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A boia do almirante

Apesar do rolo das joias sauditas, Bento Albuquerque tenta emplacar aliados na equipe do Ministério de Minas e Energia e na Petrobras

Tormenta. Em depoimento à Polícia Federal, Albuquerque mudou a versão sobre os adornos árabes. O escândalo não impede Silveira de acatar as sugestões do militar – Imagem: Geraldo Magela/Ag. Senado, Miguel Schincariol/AFP e Marcelo Camargo/ABR
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Jair e Michelle Bolsonaro estão juntos de novo, após um mês e meio. Na terça-feira 14, a ­ex-primeira-dama viajou aos Estados Unidos para comemorar os aniversários de ambos (dele dia 21, dela dia 22) e por que não faria mal combinar os depoimentos à Polícia Federal quando forem convocados a explicar o escândalo das joias sauditas. Bolsonaro tem de devolver os “presentes” que levou consigo no fim do mandato, pois são do Brasil, não dele, conforme determinou o Tribunal de Contas da União, órgão auxiliar do Congresso, na quarta-feira 15.

No dia da viagem de Michelle, quem depôs à PF foi o militar responsável por trazer a muamba das Arábias. À polícia, o almirante Bento Albuquerque mudou a versão dada a fiscais da Receita Federal em 26 de outubro de 2021 e ao jornal O Estado de S. Paulo em 3 de março: desconhecia, disse desta feita, o conteúdo dos pacotes recebidos de autoridades sauditas, mas, o que quer que fosse, era presente de governo para governo, nada pessoal para o ex-chefe e senhora. Além de muambeiro e contador de casos, o almirante também seria lobista, com influência no Ministério de Minas e Energia, que ele próprio chefiou por mais de três anos durante o mandato de Bolsonaro? São desconfianças em Brasília, em meio a uma guerra no governo por cargos em áreas que decidem os preços (e os negócios) da gasolina, dos alimentos e da luz. Um enredo a opor o PT de Lula ao PSD de Rodrigo Pacheco, presidente do Senado.

O Palácio do Planalto vetou a indicação de um subordinado do militar para o cargo de secretário-executivo da pasta

Em novembro passado, Albuquerque tornou-se conselheiro de uma empreiteira com interesses no setor elétrico, a Odebrecht (após o nome sujo na Operação Lava Jato, ela apresenta-se como OEC ou Novonor). Consta que à época o almirante também abrira uma consultoria em sociedade com um dos filhos. Em 2 de janeiro, o almirante compareceu à posse do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, ex-senador pelo PSD mineiro. Três dias depois, a dupla encontrou-se na posse do comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen. Além desses dois encontros fugazes, Albuquerque diz por aí ter sentado para conversar com calma com o ministro, reunião sobre a qual o ex-senador silencia (a assessoria de imprensa não nega nem confirma). Fato: depois dos contatos com o militar, Silveira resolveu nomear como seu secretário-executivo um ex-colaborador de Albuquerque no ministério. Bruno Eustáquio de Carvalho foi secretário-executivo-adjunto do almirante e hoje integra o conselho de administração da Santo Antônio Energia, que controla a hidrelétrica de mesmo nome em Rondônia e faz parte do portfólio da ex-Odebrecht. A usina nasceu de um consórcio entre Furnas, que pertence à Eletrobras, a OEC e sócios minoritários. A privatização da Eletrobras, em junho de 2022, quase melou, em razão de uma briga entre os acionistas da Santo Antônio. O motivo era a cobrança de 1,4 bilhão de reais pelas empreiteiras que construíram a usina. Eis o desfecho: Furnas (ou seja, o governo) aceitou injetar 1,5 bilhão de reais na hidrelétrica, montante a ser dividido entre a OEC e outra construtora. Em janeiro de 2022, Carvalho era do conselho de administração da Eletrobras, indicado pelo Executivo, e sugeriu que os compradores da elétrica poderiam pagar parte do negócio com 2,5 bilhões em precatórios, espécie de moeda podre. A sugestão está registrada em ata. Qual interesse o subordinado de Albuquerque defendia: público ou privado?

O nome de Carvalho para vice de Silveira foi barrado no Palácio do Planalto, após ponderações da Casa Civil e da Secretaria de Relações Institucionais, ambas comandadas por petistas (Rui Costa e Alexandre Padilha, respectivamente). O ex-secretário é visto como alguém que representaria um conflito de interesses. No Planalto, há quem diga que o segundo de Silveira será o advogado Efrain Pereira da Cruz, ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica. A definição dos cargos no setor elétrico tem dado dor de cabeça ao governo, por conta da infiltração bolsonarista (Albuquerque tem apadrinhados em vários órgãos) e de poderosos interesses privados, não só na Eletrobras. Em Itaipu, o conselho de administração tem, além de Albuquerque, o seu sucessor na pasta de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, e a mulher de Ricardo Barros, ex-líder de Bolsonaro na Câmara. Só na quinta-feira 16 Lula conseguiu nomear como presidente da empresa o ex-deputado petista Ênio Verri.

