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O novo PAC e diversos projetos estaduais de habitação popular pavimentam a retomada da construção

Impacto. O PAC 3 prevê 4 milhões de postos de trabalho diretos ou indiretos. As obras da Copa e das Olimpíadas empregaram 3,5 milhões de operários – Imagem: Tchélo Figueiredo/GOVMT e Arquivo/ABR
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Paralisia de investimentos, alta do petróleo, Lava Jato, pandemia. Provavelmente, nenhum outro setor sentiu tanto a sucessão de reveses sofridos pela economia brasileira nos últimos anos quanto a construção. Na travessia do alto do pódio – estima-se que, em seu auge, as obras para a Copa de 2014 e a Olimpíada de 2016 geraram 3,5 milhões de postos de trabalho – ao fundo da crise que quebrou empresas e aniquilou empregos, os ramos de construção civil e pesada tiveram de mostrar resiliência e se readaptar para sobreviver. O tempo ruim pode, porém, ter ficado para trás. Ao menos é isso que esperam empre­sários e trabalhadores do setor, animados com o lançamento do novo Programa de Aceleração do Crescimento pelo governo federal e outros projetos de habitação que começam a ser criados nos estados. Apesar do recuo de 8,5% na geração de empregos no primeiro semestre de 2023, na comparação com o ano passado, a expectativa é de que o segundo semestre seja a pedra fundamental da retomada da construção.

“Há um conjunto de boas notícias que nos levam a ser otimistas quanto a uma forte recuperação”, diz Cláudio ­Hermolin, presidente do Sindicato da Indústria de Construção Civil ­(SindusCon) do Rio de Janeiro. Com as promessas de 1,7 trilhão de reais em investimentos e geração de 4 milhões de empregos diretos e indiretos, o PAC 3, lançado este mês, está na raiz do otimismo do setor, mas o número de obras previstas em outros projetos, como o novo Plano Diretor do Rio de Janeiro, também anima: “A expectativa é muito boa, porque temos hoje uma perspectiva real de queda na taxa de juros e também uma sinalização clara do governo federal com investimentos de infraestrutura em áreas como mobilidade, aeroportos e saneamento”.

Abalado pela Lava Jato e pela pandemia, o setor voltou a gerar mais empregos que a indústria e o agro

Há, ainda, a perspectiva de um forte investimento em habitações de interesse social, acrescenta Hermolin. “Além do PAC 3, tem o novo Minha Casa Minha Vida e os programas de habitação estaduais”, observa, dando os exemplos dos projetos lançados em São Paulo, Paraná, Goiás e Espírito Santo. “Isso começa a se proliferar pelo Brasil e é uma excelente notícia.”

De acordo com os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, o Caged, há dois anos a construção figura entre os setores que mais geram empregos. Entre janeiro e junho de 2023, mesmo com a desaceleração das contratações, foram criados 169.531 novos postos de trabalho, deixando o setor atrás somente de serviços (599.454 empregos) e à frente de indústria (135.361) e agropecuária (86.837). Ainda é uma recuperação tímida em face das demissões que se contaram às centenas de milhares no fim da década passada: “Sofremos um baque muito grande no período posterior à Copa e à Olimpíada, ainda agravado por questões como a crise da Lava Jato ou, no caso específico do Rio, a crise do petróleo, diz Hermolin. Logo em seguida veio o período crítico da pandemia, mas este acabou por revelar uma importante resiliência do setor.

“Conseguimos manter 85% dos canteiros em atividade. Se não tivéssemos conseguido, o desemprego teria sido muito maior na pandemia. Isso fez também com que no pós-pandemia tenha havido uma retomada mais rápida”, diz ­Hermolin. Apesar de não ser uma atividade essencial, a construção “é um indicativo importante de vulnerabilidade social, porque emprega grande quantidade de mão de obra da base da pirâmide”, emenda.

Planos. Lula busca reaquecer o mercado de trabalho. Hermolin, do SindusCon do Rio, e Sérgio Nobre, da CUT, cobram uma redução mais significativa da Selic para favorecer o crédito imobiliário – Imagem: Prefeitura de S.José do Rio Preto/GOVSP, Roberto Parizotti/CUT, Sinduscon RJ e Ricardo Stuckert/PR

Um estudo divulgado pela CUT e pelo Dieese em 2021 revelou que a construção foi um dos setores da economia nacional que sofreram maior prejuízo econômico em consequência da Operação Lava Jato, com a perda de 1,1 milhão de postos de trabalho em um universo nacional de 4,4 milhões de trabalhadores que ficaram desempregados graças à “cruzada anticorrupção” comandada pelo então juiz Sergio Moro, mais tarde considerado “parcial” e “incompetente” pelo Supremo Tribunal Federal.

A expectativa dos trabalhadores, agora, é de que esses postos sejam gradualmente recuperados. “O relançamento do PAC terá impactos positivos na geração de empregos e renda, retomando o desenvolvimento sustentável do Brasil com obras de infraestrutura”, diz Sérgio Nobre, presidente nacional da CUT. O líder sindical diz esperar que o PAC recoloque o País no caminho do crescimento: “A ação política da Lava Jato resultou num conjunto grande de obras paradas e no fim do PAC que, além de melhorar a logística do País, eliminou gargalos existentes na infraestrutura e melhorou a ­vida da classe trabalhadora num círculo virtuoso de geração de emprego e renda”.

