Economia

As autocríticas (veladas) de Lula sobre seu terceiro mandato

Presidente crê que precisa conversar mais com o Congresso, viajar mais pelo Brasil do que ao exterior e aceitar ‘déficit fiscal’ em 2024

O presidente Lula em café com jornalistas, em 27 de outubro de 2023. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil
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O presidente Lula completa 78 anos nesta sexta-feira 27 “muito feliz”, bem mais do que há quatro semanas, quando havia se submetido a uma cirurgia para receber uma prótese no quadril. Antes da operação, conviveu por 14 meses com “dores insuportáveis” (palavras dele) que influenciavam seu humor, deixavam-no impaciente até com pessoas próximas.

Ao comentar seu estado de espírito e de saúde em um café com jornalistas no dia de seu aniversário, fez algumas autocríticas, embora não tenha usado a palavra. Tem de conversar mais com o Congresso, mesmo que este seja “conservador”, para não ter derrotas lá. Precisa percorrer mais o Brasil, em vez de viajar pelo mundo, a fim de ajudar a empurrar a economia. E se o governo não conseguir ter contas zeradas em 2024, como a equipe econômica havia se comprometido, tudo bem.

“Ela (a meta fiscal) não precisa ser zero, o País não precisa disso. Eu não vou estabelecer uma meta fiscal que me obrigue a começar o ano fazendo corte de bilhões nas obras que são prioritárias”, disse Lula no café, do qual CartaCapital participou. “Muitas vezes, o ‘mercado’ é ganancioso demais e fica cobrando uma meta que ele sabe que não vai ser cumprida (…) Nós dificilmente chegaremos à meta zero.”

A meta de “déficit zero” foi estabelecida pelo próprio governo na proposta de orçamento para o ano ano que vem, enviada em agosto ao Congresso. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é defensor do arrocho. Acredita que melhora a confiança do “mercado” no governo e dá mais condições ao Banco Central para cortar a taxa básica de juros.

O outro lado da moeda é que o aperto pode afetar a economia no ano que vem. As previsões de momento tanto do time de Haddad quanto do dito “mercado” apontam uma desaceleração do PIB daqui para 2024. Será, aliás, ano de eleições municipais, um acontecimento capaz de medir a popularidade do governo e da economia.

O ano que vem, comentou Lula no café, “se apresenta como um ano difícil” na economia, dado o cenário que se desenha para China e Estados Unidos, os dois motores globais: queda do investimento e do crescimento no primeiro, aumento da taxa de juros no segundo. “Temos consciência do que está acontecendo na economia mundial e nós temos que atuar agora”, afirmou. “Temos o desafio de fazer a economia crescer.”

Lula vê o País com falta de “dinamismo” econômico, e é para ajudar a suprir essa carência que ele planeja para 2024 um “ano inteiro de viagens”. Um giro destinado a inaugurar obras de infraestrutura previstas no “Novo PAC”, moradias constantes do programa Minha Casa Minha Vida, escolas técnicas, universidades.

Desde sua volta ao poder, Lula tem passado parte importante do tempo debruçado sobre questões internacionais. A dedicação à política externa leva alguns de seus colaboradores a analisar que ele deveria olhar um pouco mais para dentro do Brasil. Um membro de seu comitê eleitoral do ano passado tem essa visão, por exemplo.

A recente cirurgia impôs uma parada nas viagens internacionais. Lula diz que precisava de ao menos seis semanas para se recuperar. Sua próxima decolagem está à vista. Será no fim de novembro, rumo aos Emirados Árabes Unidos, onde acontecerá outra conferência anual da ONU sobre mudanças climáticas, a COP-28.

Na área ambiental, o governo prepara-se para lançar, anunciou o presidente no café, um programa de recuperação de 40 milhões de hectares de terras degradadas. Uma forma aumentar a produção agropecuária brasileira “sem derrubar uma única árvore”.

Enquanto ele correr o Brasil em 2024, Geraldo Alckmin, seu vice-presidente, e Rui Costa, seu chefe da Casa Civil, viajarão ao exterior, para “vender” o Brasil como um porto seguro para investimentos na chamada economia verde (geração de energia solar e eólica, por exemplo). O Brasil, declarou ele, é o “novo berçário dos investimentos”.

Lula diz pretender dar mais atenção aos assuntos internos no ano que vem, mas sabe desde já que o Congresso é um terreno complicado, que não pode esperar. Na quarta-feira 25, o Senado rejeitou o nome indicado do presidente para comandar a Defensoria Pública da União, Igor Roberto Albuquerque Roque. Foram 38 votos contra Roque e 35 a favor.

“Possivelmente, eu tenha culpa (na rejeição). Porque eu estava hospitalizado, eu não pude conversar com ninguém a respeito dele (…). Não sei com quantos senadores ele conversou”, afirmou. “O nosso pessoal achou que ia ser tranquilo, e não foi tranquilo. Paciência. Eu vou ter que indicar um outro, sabe, e vou ter que ter mais cuidado de conversar com quem vota.”

Se no primeiro semestre os problemas parlamentares do governo respondiam pelo nome de Arthur Lira (PP-AL), o presidente da Câmara, agora estão no Senado. A dupla que dá as cartas por lá, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o comandante da Casa, e Davi Alcolumbre (UB-AP), o da Comissão de Constituição e Justiça, aliou-se à extrema-direita nas últimas semanas, por razões próprias. A aliança explica a rejeição a Roque.

O atual Congresso, dise o presidente, é “conservador”, mas é “a cara do povo brasileiro” e “não tem de dizer amém” ao governo, não tem de aprovar tudo o que o Planalto propõe. E a relação com o Legislativo não tem sido um problema só dele. Lula citou o americano Joe Biden, que foi senador por mais de 30 anos e hoje em dia tem sofrido na relação com o Parlamento americano, e a Espanha, país parlamentarista que realizou eleições em junho, vencidas pela direita, e esta até agora não conseguiu montar o gabinete de governo.

No café, Lula comentou ter chegado aos 78 anos “feliz”, por ter se livrado das dores no quadril. No final do encontro com os jornalistas, disse não ter ânimo para festejos. O motivo? A guerra entre Israel e o Hamas. Talvez se passe o mesmo com ele sobre seu governo: individualmente, o presidente se sente bem após a cirurgia, mas quando ele olha o contexto…

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