O almirante da muamba tem um plano B para o vice de Silveira, caso Carvalho fique pelo caminho. Trata-se de Marisete Dadald, que ocupou o mesmo posto com Albuquerque e foi chefe de Carvalho). Dadald teria participado da reunião do militar com o ministro. Além disso, participa do conselho de administração da Eletrobras. Na ex-estatal, comenta-se que coube a ela montar um “conselho anti-Lula” após a privatização. O colegiado está repleto de porta-vozes do sistema financeiro, que hoje dá as cartas na empresa, embora o governo ainda seja o maior acionista individual. O conselho tem dois indicados da gestão Bolsonaro: Marcelo Siqueira de Freitas, ex-assessor especial de Paulo Guedes no Ministério da Economia, e a própria Dadald. Os mandatos vão até 2025 e há restrições para Lula indicar novos integrantes na reunião dos acionistas de abril próximo.

Amor e amizades. Bolsonaro e Michelle reencontraram-se na Flórida. Carvalho e Mendes são outras crias do almirante Albuquerque – Imagem: Marcello Casal Jr./ABR, Cléia Viana/Ag.Câmara e Alan Santos/PR

Lula, recorde-se, considera a privatização da Eletrobras uma “bandidagem”, por causa de duas regras da lei destinadas a evitar que o governo reestatize (se quiser comprar ações, terá de pagar ágio de 200%) e tenha voz ativa na companhia (possui 40% das ações, mas só 10% dos votos). Em fevereiro, o presidente declarou que a Advocacia-Geral da União recorrerá à Justiça. É possível que a AGU aja antes da assembleia-geral de acionistas em 27 de abril. Para o mesmo dia está marcada uma assembleia da Petrobras, outro terreno em que há disputas no governo e suspeitas de lobby de Albuquerque. A assembleia decidirá sobre a distribuição de dividendos e a nova composição do conselho de administração. No fim de fevereiro, Silveira indicou oito nomes para o conselho, que possui 11 assentos (seis são cativos do governo, dois são de acionistas minoritários, um é dos funcionários e outros dois são disputados no voto ou por acordo). O escolhido do ministro para comandar o conselho é outra cria do almirante, Pietro Adamo Mendes, ex-diretor de biocombustíveis e secretário-adjunto de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis quando Albuquerque era ministro. Deixou a pasta logo após a saída do militar, em junho de 2022. E voltou com Silveira para a mesma secretaria, agora como chefe, não adjunto.

A lista com os indicados deixou os petroleiros de cabelos em pé. A FUP, federação única da categoria, apontou problema em quatro nomes. Além de Mendes, os sindicalistas criticaram Carlos Eduardo Turchetto Santos, empresário mineiro do setor sucroalcooleiro, Vitor Eduardo de Almeida Saback, ex-assessor especial de Guedes, e Eugênio Tiago Chagas Cordeiro, antigo sócio do ex-senador mineiro Clésio Andrade, aquele do “mensalão tucano”. Para a FUP, com o quarteto no conselho, o governo não conseguiria aprovar o fim da política de preços atrelados ao dólar e às cotações internacionais do petróleo, o PPI. De pronto, o Executivo colocou na lista o economista Bruno Moretti, ex-assessor do PT no Senado e atualmente lotado na Casa Civil. A FUP achou pouco e procurou a presidente do partido, ­Gleisi Hoffmann, para se queixar e pedir uma audiência com Lula. No dia da queixa, 2 de março, a petista afirmou numa entrevista que Silveira não podia botar na Petrobras quem seja contra o que Lula dizia na campanha: “Estelionato não pode, não”.

PT e PSD disputam indicações na Petrobras e na Conab. Na Eletrobras, os bolsonaristas dominam

Um deputado do PT afirma que Lula não gostou da maneira como Gleisi falou publicamente do tema. E que o ministro Silveira não tinha força política para, sozinho, montar a lista. Quem teria dado aval, pergunta? Rui Costa, da Casa Civil? Jean Paul Prates, o presidente da Petrobras, não foi, prossegue o parlamentar, pois ficou contrariado com as indicações. Dúvidas à parte, o coordenador da FUP, Deyvid Bacelar, que concorreu a deputado pelo PT da Bahia, conversou por telefone com Costa, ex-governador baiano, e com Lula. Agora tenta ser recebido por Silveira em algum momento entre os dias 21 e 23. “Compreendemos que o presidente tem um governo de coalizão, mas alertamos que a primeira lista para o conselho da Petrobras era uma ameaça às promessas de campanha, ao programa de governo”, diz Bacelar.

