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A valsa do poder

Os movimentos de Lira, Pacheco e Lula na dança da sucessão na Câmara e no Senado

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Ambições. Lira sonha em emplacar o sucessor no comando da Câmara. Pacheco quer o apoio de Lula na campanha a governador de Minas Gerais – Imagem: Marcelo Camargo/ABR
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Na quinta-feira 29, o União Brasil, uma das maiores forças no Congresso, tinha eleição interna para presidente, uma disputa regada a dossiês, ofensas e alegações de ameaça de morte. O deputado e suposto ameaçador Luciano Bivar pretendia reeleger-se e enfrentaria uma espécie de cria política, o advogado Antonio ­Rueda, a quem considera traíra. Rueda era o favorito. Tinha o apoio dos líderes da sigla na Câmara, Elmar Nascimento, e no Senado, Efraim Filho, e dos governadores filiados à legenda, entre eles Ronaldo Caiado, de Goiás, que sonha em concorrer à Presidência da República abraçado a Jair Bolsonaro, o inelegível. Rueda foi um dos operadores da frustrada tentativa do capitão de criar um partido para chamar de seu quando estava no poder, o Aliança pelo Brasil. O União Brasil, filho da fusão da legenda pela qual Bolsonaro havia sido eleito, o PSL, com o DEM de Caiado, tem três ministros no governo Lula. Segure-se, leitor: a confusão está só no começo.

Um dos ministros do União Brasil é indicado do influente, porém discreto, Davi Alcolumbre, iminência parda por trás do comandante do Senado, Rodrigo Pacheco. Com o finado, mas nem tanto, orçamento secreto no bolso, Alcolumbre fez de Pacheco seu sucessor em 2021 e quer voltar ao posto no próximo ano. Em 26 de fevereiro, Pacheco teve o nome lançado para governador de Minas Gerais por Gilberto Kassab, criador do PSD, lar de ambos. O presidente Lula topa apoiar Pacheco. O que não basta para impedir gestos indigestos por parte do “aliado”. Há duas semanas, o presidente do Senado cobrou de Lula, no plenário da Casa, uma retratação por causa da declaração sobre o massacre promovido por Israel em Gaza. “Pacheco quer ser candidato em 2026, mas não quer se colar muito ao nosso lado”, afirma o deputado Rogério Correia, pré-candidato do PT a prefeito de Belo Horizonte.

Lula não se retratou. Ao contrário, em 27 de fevereiro, reafirmou sua posição, com palavras diferentes. A declaração original tinha levado a oposição bolsonarista a pedir seu impeachment. O pedido foi protocolado onde tem de ser, na Câmara dos Deputados, em 22 de fevereiro. Entre as 139 assinaturas no documento havia a de deputados de legendas que ocupam ministérios, casos do União Brasil, do Republicanos e do PP. O líder do governo na Câmara, José Guimarães, defende retaliar quem porventura tenha indicado nomes para cargos federais nos estados. “Estranho e bizarro” que parlamentares-padrinhos de indicados tenham embarcado no “fora Lula”, na visão do ministro da articulação política, Alexandre Padilha.

O governo não pretende lançar candidatos próprios. Por ora, acompanha as negociações

Há mais casos “estranhos e bizarros” nessa história. Pelo ângulo inverso. Nem todos os deputados do PL, maior partido da Câmara e aconchego do inelegível, estão entre os signatários do impeachment. O líder da bancada, Altineu Côrtes, é um dos que não assinaram. Uma ala da legenda tem votado a favor de medidas lulistas, cerca de 20 dos 96 deputados. “O maior problema do governo na Câmara não é o PL, é o Arthur Lira”, aponta um parlamentar do partido. Esse congressista é favorável, veja só, a que peelistas e petistas se unam para derrotar o grupo de Lira na disputa pelo comando da Câmara. Segundo ele, tanto o PL quanto o PT, partido da segunda maior bancada, são prejudicados por Lira e sua turma e têm motivos para querer fortalecer outro grupo.

Lira é presidente da Câmara desde 2021, tempos de Bolsonaro, em cujo governo atuou como espécie de primeiro-ministro, graças à explosão de verba destinada a obras incluídas no orçamento por parlamentares, as chamadas emendas. Essa explosão, aliás, garante até hoje o poder oculto de Alcolumbre, definido por um colega senador como o verdadeiro pai do orçamento secreto. O papel na era Bolsonaro é, possivelmente, a explicação para que a primeira versão daquele decreto golpista tramado pelo capitão após perder a eleição não mandar prender Lira (propunha encarcerar Pacheco e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Alexandre de ­Moraes). Ajuda a entender também por que o ­deputado não tenha dado as caras em Brasília no último 8 de janeiro, dia de um evento concebido por Lula e organizado por Pacheco para lembrar um ano do quebra-quebra bolsonarista na cidade.

O presidente da Câmara quer a todo custo fazer o sucessor. Morre de medo do ostracismo, condição que poderia ser fatal para a pretensão de eleger-se senador por Alagoas em 2026. Recorde-se uma declaração sua a O Globo de abril do ano passado: “Pode perder o poder, mas não pode deixar de ter influência. Rodrigo Maia, hoje, não tem o poder da presidência (da Câmara), mas goza de muita influência. É representante dos bancos (dirige a Confederação Nacional das Instituições Financeiras). Fez muitos relacionamentos”. Maia antecedeu-o no comando da Casa e queria ter emplacado o sucessor Baleia Rossi, deputado e presidente do MDB. Foi traído, porém, pelo próprio partido, o DEM, hoje União Brasil. A traição foi puxada por aquele a quem Lira deseja ver na cadeira que ocupa.

