Justiça

As mudanças que os presidenciáveis querem no STF

Propostas incluem ampliação de ministros, fixação de mandatos e participação da sociedade na escolha dos magistrados. Para professor de Direito da USP, nenhuma delas resolve os problemas da Corte

Plenário do STF durante julgamento sobre imunidade de deputados estaduais
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Ampliação do número de ministros no Supremo Tribunal Federal (STF), mandatos de 6 a 20 anos, criação de um tribunal acima do STF, participação da sociedade civil na escolha dos magistrados que ocuparão as cadeiras da mais alta corte do Judiciário brasileiro. Essas são algumas das propostas feitas por pré-candidatos à Presidência e seus aliados na corrida eleitoral deste ano.

O leque de proposições é reflexo do descontentamento da classe política frente aos rumos do STF nos últimos anos. Após o “mensalão”, a operação Lava Jato, as prisões de políticos e decisões polêmicas da Corte, alterações estruturais nos tribunais vem sendo debatidas amplamente, inclusive pela sociedade civil, fazendo com que o tema entre no radar dos candidatos ao Palácio do Planalto.

Os problemas estão desde condenações com bases jurídicas consideradas frágeis, transferências da competência de casos para outras turmas ou instâncias, até os pedidos de vista ad eternum – entre eles, o que retardou por mais de um anos a definição sobre o financiamento empresarial nas campanhas eleitorais.

Um dos primeiros a se manifestar a respeito foi o pré-candidato à Presidência pelo PSL, Jair Bolsonaro. No início do mês, o ex-militar disse que, se eleito, aumentará o número de ministro do Supremo, passando de 11 para 21 magistrados . “É uma maneira de você colocar dez isentos lá dentro porque, da forma como eles têm decidido as questões nacionais, nós realmente não podemos sequer sonhar em mudar o destino do Brasil.” Na mesma entrevista, dada à TV Cidade de Fortaleza, ele informou que colocaria ali “seu time”: os generais.

No dia seguinte à declaração, o presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB) respondeu à proposta de Bolsonaro com discordância. No entanto, disse que a temporalidade dos ministros nos cargos da Corte é um assunto a ser estudado.

O atual modelo brasileiro de mandato dos ministros do Supremo, vitalício, é inspirado no sistema estadunidense. O critério de escolha brasileiro prevê que o novo ministro seja indicado pelo presidente da República, tenha mais de 35 anos, notável saber jurídico e reputação ilibada. Em seguida à escolha, o indicado deve passar por uma sabatina no Senado Federal para, enfim, tomar posse.

Fernando Haddad (PT), coordenador da campanha de Lula e possível como “plano B” do partido, também falou em mandatos, de 10 a 12 anos. A temporalidade na permanência do magistrado se daria de forma progressiva, até que os que já ali estão chegassem aos 75 anos.

Na mesma linha, Guilherme Boulos (PSOL) quer implementar mandatos, porém menores: de seis anos. O socialista defende também que o processo de escolha nas cortes superiores tenha participação social, incluindo etapas como o chamamento público dos aspirantes ao cargo e a exposição de seus currículos.

Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT) não manifestaram propostas a esse respeito. Tampouco a pré-candidata Manuela d’Ávila (PCdoB), apesar de a presidente de seu partido, Luciana Santos, ter afirmado a CartaCapital ser simpática à ideia de mandatos.

Alberto Toron, advogado criminalista que defende alguns políticos brasileiros, conta que o modelo de mandato está presente em cortes superiores de países europeus. Essas, no entanto, se diferenciam do STF por serem cortes exclusivamente constitucionais, ou seja, não respondem por temas como habeas corpus, mandado de seguranças e prisão preventiva. Para ele, apesar das distinções, a proposta de mudança do modelo é positiva.

“Penso que esse modelo da vitaliciedade é uma coisa que pertence ao passado. A mim me parece que o melhor seria o do presidente indicar –  a partir de uma ampla consulta, inclusive as entidades de classe -, o Senado aprovar a indicação e a pessoa ser nomeada para exercer um mandato de dez anos. Ele então permaneceria na Corte nesse período com garantias constitucionais e, expirado o tempo, não poderá ser reconduzido. Dessa maneira se pode ter um pensamento mais arejado no Supremo Tribunal Federal.”

No entanto, para Rafael Mafei, pesquisador do STF e professor da USP, os principais problemas do Supremo não estão relacionados com a temporariedade ou não dos ministros da Corte. “Existem muitos tribunais constitucionais que tem essa características de mandatos por prazo determinado. Eu, honestamente, não acho que o problema do STF seja a vitaliciedade do cargo”, afirma.

“A vitaliciedade diminue a perspectiva de que uma pessoa esteja no tribunal exercendo a função jurisdicional com vistas a um futuro profissional que se seguirá a sua saída da Corte. Evidentemente você pode, com 75 anos, deixar o tribunal e ir para a advocacia privada, para alguma consultoria ou algo do gênero, mas isso é algo que, em um modelo de mandato vitalício, acontece muito menos do que aconteceria se você tivesse uma rotatividade maior dos ministros. É positivo um modelo que resguarde os membros do tribunal o máximo possível para sua função jurisdicional.” O modelo atual traz maior grau de independência e, eventualmente, de imparcialidade, diz.

Ao contrário do que pensa o advogado criminalista, Mafei diz não faltar arejamento ao tribunal. Pelo contrário. “É importante que a gente não fique amarrado a uma composição ideológica de 20 a 30 anos atrás, mas isso não acontece com o STF porque o Supremo tem uma relação com a sua jurisprudência que é muito menos rígida que em outros tribunais em outros lugares”, aponta. “O STF se permite a todo momento revisitar o seus julgados anteriores e recontar o placar a luz da pequenas mudanças de composição.”