Depois da reclamação da FUP, o governo teve de mudar um dos indicados. Turchetto sentiu a pressão, desistiu da tarefa e foi trocado por Efrain Pereira da Cruz, aquele cotado para vice-ministro de Minas e Energia. Na quarta-feira 15, o governo anunciou mais três nomes, complementares aos oito de antes. Comenta-se na Petrobras que dois integrantes da lista original serão vetados por aquele comitê da empresa que avalia se os indicados preenchem os requisitos previstos na Lei das Estatais e nos estatutos internos. Os três nomes complementares seriam um plano B, para o caso de o veto se confirmar. Um dos barrados seria Pietro Mendes. A disputa pelo controle do conselho da Petrobras mostra a posição delicada do governo na estatal. “A composição acionária está por um fio”, diz Rosangela Buzanelli Torres, representante dos petroleiros no conselho. O governo possui 50,2% das ações com direito a voto. Os estrangeiros, 41,5% e os investidores brasileiros, 8,1%.

Os embates de Silveira levaram seu partido a realizar no Senado, na terça-feira 14, uma espécie de ato de desagravo. O PSD é a maior bancada e, também, a legenda de Pacheco, padrinho do titular de Minas e Energia. Da reunião participaram os outros dois ministros da sigla: o da Agricultura, Carlos Fávaro, senador, e o da Pesca, André de Paula, ­deputado. No encontro, o PSD decidiu lutar para conquistar, no voto, o controle da Conab, a Companhia Nacional de Abastecimento. A Conab é outro ponto de atrito entre PT e PSD em um conselho de administração herdado de Bolsonaro. Entende-se a cobiça pela empresa, com poder para baratear alimentos, por meio da compra e venda de estoques, política abandonada no governo passado.

Usucapião. Fávaro quer a Conab subordinada à Agricultura – Imagem: Guilherme Martimon/MAPA

Sob Bolsonaro, a Conab integrava o Ministério da Agricultura, ou seja, era dominada pelos ruralistas do pedaço, que não querem preços baixos. Lula transferiu a companhia para o Ministério do Desenvolvimento Agrário, cujas políticas beneficiam os pequenos produtores e é comandado pelo deputado petista Paulo Teixeira. Na primeira semana no cargo, Teixeira indicou à presidência da Conab um colega de legenda, Edegar Pretto, candidato derrotado ao governo gaúcho e filho de um falecido fundador do MST. Era preciso que o conselho de administração da estatal aprovasse a nomeação. Nada feito, pois o colegiado é dominado pelo agronegócio.

O PSD e a bancada ruralista ensaiam impor uma derrota ao governo no Congresso

Pretto perambulou por repartições e eventos públicos como um “sem-terra”. Um dos que lhe deram guarida foi o conterrâneo Paulo Pimenta, chefe da Comunicação Social de Lula. Na segunda-feira 13, o Partido Novo pediu à Procuradoria-Geral da União para investigar ­Pretto por usurpar o poder daquele que era o presidente de direito da Conab nomeado por Bolsonaro, Guilherme Ribeiro. Usurpar função pública é crime pelo artigo 328 do Código Penal e impõe penas de 3 a 24 meses de cadeia. No dia da ação, o governo usou o poder de acionista controlador da Conab, destituiu os integrantes do conselho, nomeou outros e estes elegeram um presidente interino, Silvio Porto, ex-dirigente da empresa nos governos anteriores de Lula. Teixeira não desistiu de ­Pretto. O ministro disse a ­CartaCapital que o correligionário ainda assumirá a Conab. ­Pimenta, por sua vez, afirma à mídia que a estatal mudaria os estatutos para afastar qualquer restrição à nomeação.

A eventual mudança estatutária não liquida a fatura. Não só o PSD pretende devolver a Conab à pasta da Agricultura. A retomada da companhia é uma das promessas do novo líder da bancada ruralista, Pedro Lupion, deputado do PP do Paraná. O parlamentar, aliás, engajou-se na proposta de uma CPI do MST, apresentada por bolsonaristas após a ocupação de uma propriedade da Suzano na Bahia. ­Lupion havia feito chegar ao conterrâneo ­Zeca Dirceu, líder do PT na Câmara, que os fazendeiros não abrem mão da empresa. Em breve, o Congresso vai analisar a ­Medida Provisória sobre o assunto editada por Lula. Derrota à vista para o governo? •

Publicado na edição n° 1251 de CartaCapital, em 22 de março de 2023.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A boia do almirante ‘

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