Política

“Até o porteiro do tribunal barraria a MP do Coronavírus”

Para o constitucionalista Lenio Streck, a blindagem antecipada de agentes públicos “não tem precedentes em qualquer estado de Direito”

Lenio Streck (Foto: Reprodução/Redes Sociais)
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Jair Bolsonaro editou, nesta quinta-feira 14, uma medida provisória que protege agentes públicos de responsabilização por atos tomados durante a pandemia do coronavírus. O texto prevê que só podem ser processados, nas esferas civil e administrativas, aqueles que “agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”.

Na avaliação do advogado Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Unisinos e pós-doutor pela Universidade de Lisboa, a MP “é tão inconstitucional que até o porteiro do tribunal a rechaça”. Segundo o especialista, que foi promotor de Ministério Público gaúcho por 28 anos, a “blindagem antecipada de agentes públicos não tem precedentes em qualquer estado de Direito”. Confira a entrevista concedida a CartaCapital:

CartaCapital: Qual é a sua avaliação sobre a MP recém-editada pelo governo, que isenta agentes públicos de responsabilidades no enfrentamento ao coronavírus?

Lenio Streck: É mais um produto da era Bolsonaro. O modo bolsonariano de fazer Direito que não é direito. Essa MP é tão inconstitucional que até o porteiro do tribunal a rechaça. Essa blindagem antecipada de agentes públicos não tem precedentes em qualquer estado de Direito.

Se Sérgio Moro ainda fosse ministro da Justiça, eu diria que era obra dele. Como ele saiu, fico me perguntando quem foi o Einstein jurídico quem bolou isso. Mas não surpreende. Bolsonaro já queria exclusão de ilicitude para policiais. Essa MP vai na mesma linha.

CC: Existe alguma previsão no ordenamento jurídico de isenção prévia a agentes públicos?

LS: Existe a hipótese da legítima defesa, mas nada genérico assim, como está posto na MP. Resgata aquilo que foi vetado no projeto da Lei Anticrime.

CC: Jair Bolsonaro pode vir a perder o mandato pela forma como vem conduzindo a crise do coronavírus?

LS: Bolsonaro é presidente da República e se recusa a seguir as recomendações da Organização Mundial da Saúde, sabota as medidas de isolamento social. Nas mínimas coisas, ele poderia ser enquadrado por falta de decoro ou omissão. Mas o impeachment opera no plano político. Como ele ainda tem um grande contingente de seguidores e agora construiu uma base parlamentar, qualquer resposta que eu der será fictícia.

Um dia o homem chegará a Marte? É possível que sim, dependendo do avanço científico. Bolsonaro será impedido? Há quase 30 pedidos de impeachment na mesa do presidente da Câmara, e tudo depende da política. Dilma foi derrubada por uma questão política, mesmo sem haver um fato jurídico contra ela. Bolsonaro, agora, tem numerosas razões jurídicas para ser impedido, mas ainda tem o apoio político necessário para permanecer no cargo.

CC: Mas há a possibilidade de uma responsabilização criminal, fora o processo de impeachment?

LS: Sim, aquelas estão sendo investigadas agora, a tentativa de interferir no trabalho da Polícia Federal. A negligência de Bolsonaro no combate ao coronavírus é muito difícil de se demonstrar na Justiça. É uma questão muito genérica e complicada de provar.

O presidente sempre poderá dizer que ele liberou verbas, que o Supremo Tribunal Federal delegou aos estados a atribuição de regulamentar a quarentena, o que, portanto, sai da responsabilidade dele. Até mesmo essa MP que ele encaminhou ao Congresso é um modo de combater o coronavírus, porque oferece imunidade aos agentes que estão atuando na ponta. Até aquilo que, à primeira vista, parece ruim, ele pode usar em seu favor.

CC: A MP não pode beneficiar o próprio presidente?

LS: Não acredito que chegaria a tanto. Ele não está na linha de frente do combate ao coronavírus, a exclusão não se aplicaria a ele. De toda forma, não faz sentido falar em isenção prévia de qualquer agente público.

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