Política
A discórdia entre PT e PSB em SP pode atrasar o anúncio da chapa Lula-Alckmin
Se a federação não vingar, problemas sanados em outros estados podem voltar à tona


Durante um encontro na noite da sexta-feira 11, Lula e Geraldo Alckmin avançaram nas negociações e definiram o mês de março como o momento ideal para o anúncio de que o ex-governador tucano será, de fato, o vice do líder petista na corrida presidencial. A militância do PT parece conformada com a decisão do seu presidente de honra, tanto que se antecipou ao anúncio formal da chapa e já compartilha nas redes sociais um santinho com a foto dos dois candidatos, lado a lado. Persistem, porém, as incertezas em relação à aliança com o PSB, provável destino de Alckmin.
Reconhecida como constitucional pelo STF, a federação partidária tornou-se motivo de desavença entre PSB e PT, legendas que, desde o fim do ano passado, buscam a formação de uma frente política, juntamente com o PCdoB e o PV. O principal obstáculo é a discordância em relação à disputa em São Paulo. O ex-governador Márcio França, do PSB, reivindica apoio na disputa pelo Palácio dos Bandeirantes, mas o petista Fernando Haddad, ex-prefeito da capital, encontra-se mais bem colocado nas pesquisas e o PT não abre mão de tentar conquistar o estado mais rico e populoso do País.
O PSB sonha com a volta de Márcio França ao governo e o PT não abre mão de disputar o estado mais rico do País
As duas siglas brigam, ainda, pelo comando da federação e antevê problemas nas alianças para as eleições municipais de 2024. O acirramento chegou a tal nível que não será surpresa se o pretenso bloco federado implodir antes mesmo de ser consumado. Nos bastidores, Lula não esconde a insatisfação com as exigências colocadas pelo PSB, embora seja um dos mais interessados no “casamento”, considerando o desejo de contar, em um eventual terceiro mandato presidencial, com uma sólida base na Câmara.
O diretório nacional do PT reuniu-se, na segunda-feira 14, para avaliar o andamento das conversas em torno da federação, e boa parte dos presentes classificou como descabidas e inaceitáveis as exigências do PSB. A rejeição maior foi em relação a três pontos: vetos de candidaturas, computar a quantidade de prefeitos e vereadores de cada partido para definir a divisão dos cargos diretivos no bloco e a imposição de candidaturas natas em 2024, para quem já está no exercício do mandato. “Nem o PT aceita internamente candidatura nata. O prefeito pode ser bem ou mal avaliado, e qualquer militante, desde que preencha os requisitos, pode pleitear uma prévia”, destaca o deputado federal Rui Falcão, integrante da Executiva Nacional.
Na composição dos cargos, o PT defende a proporcionalidade com base na bancada federal de cada partido. Nesse caso, ficaria com 27 dos 50 cargos, o PSB com 15, o PV e o PCdoB com 4, cada um. Se for considerado o número de prefeitos e vereadores, o PSB teria a maioria. Antes de a temperatura esquentar, tinha sido acordado que as decisões precisariam ter dois terços dos federados e que haveria um rodízio das siglas na coordenação geral. Com as novas exigências do PSB, as negociações voltam à fase inicial.
Campanha. Nas redes, já circula um santinho da dupla
O PSB acusa o PT de pretender ter o controle hegemônico do bloco. Em resposta, petistas alegam que o partido não vai se apequenar para satisfazer as outras legendas. O deputado federal José Guimarães, um dos integrantes da comissão criada pelo PT para negociar, admite haver dificuldades para se chegar a um acordo, mas considera precipitado falar que a federação está inviabilizada. “As cartas estão na mesa. Não é fácil construir um consenso. Mas, se não der, não deu. Não tem nada de anormal nisso.”
No imbróglio da disputa em São Paulo, Lula considera que, pela primeira vez, o PT tem a chance de governar o maior estado do País e, portanto, não abre mão da candidatura de Haddad. Em entrevista ao site de CartaCapital, França avalia, porém, ter mais chance de ganhar, devido ao sentimento antipetista que persiste em parcela significativa do eleitorado paulista. Ele rememora o pleito de 2018, quando obteve 10 milhões de votos para governador, perdendo para João Doria, do PSDB, por uma diferença de 2%, enquanto Haddad teve a preferência de 7 milhões de eleitores paulistas na disputa presidencial, 3 milhões a menos. “Se a prioridade é a eleição de Lula, o ideal é ter alguém que amplie para buscar um eleitor não petista.”
