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A grande virada

Expoentes da finada Lava Jato se reinventam no mercado de trabalho

Alternativas. Bretas não descuida dos seguidores nas redes sociais. Dallagnol tenta se firmar no ramo de palestras. Já Moro pode bater à porta de antigos empregadores – Imagem: Mayke Toscano/GOVMT, Jefferson Rudy/Ag. Senado e Redes sociais
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A taxa de desemprego no Brasil foi de 7,5% em novembro, o menor patamar para o período desde 2014. Apesar de o mercado de trabalho estar aquecido, não tem sido fácil a recolocação profissional de alguns astros da finada Operação Lava Jato. Afastado da magistratura por condutas irregulares, o juiz federal Marcelo Bretas, conhecido nas redes sociais como o “Moro do Rio”, busca firmar-se como influenciador digital e coach jurídico. Depois de perder o mandato de deputado federal, o ex-procurador Deltan Dallagnol enfrenta dificuldades para se manter ativo no mercado de palestras e ainda alimenta o sonho de se eleger prefeito da República de Curitiba, ainda que a Lei da Ficha Limpa ameace abatê-lo em pleno voo. Ameaçado de cassação, o senador e ex-juiz Sergio Moro talvez seja aquele que tem mais opções na manga. Além de ter seu próprio escritório de advocacia, talvez consiga recuperar o antigo emprego na Alvarez & Marsal, empresa que presta consultoria para empreiteiras quebradas pela ação inconsequente da turma. Resta saber se ainda será útil, uma vez que as construtoras já deram passos para anular seus acordos de leniência.

Nas redes sociais, Bretas segue à risca a cartilha das celebridades digitais. Nas fotos publicadas, aparece realizando exercícios em academias de musculação ou alongando o esqueleto nas areias da praia do Leblon, na Zona Sul carioca. Aos seus 95 mil seguidores oferece um vasto repertório de conteúdos: mensagens de autoajuda, versículos bíblicos, dicas de filmes, recomendações de leitura, conselhos jurídicos a estudantes de Direito… Há até indicações específicas para os concurseiros que pretendem seguir carreira na magistratura. No Instagram, apresenta-se como professor, palestrante e juiz federal, e conclui o currículo exortando “Deus, Direito e Família”. Bretas é uma espécie de garoto Bombril, tem “mil e uma utilidades”. Arrisca-se até a ensinar técnicas de liderança, comunicação e ética – logo ele, que responde a três processos disciplinares no Conselho Nacional de Justiça, que podem abreviar sua tortuosa carreira de magistrado. Entre outras, ele é acusado de negociar penas, orientar advogados e combinar estratégias com o Ministério Público.

Bretas nega ter interesse em seguir carreira política, mas a verdade é que a investigação no CNJ representa uma âncora para qualquer pretensão eleitoral. A Lei da Ficha Limpa determina que juízes condenados em processos disciplinares fiquem inelegíveis por oito anos, e não adianta abandonar a magistratura antes de sofrer qualquer punição. Dallagnol buscou esse atalho, pediu exoneração do cargo de procurador da República para se candidatar a deputado federal com 15 reclamações pendentes no Conselho Nacional do Ministério Público. O Tribunal Superior Eleitoral entendeu, porém, que ele tentou burlar a norma, razão pela qual seu mandato parlamentar foi cassado. Por unanimidade.

Coachs jurídicos, influenciadores digitais, consultores, palestrantes… Os astros da República de Curitiba focam nas oportunidades

Filiado ao Novo, Dallagnol agora é empregado do partido. Com salário de 41 mil reais, tornou-se uma espécie de guru político: percorre o País participando de eventos na tentativa de angariar novos filiados para a sigla. A carreira de palestrante tem lá os seus percalços. Por pressão de integrantes do movimento estudantil, a Direção do Setor de Ciências Jurídicas da ­UFPR decidiu cancelar uma apresentação que o deputado cassado faria na instituição em novembro do ano passado. Alegando censura, Dallagnol recorreu ao Judiciá­rio, mas a juíza Cláudia Rocha Mendes Brunelli, da 20ª Vara Federal de Curitiba, negou provimento ao mandado de segurança impetrado pelo ex-procurador. A razão é simples: as universidades têm autonomia para aprovar (ou vetar) qualquer evento realizado em suas instalações.

Dallagnol ainda sonha com a possibilidade de disputar a prefeitura de Curitiba neste ano, mas os números das primeiras consultas não animam. Uma sondagem da Paraná Pesquisas, divulgada em 15 de dezembro, revela que ex-procurador possui apenas 0,6% das menções espontâneas. Por estar inelegível, o instituto não o incluiu na pesquisa estimulada, quando os nomes dos candidatos são apresentados. Testou, porém, alguns cenários com a presença de sua mulher, Fernanda ­Dallagnol. Ela oscilou entre 4,7% e 8,4% das intenções de voto na capital paranaense.

Enquanto isso, Sergio Moro luta para preservar o mandato de senador, mas as chances de êxito são remotas. No próximo dia 22, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná deve julgar o processo por abuso de poder econômico nas eleições de 2022, movido pela federação liderada pelo PT e pelo PL de Jair Bolsonaro. O Ministério Público Eleitoral já se manifestou favorável à cassação. Bolsonaro, por sinal, é seu antigo chefe, que o premiou com o cargo de ministro da Justiça após o magistrado ter retirado Lula da disputa presidencial de 2018 e divulgado trechos de uma delação fajuta de Antonio Palocci dias antes do primeiro turno das eleições. ­Enxotado do governo meses depois, ele aceitou o convite para trabalhar na Alvarez & ­Marsal, consultoria norte-americana especializada na recuperação de empresas. Entre os clientes, figuravam várias empreiteiras investigadas pela Lava Jato, como OAS, Odebrecht e Queiroz Galvão. “Não é advocacia nem atuarei em casos de potencial conflito de interesses”, despistou Moro, ao anunciar o novo emprego.

A dificuldade de recolocação profissional desses expoentes da Lava Jato não surpreende o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. “São indigentes intelectuais.” Além da barreira da Lei da Ficha Limpa, acrescenta o advogado, Dallagnol terá de enfrentar uma série de processos nas esferas civil e criminal, por conta de sua indecorosa atuação na República de Curitiba. Já Bretas, bem… “Este é um charlatão que dificilmente conseguirá algum destaque no meio jurídico, caso venha a perder a função.”

O jurista Lenio Streck, professor de Direito Constitucional da Unisinos e pós-doutor pela Universidade de Lisboa, compara a tentativa de Bretas se firmar como coach jurídico a um indivíduo que engorda 40 quilos e depois resolve dar aulas sobre como emagrecer. “Trata-se de um ­outsider que agora vende a fórmula do sucesso.” Moro, por sua vez, desenvolveu o método “atire pregos na estrada e monte uma borracharia”, diz. “Assim ele chegou à ­Alvarez & Marsal. Tudo autoexplicativo.” •

Publicado na edição n° 1292 de CartaCapital, em 10 de janeiro de 2024.

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