Política

Auxílio Brasil: Frio e espera para ter direito a entrar na fila do benefício

Brasileiros enfrentam dificuldade para se inscrever no Cadastro Único, porta de entrada dos programas sociais do governo

Divulgação/Ministério da Cidadania
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Com esperança de receber o Auxílio Brasil, longas filas têm se formado de pessoas que passam a noite na calçada para se inscrever no Cadastro Único (CadÚnico), a porta de entrada dos programas sociais do governo federal. São mães com crianças, idosos, que muitas vezes esbarram em exigências como um comprovante de residência.

— Eu vivo nas ruas, como vou ter comprovante de residência? Minha vida toda está nessa mochila — diz Leonardo dos Santos, de 41 anos, que andou de Santa Cruz até Bangu, bairros da Zona Oeste do Rio distantes 22 quilômetros, para tentar se inscrever no CadÚnico.

Ele era uma das mais de 200 pessoas que aguardavam atendimento no Rio Poupa Tempo de Bangu, cuja fila se formara na noite anterior.

A necessidade de se inscrever no CadÚnico para ter uma renda mínima que permita alimentar os filhos fez Laziania Batista, de 24 anos, moradora do Jardim Bangu, chegar ao Rio Poupa Tempo às 19h de quinta-feira. Ela pôs a filha de 1 ano no colo, deu a mão à outra menina de 8 anos, e caminhou por uma hora de casa até o posto de atendimento.

Na mochila, levou cobertores para proteger as crianças, documentos e água para enfrentar a noite fria. Um papelão serviu de cama para a família. O alimento? Veio da solidariedade de quem pernoitou na fila e dividiu o pouco que tinha. Laziania já havia estado no local na quarta-feira, mas, por falta de comprovante de residência, não conseguiu se inscrever no CadÚnico.

— Moro em comunidade, não tenho conta de luz. Aqui (no Poupa Tempo) me falaram para pegar uma declaração de residência na associação de moradores. Voltei para casa andando com as crianças. Pedi R$ 15 emprestados para tirar o documento — explicou a jovem: — Como (o posto) está sempre cheio, vim dormir na fila para garantir que estaria entre os cem que são atendidos (diariamente).

Recadastramento até dia 15

Nem aqueles que já recebem o Auxílio Brasil escapam da fila do Rio Poupa Tempo. Muitos dos que estavam na porta da unidade na manhã de sexta-feira receberam uma mensagem — via aplicativo Caixa Tem ou app do Auxílio Brasil — informando que precisavam atualizar os dados no CadÚnico até o dia 15 de julho, para não terem a renda básica suspensa.

Procurado, o Ministério da Cidadania disse em nota que ao todo oito milhões de famílias deverão atualizar as informações no CadÚnico até dezembro. As famílias beneficiárias que possuem dados inconsistentes e foram incluídas na Averiguação Cadastral têm até julho para atualizar os dados e evitar o cancelamento dos benefícios.

“A atualização cadastral é fundamental para assegurar a qualidade dos dados e garantir que as informações registradas na base do Cadastro Único estejam sempre de acordo com a realidade das famílias”, diz o órgão.

Alexandre Oliveira, de 49 anos, morador de Cosmos, na Zona Oeste, partiu para a fila do posto, mesmo tendo atualizado seus dados no ano passado:

— Na mensagem dizia que eu estava há quatro anos sem atualização, mas isso não está certo.

Ao seu lado estava Luciana Pereira, de 47, moradora de Santa Margarida, na Zona Oeste. Desempregada desde 2019, ela queria se inscrever no CadÚnico para receber o Auxílio Brasil:

— Marquei atendimento no Cras (Centro de Referência de Assistência Social) de Inhoaíba, mas o agendamento foi feito para 15 de dezembro. Vizinhos que recebem o auxílio me avisaram que o prazo era até o dia 15 agora. Então, como marcaram para dezembro?

Procurada, a Secretaria Municipal de Assistência Social informou que está montando postos volantes onde há maior demanda de beneficiários do Auxílio Brasil ou de interessados em se inscrever no CadÚnico.

Outro fator tende a pressionar a procura por cadastro. O aumento do Auxílio Brasil para R$ 600, previsto na PEC Eleitoral, só vai contemplar quem estiver na fila, ou seja, já cadastrado, até a data da promulgação da PEC, que teve votação adiada na Câmara para terça-feira. Nos cálculos do governo, a fila tem 1,6 milhão de pessoas. Mas a julgar pela procura por cadastros, tende a crescer.

Sem comprovante

Enquanto famílias inteiras viram noites nas filas na tentativa de conseguir o benefício, as estatísticas das prefeituras engrossam a percepção de que a conta não fecha. Em Nova Iguaçu, por exemplo, o número de possíveis beneficiários é quase o triplo dos que já recebem o Auxílio Brasil. A cidade da Baixada Fluminense contabiliza 11 mil famílias beneficiadas, enquanto 30 mil aguardam a chance de ser contempladas.

Em outras cidades do estado, o número de pessoas na fila quase esbarra no total de famílias com o benefício já aprovado. Em Miracema, no Noroeste Fluminense, 3,2 mil famílias recebem o Auxílio Brasil, enquanto 3,6 mil ainda esperam. Já em Petrópolis, na Região Serrana, são 12 mil beneficiados, com outros 8 mil na fila.

O mesmo acontece em outras capitais. Em Recife, por exemplo, são 125 mil famílias já com acesso aos R$ 400 por mês, mas R$ 121 mil ainda aguardam liberação. Na cidade do Rio, 400 mil famílias recebem o Auxílio Brasil e 109 mil estão na fila.

São pessoas como Joselle Oliveira, de 33 anos, que estava com um bebê de 1 ano aguardando a distribuição de senhas. O menino, febril, chorava no colo da mãe, que foi pela primeira vez fazer o recadastramento para não perder a renda mínima.

— Ele amanheceu com febre, mas, como pedi para minha mãe guardar meu lugar na fila, vim bem cedo para apresentar os documentos para receber o Auxílio Brasil — explicou Joselle, que não teve as informações atualizadas por falta de comprovante de residência em seu nome.

Na próxima semana, ela disse que vai voltar e dormir na fila para ser atendida e reclama que terá que pagar pela declaração de residência na associação de moradores.

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