Política

Bolsonaro agirá contra Venezuela mesmo diante da crise do coronavírus?

Enquanto cresce tensão militar, presidente defende o Congresso venezuelano, mas bate no daqui

O presidente Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Foto: Carolina Antunes/PR
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O ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Jorge Arreaza, chamou em 9 de março diplomatas estrangeiros atuantes em Caracas e mostrou preocupação. Comentou que Estados Unidos, Brasil e Colômbia parecem planejar um bloqueio naval contra seu país. Esse tipo de bloqueio, prosseguiu, é “reconhecido pelas Nações Unidas com uma modalidade de uso da força”. Ou seja, ato de guerra.

Naquele dia, Jair Bolsonaro estava em Miami. Tinha chegado na antevéspera e ido jantar com Donald Trump na casa de veraneio dele. Na semana anterior, tinha ido aos EUA e a Trump outro presidente sul-americano direitista inimigo dos venezuelanos, Ivan Duque, da Colômbia, nação que faz fronteira com a de Nicolás Maduro.

Vários movimentos recentes de Bolsonaro, Duque e Trump alimentam os temores da Venezuela, uma economia dependente do petróleo, cujo preço despencou nos últimos dias devido a uma disputa entre Arábia Saudita e Rússia que tem o coronavírus na origem. Se o país sofrer um bloqueio naval que impeça o trânsito de navios petroleiros, será uma tragédia para uma nação já em ruínas.

Desde 9 de março, o dia da reunião de Arreaza com diplomatas estrangeiros, Colômbia e EUA fazem exercícios militares conjuntos, que são ensaios para situação reais de combate. Realizam-nos em uma área colombiana ao lado da Venezuela, La Guajira. Em 26 de janeiro, os dois países tinham feito um outro exercício e deste o Brasil havia participado, na condição de observador.

Será que Bolsonaro dividirá com sua cruzada anti-Venezuela esforços que deveriam ir para a crise do coronavírus e seus efeitos econômicos? “O Brasil deve deixar de lado as diferenças políticas e ideológicas com a Venezuela de lado” e sentar com autoridades de lá, em nome do combate ao coronavírus em Roraima, que fez fronteira com a Venezuela, diz Telmário Mota (PROS), senador pelo estado.

Na viagem aos EUA, Bolsonaro foi ao Comando Militar Sul de lá, em cuja “jurisdição” está a Venezuela. Esta foi o primeiro assunto citado no comunicado divulgado por Trump e Bolsonaro, após se reunirem. Os dois “reiteraram o apoio de seus países à democracia na região, incluindo apoio ao presidente interino da Venezuela, Juan Guaidó, e à Assembleia Nacional da Venezuela”.

Guaidó comandava (não comanda mais) a Assembleia quando se autoproclamou presidente do país, em janeiro de 2019. Se na Venezuela o Parlamento é o poder legítimo para Bolsonaro, aqui estimulou seus apoiadores a ir às ruas contra o Congresso e festejou as manifestações deste 15 de março que pediram o fechamento do Legislativo.

Dois dias após Duque estar com Trump e dois dias antes de Bolsonaro ir a Miami, Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores do bolsonarismo, esvaziara a embaixada brasileira em Caracas. Sua equipe já havia pedido a diplomatas venezuelanos em Brasília que saíssem daqui, iniciativa apoiada publicamente pelo Araújo dos EUA, o secretário de Estado, Mike Pompeo.

A retirada dos diplomatas brasileiros de Caracas terá de ser explicada ao Senado. Um requerimento de informação foi enviado a Araújo por Telmário Mota. O senador quer saber o objetivo da retirada, se há rompimento diplomático à vista e, se houver, como o Brasil lidará com o impacto econômico e social em Roraima.

“As relações internacionais não são lugar para manifestações ideológicas quixotescas, mas de acentuado, prudente e responsável pragmatismo”, escreveu Mota ao requerer explicações. Depois, defendeu que “o Brasil deve deixar de lado as diferenças políticas e ideológicas com a Venezuela de lado” e sentar com autoridades de lá, em nome do combate ao coronavírus em Roraima.

