Política
Araújo justifica perseguição a diplomata com crise no PSL e redes sociais
Com a desistência de Bolsonaro de indicar filho para embaixada nos EUA, ministro parece temer pelo cargo
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, recrutou em outubro um diplomata que havia trabalhado no Palácio do Planalto na era PT para tentar refazer relações com a França. A nomeação de Audo Faleiro para chefiar a divisão de Europa do Itamaraty durou uma semana. Deputados do PSOL cobram explicações formais de Araújo para a demissão relâmpago, que chamam de “perseguição”.
Internamente, Araújo justificou a dispensa, segundo CartaCapital apurou, com dois argumentos: reação das redes sociais bolsonaristas e crise no PSL.
O partido do clã presidencial está em pé de guerra no Congresso, e essa foi uma das razões para Jair Bolsonaro desistir de fazer do filho Eduardo, deputado, embaixador em Washington – a outra razão, mais importante, é que Eduardo não tinha votos para ser aprovado pelo Senado.
O presidente havia anunciado a indicação do filho em julho. Em agosto, quando já se desenhavam as dificuldades de aprovação, disse publicamente: “O Senado pode barrar, sim. Mas imagine que no dia seguinte eu demita o Ernesto Araújo e coloque meu filho. Ele não vai ser embaixador, ele vai comandar 200 embaixadores e agregados mundo afora. Alguém vai tirar meu filho de lá?”.
Ao invocar a crise no PSL como argumento para recuar da nomeação de Faleiro, Araújo demonstra ter medo de perder o emprego e ser substituído por Eduardo. A embaixada do Brasil em Washington, um destino possível para Araújo, fã declarado do presidente americano Donald Trump, não é mais uma opção. Bolsonaro escolheu o diplomata Nelson Foster para o cargo.
Foster era alternativa antiga no governo, e Bolsonaro citou-o pelo nome em 22 de outubro, durante viagem ao Japão. A demissão de Faleiro por Araújo foi publicada nesse mesmo dia no Diário Oficial da União, embora conste no jornal que tenha sido assinada dia 18.
Bolsonaro e Ernesto Araújo (Foto: Valter Campanato/EBC)
A nomeação de Faleiro havia sido noticiada em 17 de outubro pelo site O Antagonista, ponto de referência do bolsonarismo e do lavajatismo. A notícia era factualmente correta (mencionava a currículo do diplomata na era PT), mas foi encarada no Itamaraty como tentativa de sabotar a indicação. Araújo havia escolhido o diplomata com o aval da Casa Civil da Presidência.
Houve forte reação do universo bolsonarista a Faleiro, via redes sociais. O diplomata trabalhou na assessoria internacional da Presidência nos governos do PT. Era braço direito do chefe da assessoria, o petista Marco Aurélio Garcia, morto em 2017, desde o governo Lula e permaneceu por quase toda a gestão Dilma Rousseff.
Com esse currículo, por que Faleiro havia sido nomeado para comandar a divisão de Europa do Itamaraty? Araújo queria, segundo CartaCapital apurou, refazer a relação com a França, esgarçada por causa de temas ambientais.
Bolsonaro bateu boca publicamente com o presidente francês, Emmanuel Macron, devido às queimadas na Amazônia. Também cancelou uma reunião que teria, em julho, com o ministro das Relações Exteriores da França, Jean-Yves Le Drian, para ir ao cabeleireiro.
Até agosto, Faleiro era o número 2 da embaixada do Brasil em Paris. Estava no posto havia cerca de três anos, após deixar a assessoria internacional da Presidência. Tinha ido para lá com o embaixador Paulo Cesar de Oliveira Campos, que foi chefe do cerimonial de Lula por sete anos. Por força do cargo em Paris, Faleiro tinha relações, e boas, com autoridades francesas.
Apesar de sua ideologia bolsonarista e trumpista, Araújo parecia confiar em Faleiro. Em maio ele foi à França para uma reunião com Le Drian e aceitou que participassem Faleiro e o embaixador Campos. Este não está mais no posto em Paris.
Em nota, o Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty) mostrou-se preocupado com a exoneração de Faleiro, ressaltando que seus servidores são “capacitados, profissionalmente, para executar a política externa definida pela Presidência da República”.
A entidade ainda afirmou que “a atuação em governos anteriores não é impedimento para que servidores técnicos possam exercer cargos de confiança em outra administração. A premissa não se alinha com os preceitos de liberdade individual do servidor e impacta, diretamente, o ambiente de trabalho no Ministério das Relações Exteriores”.
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