Jogadas. Lula reuniu líderes partidários no Palácio da Alvorada. Nascimento é o “parça” de Lira. Alcolumbre seria o pai do orçamento secreto – Imagem: Ricardo Stuckert/PR, Waldemir Barreto/Ag. Senado e Toninho Barbosa/União Brasil na Câmara

O alagoano está “inseguro” quanto às chances de Elmar Nascimento, uma descrição que circula nos bastidores do Congresso. Daí ter antecipado o processo sucessório, como restou evidente após participar de um evento no Rio de Janeiro em 23 de fevereiro. “O presidente Lula tem a vontade dele e o direito dele de tentar fazer o sucessor dele, como eu tenho a minha pretensão, ouvindo, a todos os líderes partidários (…) O presidente Lula sabe disso e já disse que estará junto desse projeto de acompanhar para que eu tenha o direito de fazer o meu sucessor.” Declaração para lá de ambígua. Quis dar a entender que Lula o apoiará, mas não disse claramente que o presidente o fará. Até aqui não há, de fato, compromisso por parte do petista. Eis o motivo de sua insegurança. O governo, diz um ministro, não tem como brigar pela presidência da Câmara, não vai se atirar na disputa e não impõe vetos ao líder do União Brasil. “Não vetar” não é a mesma coisa que “apoiar”.

Nascimento é descrito por colegas como pouco simpático e meio ríspido, traços, aliás, presentes em Lira. Por ora, há três interessados em bater chapa com ele futuramente: Antonio Britto, líder do PSD, Isnaldo Bulhões, líder do MDB, e Marcos Pereira, presidente do Republicanos. A eleição interna no União Brasil tem potencial para fortalecer Nascimento. Lira é defensor de que a legenda se una ao PP, sua sigla. O plano é antigo e não vingou com Bivar. O União Brasil continuará com ministros no governo, na hipótese de simpatizantes do bolsonarismo ganharem espaço interno no embalo de uma vitória de Rueda? Para um deputado petista, um eventual­ rompimento teria de partir do partido, não do Palácio do Planalto. Até porque a agremiação nunca se definiu como governista, prefere posar de “independente”. No Executivo, não havia sinal amarelo aceso. “Não está no radar” do presidente, disse Padilha, “uma reforma ministerial.”

O que o Planalto tem feito é disputar com Lira influência sobre os deputados. Em 22 de fevereiro, Lula recebeu os líderes partidários para um happy hour no Palácio da Alvorada. Lira estava presente, mas sabe que demonstraria mais poder se fosse apenas ele o elo dos parlamentares com o presidente. Sem intermediários, pior para o alagoano. Eis por que há uma “guerra fria” entre ele e ­Lula, conforme relatou CartaCapital em junho de 2023. No dia do happy hour (haverá outro, com senadores, em 5 de março), o presidente baixou um decreto com um calendário para liberação de verbas de emendas parlamentares ao longo do ano. Serão 44 bilhões de reais, dos quais 33 bilhões de caráter impositivo (o governo não pode deixar de pagar, mas apenas decidir quando pagar). O cronograma tinha sido imposto na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2024, mas acabaria vetado por Lula em 30 de dezembro. O pai da criança era o relator da LDO, o deputado Danilo Forte, aliado de Lira e liderado de Nascimento no União Brasil.

Lula busca criar canais diretos com deputados e senadores, sem intermediários

O veto da LDO tinha sido um dos motivos para um discurso duro e revoltado de Lira, cheio de recados ao governo, na volta do Congresso em 5 de fevereiro. No mesmo dia, ele mandou um requerimento de informação ao Ministério da Saúde sobre certos gastos. É raro um presidente da Câmara ser autor de requisição do gênero. O deputado gostaria, no fundo, de derrubar a ministra Nísia Trindade e ser o padrinho do substituto. A razão da cobiça pelo cargo são justamente as emendas. Pela Constituição, metade dos recursos precisa ir para a área da saúde. Quem controla a pasta, controla uma fortuna. Nísia tem a confiança de Lula, no entanto. Seu número 2 no ministério, Swedenberger Barbosa, foi do gabinete pessoal do presidente da República nos dois mandatos anteriores.

Ao mostrar as garras na reabertura do Congresso, Lira conseguiu um tête-à-tête com Lula. A conversa ocorreu em 9 de fevereiro. O petista queria saber por que o deputado tinha queixas com o governo. O alagoano não fala com o chefe da área política, Padilha. E tem a responsabilidade, por força do cargo, de decidir se aceita ou não o pedido para abrir um processo de impeachment de Lula. Apesar de ser o padrinho da escolha do atual presidente da Caixa Econômica Federal, Carlos Antônio Vieira, não tem pressa para resolver o assunto. A existência do pedido aumenta seu poder de barganha perante o governo. Mesmo que no fim das contas Lula derrotasse um processo de impeachment, a mera discussão do assunto consumiria energia política do governo, neste momento empenhado em aprovar no Congresso medidas de aumento de arrecadação.

Na sexta-feira 1º, após o fechamento desta edição, seria divulgado o resultado­ do PIB do ano passado, um desempenho na casa dos 3%, conforme estimativas mais ou menos consensuais. Um dos números mais altos em uma década, embora longe do necessário diante das carências nacionais. Para este ano, as previsões são piores (1,7%, segundo o “mercado”, e 2,2%, na projeção do Ministério da Fazenda), mas o presidente disse em uma entrevista recente que “vamos crescer mais do que qualquer previsão”. Quanto melhor a situação econômica do País, pior para Lira na disputa com Lula pelo coração dos deputados. •

Publicado na edição n° 1300 de CartaCapital, em 06 de março de 2024.

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