Economia

Divergência saudável? Economistas debatem a ‘cacofonia’ no governo e as reações do mercado

Uma das principais expectativas para a reunião ministerial da sexta-feira 6 é que o presidente Lula estabeleça diretrizes que transmitam uma mensagem mais uniforme

Fotos: José Cruz Agência Brasil / PDT - Reprodução / Fábio Rodrigues-Pozzebom Agência Brasil / Paulo Sérgio Câmara dos Deputados
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Uma das principais expectativas para a reunião ministerial da sexta-feira 6 é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estabeleça diretrizes que transmitam uma mensagem mais uniforme a partir dos integrantes do governo. 

A necessidade surge após uma sequência de posições anunciadas e desautorizadas por figuras do alto escalão

Um dos casos mais destacados envolve o novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ainda no fim de 2022, ele pediu ao governo de Jair Bolsonaro (PL) que não prorrogasse a desoneração de tributos sobre os combustíveis e foi contrariado publicamente por Gleisi Hoffmann (PT), que defendeu, em entrevista à GloboNews, a prorrogação da medida por três meses. 

A tese defendida por Gleisi acabou prevalecendo: o governo Lula publicou, na segunda-feira 2, uma MP que prorroga a desoneração até 28 de fevereiro. 

A data da publicação da MP foi a mesma que a posse de Haddad na Fazenda. O petista disse assumir o compromisso de apresentar ao Congresso, ainda no primeiro semestre deste ano, a proposta de uma nova “âncora fiscal”. 

O projeto substituiria o teto de gastos, medida instituída por Michel Temer (MDB) que limita o orçamento para a saúde e a educação com a justificativa de controlar gastos públicos e mostrar confiança para o mercado financeiro. A ideia agora, segundo Haddad, é ter um “arcabouço fiscal que abrace o financiamento do guarda-chuva de programas prioritários do governo, ao mesmo tempo que garanta a sustentabilidade da dívida pública”.

Um dia depois, Gleisi cedeu uma nova entrevista, desta vez ao jornal O Globo, em que, perguntada se a responsabilidade social era maior do que a fiscal, questionou: “Quem pode esperar um pouquinho mais? A pessoa que está passando fome ou o mercado? Isso, a gente tem sempre que ter em mente: o mercado não morre de fome”.

Na mesma semana, um novo episódio. O ministro da Previdência, Carlos Lupi (PDT), chamou a reforma da Previdência de Bolsonaro de “antirreforma” e disse que era preciso rediscuti-la, durante discurso de posse na pasta, na terça-feira 3. No dia seguinte, o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), negou que o governo esteja analisando uma proposta de revisão da reforma.

Diante de sinalizações e assertivas conflitantes, avalia Claudio Frischtak, presidente da Inter B. Consultoria, o mercado financeiro tem dificuldade de identificar quais atores políticos terão maior influência a ponto de definir os novos rumos

“O Lula foi razoavelmente responsável durante a sua gestão e diferente da Dilma, mas isso foi lá trás. Como vai ser agora? Nesse momento, vemos muita interferência política, particularmente, da presidente do PT e de uma ala que se preocupa menos com a expansão dos gastos públicos”, analisa Frischtak. “Isso pode gerar tanto ruído que se contrata uma crise fiscal e uma recessão na economia.

O mercado teme ainda, segundo Frischtak, que os ministros que agradam o empresariado, como Simone Tebet (MDB) no Planejamento, não tenham “autonomia de voo”.

O economista Diogo Carneiro, da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, a Fipecafi Projetos, vê como saudável este debate durante o início do governo

Para Carneiro, os atores do mercado também agem de acordo com convicções ideológicas. É normal, defende, que haja um ambiente de incertezas, mas o empresariado precisa ter ‘paciência’ e se movimentar não apenas em torno de palavras, mas sim de medidas definidas pelo Planalto.

“Em algum ponto, é saudável essa diversidade entre os ministros no governo. Por muito tempo, já tivemos o Ministério do Planejamento, de um lado, querendo gastar, e o Ministério da Fazenda, de outro, querendo restringir. Porque a missão de cada um é diferente”, analisa Carneiro. “É claro que é preciso que as coisas estejam concatenadas para que não haja certo canibalismo no governo, mas cada um tem que defender o que é estimulado a fazer.”

Para André Nassif, economista aposentado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, o Ministério da Fazenda dá indícios de que pretende apresentar um arcabouço fiscal baseado no controle dos gastos públicos e na obtenção de receitas.

Segundo o economista, é possível fazer um trabalho de responsabilidade fiscal sem recorrer à austeridade, conceito no qual o teto de gastos esteve baseado. O que se viu no governo Bolsonaro, reforça, foi um teto “não crível”– pois em sucessivas vezes foi necessário pedir créditos extraordinários. Além disso, o governo norteava a política econômica apenas pelo aspecto dos gastos, mas não contemplava as receitas.

O controle dos gastos, maior preocupação do mercado, deve demandar, para Nassif, uma reorganização da máquina pública para realocar gastos de custeio e eliminar excessos. O grande mistério é a decisão sobre quais áreas devem ser afetadas. Em uma primeira reunião, na terça-feira 3, o Ministério da Fazenda deixou escapar para a imprensa que estuda um ajuste fiscal de 223 bilhões de reais. 

Do outro lado, há a questão das receitas. A reforma tributária, para o professor, é a “mãe das reformas”, porque pode criar novas faixas de imposto de renda, tributar lucros, dividendos e fortunas e contrariar o regime regressivo. 

Nassif minimiza a relevância dos conflitos entre Gleisi Hoffmann e Haddad e define a preocupação do mercado financeiro como “impaciente” e concentrada no “curtíssimo prazo”. Primeiro, o economista observa uma expectativa do mercado de que o governo elabore e apresente uma regra fiscal imediatamente, o que não é possível, pela necessidade de discussões técnicas.

O segundo ponto é que, para ele, Lula agiu corretamente ao prorrogar a desoneração dos combustíveis, porque qualquer mudança poderia impactar nos combustíveis e gerar conflitos com os caminhoneiros. O prazo determinado é razoável e permite que o governo ganhe tempo para estudar a nova política de preços da Petrobras.

Por outro lado, Nassif diz ter uma avaliação pior sobre a desautorização ao ministro Lupi em relação à Previdência. 

“Isso realmente é muito ruim como sinal do governo”, afirmou o professor da Universidade Federal Fluminense. “Só o Lula que vai conseguir dar um puxão de orelha nesse pessoal.”

Após uma reunião de duas horas com Lula, nesta quarta-feira 4, Haddad informou que comunicar as primeiras medidas econômicas na semana que vem.

Durante a transição, ele havia dito que poderia rever desonerações ou aumentar impostos, de acordo com o diagnóstico sobre o déficit primário neste ano. O petista, porém, não deu detalhes sobre o que pretende anunciar.

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