A Semana: Governo/ Um bode para imolar

Bolsonaro e sua equipe econômica tomaram a decisão política de liberar o reajuste do preço dos combustíveis conforme a variação da cotação internacional do petróleo e de seus derivados. Como é de conhecimento até do mundo mineral, a União é acionista majoritária da Petrobras. Se desejasse, o governo federal poderia perfeitamente aprovar uma regra específica para o mercado doméstico no Conselho de Administração da empresa de economia mista, visando proteger os consumidores brasileiros das variações mais abruptas do mercado. Em vez disso, priorizou a obtenção de lucros, para irrigar os cofres do próprio governo e para satisfazer os acionistas minoritários.

Talvez acometido por uma súbita perda de memória, Jair Bolsonaro agora considera os lucros da Petrobras exorbitantes. Ou, em ­suas próprias palavras, “um estupro” contra a população brasileira. E anunciou, na quarta-feira 11, a troca de comando no Ministério das Minas e Energia. Dois dias após a companhia reajustar em 8,87% o preço do diesel nas refinarias, o ex-capitão decidiu rifar o almirante Bento Albuquerque e nomear como ministro Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica. Seguindo a tradição judaica, sacrificou um bode e elegeu outro para expiar a culpa de suas próprias escolhas. Ou o presidente acredita que o discípulo de Paulo Guedes vai interferir na política de preços da petroleira, à revelia do deus mercado?

A saída de Bento Albuquerque tem, porém, outra explicação, bem mais plausível. O almirante estava se opondo ao projeto patrocinado pelo Centrão de construir uma ­rede de gasodutos no País, ao custo de 100 bilhões de reais. A iniciativa beneficia diretamente o empresário Carlos Suarez, ex-sócio da empreiteira OAS e conhecido como o “rei do gás”, que pretende expandir a atuação em oito estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Sachsida não teria sido escolhido para mudar a política de preços da Petrobras, como o ex-capitão insinua, e sim para assegurar a aprovação do “Centrãoduto”.

Preconceito irreparável

Um estudo feito pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro revelou que 80% dos réus absolvidos por erros na identificação feita por reconhecimento fotográfico passaram um ano e dois meses presos antes do julgamento.  O levantamento analisou 242 processos no Tribunal de Justiça entre os meses de janeiro e junho de 2021. Em um dos casos, o acusado passou quase seis anos encarcerado preventivamente até a absolvição. Recentemente, a Corte recomendou que os juízes reavaliem as acusações baseadas apenas em reconhecimento de fotos nas delegacias. Na maioria dos casos, as vítimas do erro judicial são homens (96%)

Clientelismo/ Com a chave do cofre

Lira destinou 357,4 milhões de reais do orçamento secreto, quase dez vezes mais que o permitido a cada deputado em emendas individuais

O presidente da Câmara tem motivos de sobra para sorrir – Imagem: Paulo Sérgio/Ag.Câmara

Com quase dois meses de atraso, o Senado finalmente cumpriu a determinação do Supremo Tribunal Federal e enviou informações detalhadas sobre a destinação de verbas do “orçamento secreto”, como ficaram conhecidas as emendas de relator, em decorrência da falta de transparência sobre a origem da indicação dos recursos. Ao todo, 340 deputados federais e 64 senadores encaminharam ofícios informando valores, obras financiadas e cidades beneficiadas por suas indicações.

Somente o presidente da Câmara dos ­Deputados, Arthur Lira, indicou ao menos 357,4 milhões de reais em emendas do orçamento secreto nos últimos dois anos. O montante é quase dez vezes mais do que o permitido a cada deputado para destinação por emenda ­individual. Todo o valor foi destinado a cidades de Alagoas, estado de Lira, em 2020 e 2021.

Lira destinou 93,8 milhões de reais para iniciativas da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba ­(Codevasf), conhecida como “a estatal do Centrão”, por ser controlada pelo bloco. A Controladoria-Geral da União chegou a apontar sobrepreço na compra de tratores e máquinas agrícolas pela Codevasf, com dinheiro do orçamento secreto, após o jornal O Estado de S. Paulo denunciar o escândalo do “tratoraço”. Outros 6 milhões foram para Barra de São Miguel, administrada pelo pai do parlamentar, o ex-senador Benedito de Lira.

O jeito é andar de carro velho

A produção nacional de automóveis e caminhões encerrou abril com uma queda de 2,9% em comparação ao mesmo mês de 2021, segundo a Anfavea, a associação das montadoras. Ao todo, foram fabricados 185,4 mil veículos leves e pesados neste mês. Na comparação entre o primeiro quadrimestre deste ano e o de 2021, a produção caiu 13,6%. A indústria automotiva aponta como a principal causa a falta de semicondutores, agravada pela guerra na Ucrânia, mas o aumento no custo do crédito e a elevação nos preços dos carros também contribuíram para a retração.

