Política
Bolsonaristas tentam resgatar Escola Sem Partido repaginado em Sergipe
Com oposição enfraquecida, projeta-se uma aprovação sem sobressaltos


Figura central da pauta bolsonarista na Assembleia Legislativa de Sergipe, o deputado estadual Luizão Dona Trampi (União Brasil) apresentou projeto de lei que tenta vetar o debate político em escolas públicas do estado. Trata-se de uma versão repaginada do Escola Sem Partido, movimento que havia perdido força no cenário nacional a partir de 2018.
O texto proíbe a “militância partidária” de professores e servidores no exercício de suas funções, e de autoridades políticas durante eventuais agendas nas instituições de ensino. A proposta foi articulada após Luizão se irritar com um comentário feito pela colega Linda Brasil (PSOL) em palestra promovida em uma escola do interior sergipano.
Na ocasião, a psolista – respondendo a uma pergunta dos estudantes – afirmou ter desmacarado o que chamou de “hipocrisia dos bolsonaristas homofóbicos”. Foi o suficiente para que o deputado do União fosse às redes sociais cobrar o governador Fábio Mitidieri (PSD) e o secretário de Educação a adoção de medidas para proibir essas manifestações no ambiente escolar.
Os dois têm um histórico de atritos na Alese. Há duas semanas, por exemplo, eles bateram boca após o deputado afirmar que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) era alvo de “perseguição” do Supremo Tribunal Federal na ação do golpe. “A gente não pode tolerar fake news e o que foi colocado aqui. Usar a tribuna para divulgar fake news e pra lacrar é inadmissível”, rebateu Linda.
A proposta enviada à Alese prevê punições aos educadores e gestores escolares que variam entre advertência formal, suspensão por 30 dias e abertura de processo administrativo. A militância à qual o texto se refere envolve utilização das unidades de ensino “para fins de proselitismo ideológico partidário” e vincular “conteúdos obrigatórios do currículo a doutrina ideológica”.
“Este projeto vem proteger nossas crianças e jovens da partidarização do ensino. Queremos que o professor ensine história, matemática, ciência, literatura, e que respeite a inteligência dos alunos, sem usar sua autoridade para empurrar visão de mundo ideológica ou partidária”, escreveu o parlamentar na justificativa da matéria. Ainda não há data para que o texto seja votado.
“Isso é um absurdo sem medida. O que ele [Luizão Dona Trampi] quer é amordaçar professores, cerceando a liberdade de cátedra, a autonomia em sala de aula, não permitindo que sejam formados cidadãos e cidadãs em sala de aula”, avalia Roberto Silva, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Básica do Estado de Sergipe, o Sintese.
Com uma oposição minúscula na Alese, e a vigência de um pacto de não-agressão entre os deputados, parlamentares ouvidos pela reportagem projetam uma aprovação sem sobressaltos caso a matéria seja submetida à análise do plenário. Uma possibilidade de barrar o texto seria manter o texto na “gaveta”, decisão que cabe ao presidente Jefferson Andrade (PSD).
Procurado, Andrade afirmou à reportagem não ter expectativa de votação e disse que a pauta das sessões só é definida na semana em que elas ocorrem.
A ideia de criar uma “Escola Sem Partido” parte da hipótese de que os professores se aproveitariam da “audiência cativa” dos estudantes para aliciá-los em favor de uma corrente ideológica — quase sempre de esquerda. Em Aracaju, a atual prefeita Emília Côrrea (PL) tentou emplacar a proposta quando era vereadora, em 2017, mas não conseguiu apoio dos seus colegas.
As propostas que tratam do tema ficaram anos engavetados na Câmara, mas voltaram a tramitar no ano passado. Em dezembro passado, o deputado federal Allan Garcês (PP-MA) apresentou parecer que recomenda a aprovação dos mais de vinte projetos apensados ao texto original. Ainda não há previsão de quando a Comissão de Infância, Adolescência e Família votará o relatório.
Um deles prevê a gravação de aulas por estudantes e restringe os grêmios estudantis, afetando a educação pública.
Informações do Manual de Defesa Contra a Censura nas Escolas dão conta de pelo menos 16 ações judiciais questionando leis ou práticas de censura inspiradas no Escola sem Partido e em movimentos antigênero nos últimos anos. Destas, dez receberam decisões do STF a favor da liberdade de ensino e do pluralismo.
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