forças Armadas sejam instituições de Estado’

Para o ex-ministro Rubens Ricupero, Mourão destoa do presidente, ‘mas não comanda tropas’; instituições demonstram fragilidade ante ameaças

O diplomata Rubens Ricupero
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Ao mudar, em menos de 24 horas, o Ministério da Defesa e todos os comandantes das Forças Armadas, o presidente Jair Bolsonaro deseja que os militares deixem de enxergar o Exército, a Marinha e Aeronáutica como instituições de Estado e os considerem uma força a serviço de um projeto político.

A avaliação é de Rubens Ricupero, diplomata, ex-ministro da Fazenda e do Meio Ambiente e ex-secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento. Para ele, Bolsonaro tenta recuperar sua posição de força e reverter o desgaste.

Na segunda-feira 29, uma das seis mudanças anunciadas pelo presidente foi a saída do general Fernando Azevedo e Silva da Defesa e a chegada do general Walter Braga Netto. Nesta terça, a pasta emitiu uma nota em que confirmou a queda de Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica).

Nas redes sociais e no meio político, houve quem interpretasse o movimento como um sinal de que Bolsonaro planeja ‘endurecer o regime’. Para outros, trata-se um de sinal de fraqueza e de isolamento, em meio ao dramático avanço da Covid-19, às trapalhadas diplomáticas e aos erros em série do Ministério da Saúde, sem contar o interminável embate com os governadores em torno das medidas de distanciamento social.

Leia os principais trechos da entrevista com Rubens Ricupero, realizada nesta terça-feira 30:

CartaCapital: O que Bolsonaro planeja com essas mudanças em série?

Rubens Ricupero: A explicação só poder ser uma: a de que Bolsonaro não aceita as Forças Armadas como instituições de Estado e deseja que sejam uma força a serviço do projeto dele. Isso não quer dizer que ele pretenda com isso desfechar um autogolpe, mas acho que ele pretende criar uma situação em que ele recupera a posição de força.

O que eu vejo é que ele sofreu nas últimas semanas um desgaste muito grande de poder, em parte por causa do agravamento da pandemia, por ele ter sido obrigado a contragosto a mudar o general Pazuello e até passar a usar máscara. Ele teve de engolir esses sapos. Depois, houve o episódio, que não pode ser subestimado, daquela carta de mais de 500 economistas (fui um dos signatários). Aquela carta é um ponto de inflexão, porque pode ser interpretada como um sinal claro de que boa parte das elites econômicas já está se afastando do governo, e a carta é claramente um repúdio ao governo. Isso o enfraqueceu muito.

E esse processo culminou com a saída do Ernesto Araújo, que se precipitou por causa da ida dele ao Senado, àquela audiência que foi uma espécie de linchamento público. Bolsonaro se sentiu acuado, cada vez com menos espaço, e daí acho que vem essa reação instintiva dele. Não acredito que tudo isso seja explícito na cabeça dele, que é a de voltar a ter força para usar aquele argumento do ‘meu Exército, minhas Forças Armadas’. Ele quer utilizar isso como uma ameaça latente, mas, para fazer isso, precisa mudar a Defesa e os comandos, porque estava claro que o general Pujol não concordava com isso.

Através dessa demissão na Defesa e da nomeação dos comandantes, a intenção dele é dar credibilidade às ameaças que periodicamente faz de que tem as Forças Armadas ao lado dele. Isso ele faz para poder enfrentar, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal, porque no meio disso tudo tem um elemento importante: aquelas decisões sobre o Lula, de o Lula poder ser candidato outra vez, a mudança de voto da ministra Carmen Lúcia… Segundo rumores, ele [Bolsonaro] queria que o comandante do Exército se pronunciasse e o comandante não quis.

Sem duvida nenhuma, é uma manobra para reforçar a sua posição. Agora, se vai conseguir ou não, não sei.

CC: Nesta terça, Mourão disse que, assuma quem assumir as Forças Armadas, não há risco de ruptura…

RC: É uma posição oposta, tanto assim que, segundo relatos, o Bolsonaro cada vez exclui mais o Mourão das deliberações. Eu acredito que o grupo que acompanha o Bolsonaro nisso é aquele pequeno que ele tem na Presidência. Aquele que ele nomeou para a Defesa, aquele general Ramos, almirante Flávio Rocha, essa gente. Eu não vejo que o Mourão esteja nesse grupo, mas ele não tem comando de tropas. Por isso, o fundamental é saber qual é o sentimento real dos comandos, não dos generais de pijama ou do presidente do Clube Militar, mas das pessoas que comandam tropas, mesmo. Como estão os integrantes do Alto Comando do Exército? Essa é a minha grande dúvida. Aí é que está a solução do problema.

CC: As instituições brasileiras estão prontas para barrar qualquer tentativa de ruptura? Ou isso o preocupa?

RC: A mim me preocupa. Não tenho certeza de que estejam prontas. Ao contrário, acho que são frágeis. Temos visto que as instituições foram muito claudicantes desde que esta presidência começou. O STF, a Câmara e o Senado nunca foram capazes de mostrar uma posição de fato de unidade, de colocar a preservação da democracia, da Constituição e dos direitos humanos acima de qualquer outra consideração.

Houve figuras mais ou menos corajosas, como, em algum momento, o Rodrigo Maia, mas o que temos visto é uma perigosa demonstração de divisão dessas instituições. Do STF não preciso nem falar. Tem bate-boca que parece briga de botequim. Então, o STF é corroído por grandes divisões, inimizades pessoais, antipatias. Não vejo neles essa postura unânime, forte, serena, respeitada pelo País. Os outros tribunais, ni hablar. O STJ a gente vê o que tem feito pelo senador Flavio Bolsonaro. E o Congresso tem o próprio exemplo das ultimas eleições, com o avanço do Centrão, o que mostra bem que são grupos que, como sempre, querem se beneficiar do poder.

Durante o período militar, nunca faltaram políticos brasileiros que fizeram parte dos partidos organizados pelo governo militar, que se prestaram a um papel colaboracionista, do primeiro dia até o último. Estamos vendo isso hoje. De maneira geral, o que a gente tem visto é uma atitude de que, diante da postura do Bolsonaro, que prova sempre os limites de até onde pode ir, cada vez as pessoas vão aceitando engolir sapos maiores. E a verdade é que ele já cometeu crimes de responsabilidade às pencas e poderia ter sido denunciado.

E esses processos do STF? Tem cabimento que aquele processo aberto no STF sobre a denúncia de que ele [Bolsonaro] demitiu o Moro porque queria influir na Polícia Federal até hoje não tenha sido concluído? Estão esperando que a PF investigue se ele queria interferir na PF? É uma violação prima facie, que você vê de saída. O fato foi para mudar o diretor da PF, o próprio Bolsonaro admitiu. Eles têm medo.

E o outro é o famoso processo que está nas mãos do Alexandre de Moraes, sobre aqueles grupos de mídia social [Inquérito das Fake News]. Tem cabimento uma investigação que não acaba nunca? Essas instituições fazem alguma coisa, mas até certo ponto.

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