O professor de Direito relembra também o que chama de “fenômenos” que vem ocorrendo na Corte, em que o mesmo ministro vota em sentidos diferente de um ano para outro.

Em relação a ampliação do número de ministros, o pesquisador diz que a implementação de tal proposta só reforçaria o problema da resolução de decisões monocráticas recorrentes no tribunal superior. “Além disso, se você aumentasse o número de ministros é provável que você tivesse que criar novas turmas. Se você aumentar o número de turmas, você vai aumentar a quantidade de conflitos que o Plenário terá que resolver.”

As escolhas do PT para o STF

Responsável pela composição do tribunal por quase 14 anos, os governos petistas escolheram sete dos onze magistrados que hoje compõe o STF. Para Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça e advogado de Lula no TSE, o PT errou na escolha dos ministros.

“O Partido dos Trabalhadores e a esquerda brasileira nunca entenderam a verdadeira natureza do Poder Judiciário. Eles tiveram uma enorme dificuldade nisso e nunca discutiram os processos de recrutamento porque não entendiam a natureza do Poder judiciário”, afirmou em evento da OAB-SP que tratava sobre a situação do ex-presidente no âmbito eleitoral.

Aragão chama a escolhas dos ministros do STF nos governos petistas de “gincana”. “Abria-se o cargo, os interessados bonitinhos se apresentavam e ficavam grudados nos seus padrinhos para chegar a periferia do poder e serem indicados. Ao mesmo tempo, davam coices em seus concorrentes em coluna especializadas com o objetivo de difamá-los e ficarem na frente. Assim, o que sobrava para ser indicado não era necessariamente juridicamente o mais apto nem necessariamente o mais ético. O que sobrava era aquele que darwinisticamente era o mais resiliente. E infelizmente não é assim que se constrói um Poder Judiciário”, explica.

Em entrevista a CartaCapital, Haddad também criticou o processo de indicação. “É pouco participativo, é uma decisão quase idiossincrática. Um círculo muito restrito do presidente vai lá e leva nomes, tem prazo, porque geralmente houve uma aposentadoria ou um falecimento… Eu diria até que é uma coisa um pouco amadora”. Para ele, seu partido não tem culpa sobre o funcionamento da escolha uma vez que o método equivocado foi o mesmo para todos os governos.

Ele defende mudanças: “Estamos falando de 11 pessoas com muito poder. Na minha opinião, uma escuta mais ampla fosse importante. A escolha é muito de cocheira. O ministro da Justiça vai com um nome, o ministro da AGU (Advocacia-Geral da União) vai com outro. Acho que mais confunde o presidente do que ajuda”, diz. “Não é que o presidente escolhe mal ou bem, ele é pouco informado.”

Mafei concorda que as indicações feitas não tem contemplado a aptidão e os currículos dos juristas. “Tem muitas das indicações recentes do tribunal que ficaram abaixo do padrão de qualidade do notável saber jurídico e da ilibada reputação, mas não sei dizer se os nomes que eram de notável saber jurídico e ilibada reputação que foram sondados e rejeitaram.”

Para o pesquisador especialista no STF, outro ponto equivocado na indicação por parte dos chefes de Estado está em suas eventuais expectativas em relação aos nome escolhido. “É uma ilusão imaginar que um ministro vá empenhar a sua magistratura à causa de um partido. Isso é um erro de expectativa. Pode achar até que o ministro tinha um perfil progressista e que em determinada decisão não foi, mas pensar isso é um erro.”

Toron, por sua vez, aponta que as escolhas dos magistrados ao longo dos anos e diferentes governos oscilam entre dois pontos: a questão de quem apoia quem e de quem o governo precisa agradar. “Às vezes se despreza o perfil-ideológico por conta de agradar os apoios. Às vezes o contrário: não se dá muita bola para os apoios e se nomeia alguém em razão a um perfil ideológico.”

Reais problemas

Na visão de Mafei, o problema principal da corte está relacionada a concentração de poder que os ministros se deram ao longo dos anos e que só pode ser resolvido a partir da iniciativa dos próprios membros do tribunal.

Em uma corte com 11 ministros que encaram 100 mil processos por ano, diz ele, o Supremo fraciona o poder de jurisdição entre seus membros, levando que cada magistrado acaba tendo um poder individual muito grande.

“Dentro dessa enorme margem de poder individual é que eles encontram margem para, às vezes, submeter o tribunal a suas idiossincrasias pessoais e de promover uma guerra jurisdicional interna que tem sido muito danosa para a corte: dar liminar e não levar para o Plenário para ser confirmada, pedir vista e não devolver, tirar o processo da turma e jogar para o pleno porque sabe que na turma vai perder e espera ganhar no pleno…”

Para o professor da USP, há uma resistência do próprio tribunal a qualquer projeto de reforma que “tire dele a prerrogativa de o último órgão que decidirá qualquer caso minimamente importante em instância final”. Outro problema está na ausência de organização administrativa-interna que coíba justamente esses maus usos do poderes processuais que vem ocorrendo.

“Esse é um problema que não vai ser resolvido de fora para dentro. É um problema que o próprio tribunal precisa resolver. E isso envolve os ministros chegarem em um consenso de que o que eles estão fazendo está destruindo a credibilidade do tribunal quanto a ele ser um órgão que usa o seu enorme poder de acordo com os critérios que legitimam, do ponto de vista procedimental, esse poder que ele tem. E isso nenhum candidato vai resolver”, conclui.

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