Política

Ao insistir na cloroquina, Bolsonaro comete crime de responsabilidade?

OMS suspendeu dos estudos com a droga após resultados do maior estudo já feito até aqui. No Brasil, o governo toma o caminho inverso

Pílula de Hidroxicloroquina - Foto: GEORGE FREY/AFP
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Nesta segunda-feira 25, a Organização Mundial da Saúde anunciou a suspensão dos estudos com a cloroquina e hidroxicloroquina. A decisão foi tomada após um estudo publicado na revista científica The Lancet, que observou 96 mil pacientes, indicar aumento no risco de morte e piora no quadro cardíaco.

No Brasil, o movimento é inverso. Na semana passada, após determinação do presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Saúde implementou um protocolo que prevê o uso da cloroquina em estágios iniciais de pacientes com o novo coronavírus. E não dá sinais de recuo. A pressão pelo afrouxamento já culminara na saída do ministro Nelson Teich, substituído interinamente pelo general Eduardo Pazuello.

Diante dos fatos, estariam Bolsonaro e seu ministro interino incorrendo em crime de responsabilidade? Para o médico e advogado Daniel Dourado, professor universitário e pesquisador do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário da Universidade de São Paulo, sim.

Na opinião do especialista, incentivar uso da cloroquina sem o devido conhecimento dos riscos fere o nono item 7º da lei 1.079, que proíbe violar patentemente qualquer direito ou garantia individual e direitos sociais assegurados pela Constituição.

“Eles estão, conscientemente, mantendo um protocolo sem saber se ele é seguro. É obrigação do Estado assegurar medidas de proteção, recuperação da saúde do cidadão. Caso persistam, é possível enquadrá-los nesse dispositivo.” Além disso, destaca Dourado, o governo tem usado a questão da cloroquina para forçar prefeitos e governadores a relaxar o isolamento. “É grave, pois ainda não há condição de relaxar ainda essas medidas.”

Horas após o comunicado da OMS, a Procuradoria-Geral da República recebeu um pedido da deputada Sâmia Bonfim (PSOL) para proibir o novo protocolo do medicamento aprovado pela Ministério da Saúde. De acordo com a parlamentar, o “pode custar milhares de vidas” e impede o Estado “de atuar de maneira eficaz contra a doença.”

Dourado concorda. “O uso da cloroquina contra a covid-19 não sequer tem registro na Anvisa. A Lei Orgânica da Saúde exige evidências científicas, a lei da pandemia exige evidencias científicas. Com esse risco evidente, a OMS suspendendo estudos, o mínimo era suspender o protocolo por aqui.”

Apesar das evidências mais robustas até aqui serem desfavoráveis à cloroquina, a questão científica ainda é campo aberto. No caso do estudo do Lancet e outros recentes, publicados no New England Journal of Medicine e na revista Jama, a pesquisa era observacional: os pesquisadores observam pessoas que já tomaram (ou não) o remédio, e compara diferenças. Há ainda os ensaios clínicos, onde os cientistas controlam quem vai e receber a droga e de que forma. “O nível de exigência dos ensaio clínico é maior”, explica Dourado.

O maior estudo do tipo no Brasil, coordenado pelo HCor, Sírio-Libanês e outras dezenas de hospitais, deve apresentar os resultados em três semanas.

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