Durante a cerimônia de lançamento do PAC 3, realizada no Theatro Municipal do Rio, Nobre afirmou que a Lava Jato não pode ser esquecida, pois os trabalhadores “não podem nunca mais permitir que isso aconteça no nosso país”. O presidente da CUT acrescentou que, ao término do segundo mandato de Lula, o “setor de engenharia e infraestrutura era composto de grandes empresas brasileiras de alta tecnologia”, mas que, infelizmente, essa realidade “foi destruída pela trupe de Curitiba”.

No Congresso Nacional, a expectativa também é grande pela retomada da produção e dos empregos na construção. Integrante da Comissão do Trabalho da Câmara, o deputado federal Reimont ­Otoni, do PT, se diz otimista: “Quase todas as ações dos nove eixos do PAC 3 incluem um número extraordinário de obras que movimentam tanto a construção pesada como a construção civil, grandes geradoras de empregos diretos e indiretos e que giram a economia de vários setores”.

“Com juros altos, o investidor acha melhor deixar o dinheiro parado”, alerta Hermolin, do SindusCon do Rio

O parlamentar ressalta a modernização que será necessária ao setor para a execução dos projetos previstos. “O PAC é um programa moderno de desenvolvimento para o Brasil e tem compromissos claros com o meio ambiente e a justiça social”, diz, ao citar os investimentos nos eixos Cidades Sustentáveis e Resilientes (610 bilhões de reais), Transição e Segurança Energética (540 bilhões) e Transporte Eficiente e Sustentável (349 bilhões).

Reimont lembra que, de 2016 a 2018, as principais empreiteiras brasileiras perderam 85% de sua receita líquida, que despencou de 71 bilhões de reais para 10,6 bilhões. Um dos grandes desafios do governo, avalia o deputado, é levar as empresas nacionais de volta à “posição de excelência não só no mercado interno, mas também no mundial”, da qual gozavam antes da crise: “Essa trajetória exitosa, inclusive em mercados disputadíssimos como o norte-americano, foi brutalmente abalada pela Lava Jato, que criminalizou, demonizou e quase destruiu essas empresas. As perdas provocadas foram de tal ordem que levantaram a suspeita de que a operação serviu às grandes empreiteiras internacionais”. Para o petista, a construção já deixou o mau momento para trás: “Historicamente, o desempenho do setor no Brasil acompanha par e passo o desempenho da economia. Portanto, a recuperação econômica que vem sendo promovida pelo governo Lula já tem impactos positivos, mesmo antes do início das obras do PAC 3. Estamos recuperando o Brasil, os setores econômicos e as esperanças do povo”.

Entre trabalhadores e empresários, uma condição sine qua non para que tudo dê certo na retomada da construção no Brasil é a continuidade da queda nos juros. “A taxa alta impede investimentos mais significativos no setor. Com a Selic a 13,25% ao ano, o empreendedor, obviamente, fica pensando se vale a pena correr o risco de investir na produção ou se é melhor deixar o dinheiro parado”, afirma Cláudio Hermolin. A construção, alerta o dirigente do SindusCon, demanda investimentos de grande volume e com retorno de longo prazo, com projetos que têm, em média, 5,2 anos de duração: “Quando a taxa de juros está alta, há um aumento no custo do capital e, quanto mais essa taxa diminui, mais aumenta o interesse do investidor em colocar seu dinheiro na produção, o que, consequentemente, diminui o nosso custo”.

Hermolin lembra que a Selic também afeta o custo do crédito imobiliário, importante para a aquisição da casa própria e uma ferramenta fundamental para boa parte da população. “Temos um estudo que mostra que a cada meio ponto porcentual a menos nos juros do crédito imobiliário, são inseridas 500 mil famílias no mercado consumidor de imóveis. Quando diminui o valor da prestação da casa própria, há mais gente com capacidade­ de pagar”, diz. Já Sérgio Nobre afirma que o corte de meio ponto na Selic “ainda é pouco para reerguer a economia brasileira com mais rapidez”.

Para celebrar o bom momento, os principais atores do setor participarão, entre os dias 19 e 21 de setembro, do Rio Construção Summit, que reunirá na capital fluminense 180 convidados e promoverá debates e palestras para um púbico estimado em 5 mil pessoas. ­Hermolin ressalta que não será uma feira, mas um “debate de conteúdos” para cimentar a recuperação esperada. “Traremos de volta discussões relevantes como sustentabilidade, novas tecnologias e qualificação da mão de obra. Vamos discutir ainda a relação do público com o privado. É um evento que marcará a retomada do protagonismo da indústria da construção.” A expectativa do SindusCon é de que o encontro possibilite novos investimentos: “Passadas as incertezas, inclusive em relação às eleições, temos vários indicadores de um horizonte de crescimento mais acelerado para o setor”. •

Publicado na edição n° 1274 de CartaCapital, em 30 de agosto de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Base sólida’

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