O ex-governador diz, porém, estar disposto a buscar um acordo e propôs uma pesquisa em maio ou junho para aferir as intenções de voto de cada um. “Quem estiver na frente é o candidato”, garante. Se depender de Haddad, atual líder nas pesquisas, o arco de alianças estará definido bem antes, até meados de março. O petista avalia ser preciso se antecipar ao prazo da janela partidária (1º de abril) para atrair parlamentares em troca de partido.
Haddad lidera as pesquisas. França evoca o antipetismo para dizer que tem mais chances no segundo turno
Se França evoca o antipetismo para reforçar seu nome, os petistas lembram do perfil de centro-direita dele. Citam, por exemplo, a campanha de 2018, quanto França tentou se descolar da campanha presidencial de Haddad, porque João Doria o acusava de ser o “candidato de Lula”. Além disso, alguns parlamentares do PSB têm cargos na administração Doria e o deputado estadual Vinícius Camarinha é líder do governo na Assembleia Legislativa. Diante da guerra entre as duas legendas, Alckmin foi acionado para tentar apagar o incêndio. Após o jantar da sexta-feira 11, realizado na casa de Haddad, o ex-tucano reuniu-se com o presidente nacional do PV, José Luiz Pena, e pediu para que ele intervenha no sentido de selar a paz. No encontro, Pena convidou Alckmin a se filiar ao PV, mais uma alternativa para o ex-tucano, também assediado pelo PSD e pelo Solidariedade.
Se a federação não vingar, problemas sanados em outros estados podem voltar à tona. É possível que o PT volte a lançar candidatos onde tinha definido apoio ao PSB, como Pernambuco e Espírito Santo. No primeiro caso, os petistas abriram mão de lançar Humberto Costa para governador, líder nas pesquisas, em prol do deputado pessebista Danilo Cabral. A ala do PSB pernambucano seria a mais intransigente em relação às exigências para federar com o PT, em particular o prefeito do Recife, João Campos. Ele é candidato natural do partido à reeleição em 2024 e protagonizou, em 2018, uma fratricida disputa com a petista (e prima) Marília Arraes, do PT. Além disso, pretende lançar a deputada federal Tabata Amaral, sua namorada, na disputa pela prefeitura de São Paulo daqui a dois anos. Recém-filiada ao PSB, Amaral deu várias demonstrações de resistência em se coligar com o PT e subir no palanque com Lula. Procurado pela reportagem, João Campos não retornou o contato, assim como Carlos Siqueira, presidente do PSB.
Em relação ao Espírito Santo, a temperatura esquentou depois que o governador, Renato Casagrande, recebeu, no sábado 12, a visita do ex-juiz Sergio Moro, candidato à Presidência pelo Podemos. “Para nós, Moro não é um adversário comum. É aquele juiz venal, que manipulou sentenças, ajudou a eleger Bolsonaro e condenou injustamente Lula. Não faz o menor sentido que o PSB autorize esse tipo de iniciativa”, critica Rui Falcão. “É preciso que os comportamentos estejam em sintonia com a federação”, completa José Guimarães. O PT carrega na manga o nome de Fabiano Contarato, recém-filiado ao partido, para disputar o governo do Espírito Santo.
Acordo. Haddad quer uma definição até março. França aposta nas pesquisas de maio – Imagem: Redes sociais
Em recente entrevista à Folha de S.Paulo, Casagrande acusou os petistas de serem “arrogantes” e “guardiões de pureza ideológica”. Disse ainda que é cedo para declarar apoio a candidaturas presidenciais. A movimentação do governador capixaba motivou o PT a cobrar dos partidos que estão dispostos a federar o apoio formal ao nome de Lula. Os petistas devem procurar também o PSOL e a Rede para que as siglas façam o mesmo, embora eles não estejam na mesma federação que os petistas querem montar.
“Todos temem a hegemonia do PT. O PSB está barganhando, forçando a barra um pouco para tentar diminuir o tamanho do PT. Mas os socialistas não têm outra saída, pois correm o risco de ficar sozinhos”, comenta, em reserva, uma liderança do PV que acompanha de perto as negociações. “No final, devem ceder em São Paulo e Márcio França será candidato a senador. Se Alckmin for vice pelo PSB, o partido sairá grande também.” •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1196 DE CARTACAPITAL, EM 23 DE FEVEREIRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Noivo neurótico, noiva nervosa”
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