Antes da posse, Bolsonaro “namorou” Temer e sinalizava proximidade

De olho em proteção, ex-presidente topava ajudar na Reforma da Previdência. Capitão diz agora: 'Que cada um responda pelos seus atos'

O deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ) no dia em que disse que não estupraria a deputada e ex-ministra Maria do Rosário (PT-RS) porque ela “não merece”

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O senador paulista Major Olímpio, líder do partido bolsonarista, o PSL, ficou eufórico com a prisão de Michel Temer. “Cadeia para todos aqueles que dilapidaram o patrimônio do brasileiro e envergonharam a política”, disse em um vídeo na internet. No Chile, o presidente Jair Bolsonaro comentou: “Que cada um responda pelos seus atos. A Justiça nasceu para todos”.

Quanta ingratidão de Bolsonaro. Logo após eleger-se, o ex-capitão reuniu-se com Temer no Palácio do Planalto. Era 7 de novembro. Terminada a conversa, fez uma declaração pública ao lado do emedebista, ambos sorridentes. “Se preciso for, a partir do ano que vem, voltaremos a pedir que ele nos atenda. Por que tem muita coisa que continuará. O Brasil não pode se furtar do conhecimento daqueles que passaram pela Presidência, que será útil a todos nós.”

Uma boa relação com o futuro governo interessava a Temer. Esperança justamente de escapar da cadeia depois de deixar o poder. O emedebista queria ser indicado para algum cargo com foro privilegiado, quem sabe uma embaixada, como circulou à época. Uma garantia de proteção contra a ordem de prisão de um juiz de primeira instância, como é o caso de seu algoz, Marcelo Bretas.

Em troca da boa vontade do sucessor, Temer topava esforçar-se para aprovar uma reforma da Previdência que ele mesmo tentara, mas não emplacara devido ao escândalo JBS/Friboi que quase o derruba em 2017. Faria o serviço no fim de 2018 e, assim, pouparia desgaste político a Bolsonaro. Uma disposição anunciada em um pronunciamento no dia da eleição do ex-capitão.

Delírios ideológicos à parte, o centro da agenda governamental de Bolsonaro é parecido com o do antecessor. Temer fez uma reforma trabalhista. O presidente acha pouco e desde a campanha prega ir além. Planeja criar uma carteira de trabalho verde-amarela, para desobrigar patrões de pagar direitos conquistados pelos trabalhadores em negociações sindicais.

Recorde-se: o vice-presidente, Hamilton Mourão, afirmava na campanha que coisas como 13o são uma “mochila na costas do empresário”.


A Reforma da Previdência é prioridade de Bolsonaro, igual a Temer. Defendeu-a nesses termos em sua primeira mensagem enviada ao Congresso na abertura de um ano legislativo, em fevereiro.

Em nota após a prisão de Temer, o MDB, comandado pelo ex-senador Romero Jucá, aquele do acordão anti-Lava Jato pós-impeachment “com o Supremo (Tribunal Federal), com tudo”, criticou a detenção. “Postura açodada da Justiça”, segundo o partido.

Será que o MDB vai se revoltar no Congresso e boicotar a reforma? Fanático por mudanças no INSS, o “mercado” reagiu à prisão de Temer com dólar em alta e Bolsa em queda.

A ânsia privatizadora é outra afinidade dos governos Bolsonaro e o Temer. O ministro da Economia, Paulo Guedes, quer vender todas as empresas e os imóveis na União. Tem cálculos megalomaníacos. Acha possível arrecadar 1 trilhão de reais.

O atual governo manteve praticamente toda a estrutura montada pelo anterior no PPI, o Programa de Parcerias de Investimentos, órgão que serve para o governo ouvir empresários e identificar oportunidades de negócios com o patrimônio público, como estradas, aeroportos, ferrovias.

O chefe do PPI, Adalberto Santos de Vasconcelos, foi nomeado no governo Temer. Idem seu adjunto, José Carlos Medaglia Filho, o secretário Pedro Bruno Barros de Souza e os diretores Marcos Neves Torreão e Anderson Marcio de Oliveira.

Um time montado no PPI quando quem mandava por lá era o então ministro Moreira Franco, preso juntamente com Temer também por ordem do juiz Bretas. Registre-se: a dupla emedebista foi em cana sob a acusação de usar o setor público para defender interesses privados em troca de grana.

No fim do governo Temer, Franco deixou o comando do PPI e foi nomeado ministro de Minas e Energia, com a missão de viabilizar a venda da Eletrobras, maior distribuidora de energia do País, e do que fosse possível dentro da Petrobras.

A privatização da Eletrobras, se vingar, será uma festa para os compradores. O aumento da conta de luz é certo. Uns 15%, conforme calculava no governo Temer a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

Sua venda é uma das primeiras na lista de Paulo Guedes. Em fevereiro, durante evento no BNDES, o ministro comentou que a privatização de controladas da estatal no fim de 2018, ainda no governo Temer, era um exemplo excelente para futuros programas de privatizações.


Detalhe: Moreira Franco é genro do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), um ardoroso defensor da reforma da Previdência. É com o deputado que Guedes conta como principal articulador da aprovação da reforma. Mas será que ela vai andar?

Com a prisão de Temer, os rumos políticos em Brasília tornam-se uma incógnita.

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