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A Europa não cruzaria os braços diante de um golpe no Brasil, diz eurodeputado

Em entrevista a CartaCapital, Pedro Marques criticou gestão do presidente Jair Bolsonaro e contou detalhes do encontro com Lula em São Paulo

O deputado português Pedro Marques esteve no Brasil para visitar Lula. Foto: Reprodução
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Vice-presidente do Grupo dos Socialistas e Democratas do Parlamento Europeu, o eurodeputado português Pedro Marques veio ao Brasil para se reunir com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na segunda-feira 29, em São Paulo. Junto a ele, estavam outros três parlamentares.

A comitiva, composta também por outros três parlamentares, disse ter demonstrado a Lula preocupação com a conduta “autoritária e antidemocrática” do presidente Jair Bolsonaro (PL), com a “terrível” gestão da pandemia de Covid-19 e com o “aumento da pobreza e das desigualdades”.

O nosso desejo é de regresso à normalidade democrática, que só pode acontecer com a vitória do Lula

Em entrevista a CartaCapital, logo após o encontro, Marques relatou detalhes da conversa. A defesa à democracia e a retomada da normalização das relações diplomáticas entre o Brasil e a Europa, segundo ele, foram os grandes temas.

Marques, que também é membro do Partido Socialista de Portugal, também compartilhou com a suas  impressões do debate entre presidenciáveis, transmitido no domingo 28 pela Band.

Confira, a seguir, os destaques da entrevista.

CartaCapital: Como foi o encontro com Lula?

Pedro Marques: O encontro foi dominado por duas questões. Uma é a defesa da democracia no Brasil. Somos profundamente democratas e não aceitamos outra coisa, nem imaginamos outra coisa no Brasil.

Pudemos constatar, nesses dias aqui em São Paulo, que a sociedade civil tem uma boa percepção de uma verdadeira ameaça à democracia nos últimos quatro anos. O nosso desejo é de regresso à normalidade democrática, que só pode acontecer com a vitória do Lula, porque vemos continuamente as ameaças ao sistema judicial e à liberdade de imprensa por parte do presidente Bolsonaro.

Uma segunda parte muito importante da nossa reunião foi a relação entre o Brasil e a Europa. Nós somos deputados europeus, como você sabe, e convidamos o ex-presidente Lula para estar conosco na Europa no último mês de novembro, onde ele teve uma missão na Espanha e na França.

Desejamos que, com uma mudança no Brasil, possam terminar esses quatro anos de interrupção das relações diplomáticas normais entre a Europa e a América do Sul, em particular com o Brasil. Já houve mudanças muito importantes no Chile e na Colômbia, onde a extrema direita foi derrotada. O Brasil vai ser muito importante para as normalizações da América do Sul com a Europa.

Claro, já foi lançado o convite para que, depois da eleição, como presidente do Brasil, Lula volte ao Parlamento Europeu para discursar.

Encontro ocorreu em São Paulo, um dia após debate entre presidenciáveis. Foto: Reprodução

CC: A recepção calorosa a Lula à Europa, no fim do ano passado,  é sinal de que os representantes políticos do continente torcem pela vitória dele?

PM: Os presidentes não podem tomar partido em uma eleição desta natureza, mas foi muito importante o sinal dado pelo presidente Emmanuel Macron, ao receber Lula com honras de Estado, além do encontro com Olaf Scholz e Pedro Sánchez e da forma como ele foi recebido no Parlamento Europeu.

O que posso dizer é que, obviamente, as instituições não se metem nas eleições do Brasil, mas temos noção de que houve uma interrupção da normalidade democrática. Queremos o Brasil plenamente inserido na diplomacia internacional, e para isso, de fato tem que haver uma mudança para que deixe de estar isolado.

Nossas relações econômicas e diplomáticas esfriariam muito se Bolsonaro tentasse algum tipo de golpe

CC: Caso Bolsonaro avance com a possibilidade de um golpe, como a Europa e a comunidade internacional podem contribuir para garantir o cumprimento da democracia no Brasil?

PM: Nem sequer queremos pensar que essa hipótese vá ser implantada pelo presidente Bolsonaro. Para nós, seria de uma gravidade muito grande. A Europa não ficaria parada, de braços cruzados, se houvesse esse tipo de tentativa, evidentemente. E as nossas relações econômicas e diplomáticas esfriariam muito se Bolsonaro tentasse algum tipo de golpe de Estado.

Há muitas situações que podem ser colocadas, mas têm a ver com o isolamento diplomático, com o isolamento econômico. Ora, quando estamos a falar de reforço das relações comerciais e diplomáticas, isso iria em um sentido contrário. Agora, um isolamento econômico do Brasil é algo que nós não queremos que aconteça. Acho que esse cenário tem que estar completamente afastado.

O Brasil tem tradições democráticas fortes, e nós acreditamos que as eleições livres têm que ir até o fim. Um milhão de cidadãos já subscreveram uma carta pela democracia e em defesa das instituições. O Tribunal Superior Eleitoral tem sido muito claro ao dar todos os sinais de validade do sistema político e de voto.

CC: Como a população europeia têm visto a figura de Bolsonaro?

PM: O negacionismo científico do presidente Bolsonaro e do governo brasileiro causou atrasos na vacinação, e brasileiros dizem que muitos morreram a mais por essa causa. Depois dos ataques à imprensa e ao sistema judicial, isso também foi muito mal visto na Europa. Temos Viktor Órban e demais líderes da extrema direita que também fazem esses ataques à democracia, e a esmagadora maioria dos europeus condena essa atitude política de Bolsonaro. Nós não queremos no mundo que outros como Trump, como Órban, continuem no poder.

CC: Qual a percepção que o senhor teve do debate presidencial de domingo?

PM: Claro que a minha opinião é de um europeu, mas de um europeu que acompanha a situação política brasileira. Acho que o que se destacou mais no debate foi uma certa arrogância, o ataque à imprensa e a misoginia por parte do presidente Bolsonaro. O presidente Lula fez o seu trabalho e apresentou aquilo que é histórico e que os brasileiros conhecem bem: o seu trabalho no combate à pobreza e na recuperação da economia do Brasil. Esse patrimônio pode ser a base da confiança que os brasileiros venham a ter em seu trabalho futuro. E ele também disse que não fará igual, que vai procurar mais parcerias internacionais e ajudar a construir um mundo diferente.

CC: Como o senhor vê as críticas de Bolsonaro às relações de Lula com países como Cuba e Nicarágua?

PM: Eu também tenho ideia de que o próprio presidente Bolsonaro construiu alianças com gente muito antidemocrática. Trump era o seu grande ídolo, e o que fez nos Estados Unidos foi o ataque ao Capitólio. Essas são as referências de Jair Bolsonaro. Eu não conheço alianças concretas de Lula com esses países. O que sei é que ele, sendo um democrata, certamente defende a democracia em todos os países, e certamente os países da América Latina. Não consigo dizer mais do que isso porque já vai para o campo do debate entre os dois candidatos. A esta altura, é normal que haja essa tentativa.

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