Política

Bolsonarismo cresce e tira espaço do PT em Minas Gerais

No governo do Estado, a nova direita vai ao segundo turno com um empresário outsider. Enquanto isso, Dilma perde no Senado

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No domingo 7, o PT perdeu parte importante de seu espaço político em Minas Gerais. Em meio a uma onda de votos anti-establishment e a ascensão da “nova direita”, o bolsonarismo conquistou lugar no Estado e desbancou também os tucanos. Minas Gerais não foi uma anomalia, mas sim um reflexo do que se viu no Brasil.

Dilma Roussef (PT) perdeu no Senado, ficando atrás de três candidaturas conservadoras. Já no governo, um empresário outsider do partido NOVO vai ao segundo turno em primeiro lugar, tirando da disputa à reeleição Antônio Pimentel (PT). Aécio Neves (PSDB), cujo partido não deu legenda para concorrer ao Senado, foi eleito na Câmara, ainda assim foi o 19º mais votado entre os 53 eleitos no estado.

“A correlação de votos de Bolsonaro e Romeu Zema foi de mais de 60%”, explica o professor Felipe Nunes, do departamento de Ciências Políticas da UFMG. Zema, o candidato do NOVO que declarou apoio a Bolsonaro, fez sua estreia na política com com 42,73% dos votos válidos. O empresário vai a segundo turno com Antonio Anastasia (PSDB), que teve 29,06% dos votos.

No domingo 7, Jair Bolsonaro (PSL) teve 48,3% dos votos válidos no primeiro turno no Estado, contra 27,7% de Fernando Haddad (PT). O candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, apoiado pelo ex-governador mineiro Aécio Neves, teve pouco mais de 4% dos votos válidos.

“O que se observa é um refluxo da onda de 2016. Houve um processo de deterioração da qualidade de vida e uma maneira das pessoas reagirem a isso foi buscando uma opção estadual e nacional para descontar essa raiva”, explica Felipe. “Esse é um voto de quem estava olhando para o sistema político e procurando alguém capaz de manifestar toda insatisfação com o que aconteceu com o Brasil nos últimos anos”.

O norte mineiro, principalmente o Vale do Jequitinhonha, na divisa com a Bahia, permaneceu fiel ao PT. Já o sul e o centro do estado, principalmente o Triângulo Mineiro, áreas tradicionalmente tucanas, se distanciaram dos dois partidos.

“O Bolsonaro se transformou em uma bandeira antipetista, ao contrário do PSDB, que ficou um antipetismo frágil em comparação com Bolsonaro”, explica. “Minas Gerais acompanhou esse fenômeno de crescimento desse setor conservador como aconteceu no Sudeste e no Sul”.

Um outsider no governo do Estado

“Antes das eleições, as pesquisas mostraram um crescimento Zema entre eleitores que iam votar nulo e branco”, comenta o professor. “Até a quinta-feira (4) o percentual de alienação eleitoral estava acima de 20%. A partir de então, houve uma troca de votos desse eleitor para o Zema em uma velocidade que sugeria que ele iria, de fato, chegar ao segundo turno”.

Dono da rede varejista Lojas Zema, o candidato do NOVO venceu em mais de 80 cidades no Sul de Minas. De acordo com o TSE, ele está entre os candidatos mais ricos, com um patrimônio declarado de 69,75 milhões de reais.

Felipe explica que todo o período de campanha pré-primeiro turno se focou na polarização PT x Bolsonaro, com enfoque sempre voltado ao pleito nacional, que acabou chamando muito mais atenção da população. “Enquanto isso, as eleições estaduais ficaram para ser definidas no último momento”, explica Felipe.

Em seu último debate, Zema declarou apoio a Jair Bolsonaro e passou a catalisar o voto daquele eleitor que não pretendia votar em ninguém para o governo do Estado, mas que já tinha o Bolsonaro como o “candidato da mudança” em âmbito nacional.

“As pessoas do nulo e do branco não queriam votar em PT e PSDB. Com a declaração do Zema, passaram a conhecê-lo e acharam um voto de protesto”, explica. O que ninguém esperava, de acordo com o professor, é que ele chegaria em primeiro lugar, desbancando Pimentel e deixando Anastasia mais de 20 pontos percentuais atrás.

