Economia

A expectativa de economistas sobre a apresentação do novo arcabouço fiscal

Especialistas apontam a necessidade de uma regra mais flexível, mas ainda veem o mercado muito crítico às posições de Lula

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante reunião ministerial, no Palácio do Planalto. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Economistas veem como necessária a adoção de regras fiscais mais flexíveis, mas apontam erros do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao se posicionar sobre as suas pretensões na política econômica. As expectativas são grandes sobre a possibilidade de anúncio do novo arcabouço fiscal na semana que vem.

Nesta sexta-feira 17, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou o seu projeto a Lula, mas as conversas devem prosseguir na segunda-feira 20. Ambos desejam ter uma decisão antes da viagem que o presidente fará à China, prevista para 26 de março. Caso Lula a aprove, a proposta ainda terá de passar pelo escrutínio do Congresso, porque terá de substituir a emenda constitucional que instituiu o teto de gastos, em 2017.

Na quinta-feira 16, a ministra do Planejamento, Simone Tebet, comentou a nova regra fiscal em linhas gerais a jornalistas, mas não revelou mudanças concretas: “Só posso dizer que ela está muito bem equilibrada, ela é flexível, ela olha para o lado da despesa e pelo lado da receita, ela é crível, ela é factível. Então, sob esse aspecto, agrada a todos”. O vice-presidente Geraldo Alckmin também conheceu o plano, mas não comentou publicamente.

Para André Nassif, economista aposentado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, as sinalizações dadas até agora indicam que o princípio do novo arcabouço fiscal será “extremamente correto”.

Em sua visão, o teto de gastos se ancorava apenas na limitação das despesas, enquanto a nova regra deve contemplar a projeção das despesas e também das receitas, o que tiraria a “camisa de força” da norma anterior.

Com esse princípio, comenta o especialista, a expectativa é de que haja superávit dentro de três anos.

“É ter equilíbrio orçamentário entre receita e despesa de investimentos públicos nas fases de expansão, para poder ter alguma válvula de escape nos momentos de crise, para que o governo possa fazer políticas contracíclicas, aumentando investimentos sem reduzir despesas. Isso é extremamente importante”, analisa.

O professor manifesta receio, porém, com a possibilidade de que o mercado adote uma posição muito conservadora e não aceite as novas regras fiscais.

Diogo Carneiro, economista da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, diz ver uma “notória má vontade” do mercado em relação ao governo, mesmo com a consciência de que é necessário estabelecer uma “regra realista”. O especialista ressalta que o teto de gastos já não era respeitado na gestão de Jair Bolsonaro (PL) e, portanto, representava um princípio “fictício”, mas o comportamento do mercado era mais ameno.

Para o economista, o teto de gastos impôs uma discussão rasa sobre a administração das contas públicas, porque o Executivo sabe o quanto precisará desembolsar no ano, mas não sabe ainda qual será o seu crescimento e a sua arrecadação. Ao impor um limite fantasioso, o teto de gastos trabalha com a tese de que a administração federal pode cortar gastos substanciais, enquanto a maior parte deles é obrigatória e essencial.

Por outro lado, Carneiro observa problemas no governo ao apresentar as suas intenções na economia. Primeiro, ele destaca a piora na cacofonia do governo, algo registrado desde o início. De novo, Lula precisou chamar a atenção dos seus ministros sobre promessas que não podem ser cumpridas, após os anúncios de Carlos Lupi (Previdência) sobre o crédito consignado a aposentados e de Márcio França (Aeroportos), sobre descontos em passagens aéreas.

Segundo Carneiro, o próprio Lula estaria agindo com “destempero desnecessário” em relação ao Banco Central. Em vez de dialogar reservadamente com o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, o petista tem preferido expor a sua discordância sobre a política monetária publicamente, com a reivindicação de redução da taxa básica de juros, mantida hoje sob o alto patamar de 13,75%.

“Embora Lula tenha uma bela parcela de razão, fazer um alarde público é diferente de conversar no privado. O grande problema dessa pressão é colocar em xeque questões que são caras ao mercado, como a autonomia do Banco Central, e aí todos respondem em bloco. Provoca-se o efeito oposto do que ele gostaria”, analisa.

A reação negativa do mercado foi retratada em duas pesquisas nesta semana. Em evento do Grupo de Líderes Empresariais, o Lide, na segunda-feira 13, representantes de diversas companhias deram uma nota média de 4,3 para a eficiência gerencial do governo Lula, índice menor que a nota 6,0 registrada no primeiro ano de Bolsonaro.

Já na quarta-feira 15, o levantamento da Quaest O que pensa o mercado financeiro apontou 98% de entrevistados com a opinião de que a política econômica do País está indo na direção errada.

Além disso, 90% têm uma avaliação negativa sobre a relação do governo Lula com o Banco Central. Para 78%, a economia deve piorar, e 73% acham que o Brasil corre o risco de entrar em recessão.

Mais crítico à postura de Lula, o consultor empresarial Carlos Caixeta diz que o presidente tem contrariado os esforços de Haddad de “fazer o dever de casa”. Para o conselheiro do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, a falta de endosso do chefe do Executivo às preocupações de Haddad aumenta a incerteza do mercado sobre quais serão as reais diretrizes da nova política econômica.

A posição se assemelha à externada por João Doria, ex-governador de São Paulo, nesta semana. O fundador do Lide elogiou Lula, mas, sob o aspecto econômico, disse que a disputa com o Banco Central é “desnecessária” e que o presidente deveria ampliar o diálogo direto com o mercado financeiro para esclarecer seus compromissos.

“O mercado vai aceitar regras fiscais flexíveis desde que tenham respaldo na realidade”, afirma Caixeta. “Os países da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] não trabalham com tetos fixos, por que isso engessa muito, mas eles trabalham com uma faixa de déficit aceitável, e ela é rediscutida periodicamente. As regras podem ser flexíveis, mas elas precisam ser críveis, respeitadas e dar credibilidade.”

Para Caixeta, no entanto, há baixa probabilidade de que o Banco Central reduza os juros imediatamente após a apresentação da nova regra fiscal. A instituição define a nova taxa Selic nos próximos dias 21 e 22, quando haverá reuniões do Comitê de Política Monetária. No olhar do economista, a tendência é de que os diretores da instituição promovam alguma mudança, se houver, apenas em maio.

A recomendação de regras mais flexíveis vem do próprio Fundo Monetário Internacional. Em estudo de outubro do ano passado, O retorno às regras fiscais, o FMI comenta a tendência internacional de buscar caminhos que lidem com os desdobramentos econômicos da pandemia. Pesquisadores da instituição se ofereceram, em janeiro, para acompanhar o processo brasileiro e fornecer subsídios sobre experiências que deram certo e errado.

“Um quadro fiscal de médio prazo atualizado que combine regras mais flexíveis e instituições fortes para promover a solidez das contas públicas poderia alcançar um melhor equilíbrio”, diz o relatório.

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