Para um diplomata brasileiro que já passou por Caracas, a retirada é “muito estranha” e sinaliza “algo mais drástico” sendo preparado contra a Venezuela. Ele acredita que as Forças Armadas ainda “têm mais juízo do que o resto (do governo)”, mas basta que se fabrique “um incidente na fronteira, para criarem um pretexto de ameaça à soberania brasileira”, o que justificaria um conflito armado.

Houve faísca em dezembro. Um grupo de militares venezuelanos desertores invadiu um destacamento das Forças Armadas de lá perto da fronteira com o Brasil. Lançadores de foguetes foram roubados. Um militar morreu, seis foram presos e cinco pediram refúgio aqui. O governo de Nicolás Maduro acusou a Colômbia de ter financiado o ataque.

O receio de uma operação contra a Venezuela leva Maduro a promover exercícios militares também. Com Bolsonaro em Miami e o chanceler venezuelano a conversar com diplomatas estrangeiros sobre “bloqueio naval”, Maduro convocou um desses exercícios, realizado por dois dias. Ele os chama de “escudo bolivariano”.

Um outro desses ensaios aconteceu em 15 de fevereiro e, ao anunciá-lo na véspera, Maduro acusou Bolsonaro de arrastar “as Forças Militares do Brasil para um conflito armado contra a Venezuela”.

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro

Esses exercícios reúnem, segundo a versão oficial, cerca de 3 milhões de pessoas, entre Exército regular e milícias civis armadas. Essa tropa é uma das principais razões para a sobrevivência de Maduro, ao lado do apoio bélico, financeiro e comercial da China e da Rússia.

Se, no caso do Congresso, Bolsonaro pisa no daqui e elogia o venezuelano, em relação aos quartéis faz o contrário. “As nossas Forças Armadas não foram cooptadas pela política partidária, como foram as Forças Armadas da Venezuela”, disse em 9 de março em Miami, em um seminário empresarial Brasil-EUA.

Seu vice, o general da reserva Hamilton Mourão, acha o mesmo. Adido militar em Caracas nos anos 2000, disse em setembro de 2018 que Maduro se salva graças a uma “Força Armada cooptada, comprada no dinheiro”. E por aqui, Bolsonaro não faz igual?

Propôs e aprovou em 2019 uma lei de aumento de salário, gratificações e auxílios dos militares. Foi mais brando na reforma da previdência deles do que na do INSS. Injetou 9 bilhões de reais, contra a lei do teto de gastos, em uma estatal da Marinha. Poupou-os no orçamento de 2020 do corte de 7 bilhões desejado pela área econômica, verba que irá para submarinos, aeronaves e cargueiros.

“Ao longo dos últimos 30 anos as Forças Armadas foram esquecidas em nosso País”, declarou Bolsonaro em outro discurso em Miami, em 10 de março, uma conferência sobre as relações entre Brasil e EUA.

Mourão recebeu do chefe em janeiro uma missão que tem potencial para atingir a relação com a Venezuela. Ganhou o comando do Conselho da Amazônia, reativado pois o presidente se deu conta de que atacar a floresta afugenta capital estrangeiro. Em fevereiro, Bolsonaro propôs ao Congresso liberar mineração e garimpo em terras indígenas, e a maior parte delas está na Amazônia.

“A Amazônia Azul (costa atlântica, onde está o pré-sal) e a Amazônia Verde estão no centro do tabuleiro geopolítico global e norte-americano”, diz William Nozaki, professor de ciência política e economia e especialista em petróleo e gás. No caso da “verde”, ele observa que a região entrou na mira de prospecções petrolíferas e minerais e tem presença militar russa e chinesa, devido ao apoio de Moscou e Pequim a Maduro.

Nesta segunda-feira 16 de março, o jornalista brasileiro Jamil Chade noticiou que EUA e Brasil monitoram o fluxo de ouro e de dinheiro nas fronteiras venezuelanas, numa tentativa de asfixiar economicamente o país. Essa movimentação seria a forma encontrada pelo governo Maduro para contornar sanções econômica impostas pelos EUA.

“A crescente exploração ilegal de ouro na Venezuela representa grande desafio para todos os países vizinhos, em função do transbordamento de atividades ilícitas, sobretudo no que diz respeito à lavagem de dinheiro e a graves crimes ambientais”, comentou o Itamaraty, segundo Chade.

O norte brasileiro torna-se aos poucos um caldeirão.

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