Alagoas/ Regras definidas

O STF manteve a votação aberta para o mandato-tampão no estado

Mendes exigiu que governador e vice sejam da mesma chapa – Imagem: Fellipe Sampaio/STF

O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, decidiu na segunda-feira 9 que a eleição indireta para o governo de Alagoas deve ocorrer em chapas únicas de governador e vice. O magistrado também vetou candidaturas de pessoas não filiadas a partidos e autorizou que a votação seja nominal e aberta entre os deputados. “O princípio da unicidade da chapa de governador e vice-governador é indissociável do próprio modelo constitucional de exercício desses cargos”, disse.

Houve a reabertura do prazo para as inscrições das chapas para as eleições. O mandato-tampão é necessário porque o governador Renan Filho renunciou para se candidatar ao Senado. O vice-governador, Luciano Barbosa, também renunciou ao cargo em 2020 para se candidatar a prefeito de Arapiraca. Terceiro na linha de sucessão, o presidente da Assembleia Legislativa, o deputado Marcelo Victor, também abdicou do cargo porque, se assumisse, não poderia disputar a reeleição. Majoritário no Legislativo alagoano, o grupo de Renan Calheiros celebrou a decisão de manter a votação aberta, de forma a evitar possíveis traições no bloco que sustentava Renan Filho.

Ucrânia/ Longe de um desfecho

O conflito forçou o deslocamento de 13 milhões de ucranianos até agora

No “Dia da Vitória“, Putin não deu pistas sobre os rumos da guerra – Imagem: Anton Novoderezhkin/Sputnik/AFP

O presidente russo, Vladimir ­Putin, comparou, na segunda-feira 9, a invasão da Ucrânia à vitória de seu país sobre a Alemanha Nazista na Segunda Guerra Mundial. No discurso do “Dia da Vitória”, data que celebra a derrota dos alemães para a antiga União Soviética, Putin voltou a responsabilizar a Otan pela incursão militar, mas surpreendeu os países do Ocidente ao não fazer nenhum novo anúncio sobre o atual conflito.

Na semana anterior, o serviço de inteligência dos EUA disse que Moscou poderia usar a data para fazer uma declaração formal de guerra. Putin não fez, porém, qualquer novo anúncio, nem sequer mencionou a Ucrânia pelo nome. Ele evitou falar sobre o progresso de suas tropas e tampouco indicou por quanto tempo a incursão militar deve continuar. O discurso de 11 minutos limitou-se a exaltar os soldados russos, comparados aos combatentes do Exército Vermelho na Segunda Guerra Mundial: “Hoje você luta por nosso povo em Donbas, pela segurança da Rússia, nossa pátria”.

Enquanto Putin se fecha em copas, o presidente dos EUA, Joe Biden, envolve-se ainda mais no conflito. Na terça-feira 10, assinou o “Ukraine Democracy Defense Lend-Lease Act”. A lei de empréstimo e arrendamento de armas para os ucranianos retoma um mecanismo adotado em 1941 pelo então presidente Franklin Roosevelt, que ampliava os poderes do chefe de Estado para apoiar esforços de guerra na Europa.

Com a assinatura do tratado, a ajuda militar norte-americana à Ucrânia – de quase 3,8 bilhões de dólares desde o começo do conflito – deve aumentar. “Estou convencido de que Putin acreditava que podia acabar com a Otan, acreditava que podia destruir a União Europeia”, disse Biden.

Desde o início da ofensiva russa, mais de 13,6 milhões de ucranianos tiveram de deixar suas casas, estima a Organização Internacional para as Migrações, uma agência das Nações Unidas. Uma parte deles saiu do país, e pouco mais de 8 milhões se instalaram em outras regiões da Ucrânia.

Hong Kong em rédeas curtas

Imagem: STR/AFP

Responsável pela dura repressão ao movimento ­ pró-democracia em Hong Kong, o ex-chefe de segurança da ilha, John Lee, foi nomeado novo líder da antiga colônia britânica por um comitê eleitoral majoritariamente formado por partidários do regime comunista da China. Eleito com 1.416 votos, Lee foi o único candidato na disputa. Apenas oito delegados decidiram não o apoiar. Logo após o anúncio, países do G-7 manifestaram preocupações com a garantia das liberdades fundamentais na região autônoma. Em reação, o Ministério das Relações Exteriores da China classificou as declarações como uma “interferência” indevida nos assuntos internos do país.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1208 DE CARTACAPITAL, EM 18 DE MAIO DE 2022.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “A Semana”