Segundo Felipe, Zema adentrou não só o eleitor antipetista, mas também a fração decepcionada com Aécio Neves (PSDB), réu em um inquérito de corrupção no caso JBS.

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Progressismo fora do Senado

Para muitos, a surpresa em Minas Gerais foi a ex-presidenta Dilma Roussef, que concorria ao Senado. A pesquisa Datafolha, divulgada no sábado 6, mostrava a candidata em primeiro lugar, com 23% das intenções de voto. No entanto, como a boca de urna já mostrava, foram eleitos Rodrigo Pacheco (DEM), com 20,51% dos votos válidos, e Carlos Viana (PHS), com 20,26%. Dilma ficou em quarto lugar na disputa.

Para o professor Felipe Nunes, a derrota já era esperada entre os analistas políticos. O cenário é muito parecido com o que se viu em São Paulo, onde o candidato Eduardo Suplicy (PT), que liderava as pesquisas de intenção de voto, também não conquistou uma vaga. Ele ficou em terceiro e perdeu para Major Olimpio (PSL) e Mara Gabrilli (PSDB).

Segundo ele, o segundo voto das pessoas que votariam em Dilma foi distribuído em outros candidatos e deu força para os demais partidos. “Não me assustou. Quando a gente olhava para as pesquisas, o resultado escondia que o voto em Dilma era quase que exclusivamente o primeiro voto”, explicou.

“Houve uma estratégia equivocada em não dar espaço para que a segunda candidatura do PT, o Miguel Corrêa, aparecesse mais. Por que esse segundo seria importante? Ele anularia o efeito do que acabou acontecendo: esse voto foi direcionado para outros partidos”, explicou Felipe.

Futuro do PT em Minas

Minas Gerais é o segundo maior colégio eleitoral do País. Quem quer que vença as eleições no segundo turno deve também vencer por lá. Foi assim em 2014, quando Dilma teve 52,41% dos votos válidos entre os mineiros no segundo turno. Ainda naquele ano, Minas elegeu para o governo, em primeiro turno, o petista Fernando Pimentel, com 52,98% dos votos válidos.

“Sem dúvida, a vitória de Dilma em 2014 passou em grande medida pelo Pimentel. Sem ele, a Dilma poderia não ter sido eleita. A vitória de Zema mexeu com o cenário e perder esse colégio eleitoral é significativo”, explica Felipe.

Fernando Pimentel continua sendo a liderança mais importante no Estado. Ele perdeu muito mais por essa onda antipestista que carregou o eleitorado. Todo o PT nacional deve vir inteiro pra cá para disputar a eleição presidencial”, afirma o professor.

Apesar da derrota entre os mineiros, o partido continua forte na Câmara e nas Assembleias Legislativas, cargos em que os votos são proporcionais e não majoritários. Essas vitórias dão relevância ao partido e relativo poder de barganha nas disputas políticas.

“Minas Gerais é importante no cenário nacional e o PT do Estado será protagonista em qualquer um dos governos que levar a eleição”, explica o professor. “Sem negociar com o PT, os outros partidos não conseguirão aprovar projetos ou levá-los adiante”.

Segundo o professor, o resultado petista nos cargos proporcionais é fruto da combinação de alguns fatores. A lógica dos sistemas eleitorais influenciou. No sistema majoritário, segundo Felipe, garante a vitória quem volta seu discurso para o “eleitor mediano”. Já no sistema proporcional, mesmo sem a maioria dos votos, o candidato pode ter grande proporção de minorias eleitorais na sociedade.

“Proporcionalmente o PT se deu bem. Em 2016, durante o impeachment, o partido passa a ter uma alta rejeição e é derrotado nos municípios. O PT só vai se recuperar ao longo dos próximos dois anos”, analisa Felipe. “O processo do Lula deu fôlego à campanha petista, mas não foi suficiente para convencer a maioria. Apesar disso, conseguiu estabelecer uma bancada importante para dialogar com sua própria base”.

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