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A bandeira de Lula

Derrotar o bolsonarismo em São Paulo é a prioridade do presidente, cabo eleitoral da chapa Boulos-Marta

A bandeira de Lula
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Diferenças. O presidente Lula faz questão de estar presente na campanha de Boulos e Marta. O prefeito Nunes aceita envergonhado o apoio de Bolsonaro – Imagem: Ricardo Stuckert e Paulo Guereta/Prefeitura de São Paulo
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O presidente Lula decolou de Vitória para São Paulo em 15 de dezembro, uma sexta-feira, para participar no dia seguinte de um ato público perto do estádio do Corinthians. O evento tiraria do papel um acordo de quase uma década. A especulação imobiliária surgida com os preparativos da Copa do Mundo de 2014 tinha levado 2,6 mil famílias do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto a ocupar um terreno nas cercanias do estádio. A então presidente Dilma Rousseff topara que na ocupação, batizada de Copa do Povo, fosse erguido um conjunto habitacional do programa Minha Casa Minha Vida. O negociador do MTST era Guilherme Boulos, hoje ­deputado federal. Na montagem do governo Lula, coube a Boulos indicar um militante do movimento, Guilherme Simões Pereira, para chefiar a Secretaria Nacional de Periferias, organizadora do ato de dezembro que anunciou 450 milhões de reais em verba federal para as obras.

Lula viajou à capital paulista também disposto a jantar com Marta Suplicy em 16 de dezembro. A ex-prefeita da cidade e ministra lulista no passado deixara o PT em 2015 brigada com Dilma. Votara a favor do impeachment no Senado em 2016. À época, perfilava no MDB, partido do prefeito de São Paulo, Ricardo ­Nunes, candidato à reeleição em outubro. “A Marta é a nossa única chance de vencer”, havia dito o presidente a um interlocutor, após o PT paulistano decidir, em agosto de 2023, apoiar Boulos, do PSOL, e designar um vice na chapa que enfrentará Nunes. Decisão que contou com um empurrão de Lula. Pela primeira vez, o PT não terá candidato próprio na cidade. Popular na periferia, Marta era secretária de Relações Internacionais de Nunes. Dias antes de Lula pousar em São Paulo em dezembro, o deputado petista Rui Falcão o informara que ela aceitava voltar ao PT, mas queria ser convidada. Falcão fora secretário de Marta na prefeitura e é ouvido pelo presidente. Lula e a ex-ministra combinaram o jantar. No menu, o convite. O encontro não ocorreu, no entanto.

Nos dias posteriores, Lula telefonou para Marta, e ela não atendeu: estava longe do aparelho. A ex-prefeita retornou depois e aí foi ele quem não atendeu: não carrega celular, recebeu o recado, mas não respondeu. O desencontro levantou cismas de parte a parte: alguém havia mudado de ideia? Um emissário entrou em campo, para desfazer as desconfianças. Ainda em dezembro, o presidente ligou para Marta e pediu que ela fosse ao ato em Brasília, em 8 de janeiro, em lembrança da tentativa de golpe bolsonarista. Seria a chance para o tête-à-tête. Marta concordou. Chegou à capital em 7 de janeiro. Na manhã seguinte, foi ao Palácio do Planalto com Falcão e o marido, o empresário Márcio Toledo. Na conversa, o presidente a convidou a voltar ao PT. A filiação deu-se em 2 de fevereiro, em um evento com Lula e Boulos.

A campanha será nacionalizada, para desgosto do prefeito Ricardo Nunes, candidato à reeleição

“A missão que nós temos em outubro é derrotar o bolsonarismo na maior cidade do País. E a Marta veio para construir essa frente, porque o desafio é grande”, discursou Boulos na ocasião. A futura companheira de chapa foi na mesma toada: “Vamos derrotar o bolsonarismo e seus representantes aqui na capital, de novo”. Em 23 de janeiro, Lula tinha dito coisa parecida a uma rádio da Bahia: “Na capital de São Paulo é uma coisa muito especial. Porque é uma confrontação direta entre o ex-presidente e o atual presidente. É entre eu e a figura”.

Lula está decidido a mergulhar na ­disputa na cidade (participará de comícios, propaganda eleitoral, essas coisas) como em nenhuma outra campanha neste ano. Dois motivos o movem. Um é o PT. A sigla chegou ao fundo do poço na eleição municipal anterior. Elegeu só 183 prefeitos (há 5,5 mil municípios no País), pior desempenho neste século. No estado de São Paulo, possui quatro de 654. Além disso, o partido estar na chapa vencedora na maior cidade ofuscaria, do ponto de vista político, eventual má performance nas demais capitais. Os petistas não governam nenhuma e, hoje, têm chances ­reais em poucas, como Fortaleza, Natal e Teresina. O outro motivo de Lula é 2026. “São Paulo tem uma importância política muito grande, pelo peso da cidade. A eleição lá indica um sinal sobre a próxima eleição presidencial”, afirma Falcão.

Fosse um estado, a cidade de São Paulo teria o quinto maior eleitorado (9 milhões), atrás do estado homônimo (34 milhões), de Minas Gerais (16 milhões), do Rio de Janeiro (12 milhões) e da Bahia (11 milhões). Seu orçamento, 111 bilhões de reais neste ano, é o terceiro maior (perde do federal, de 5,5 trilhões, e do paulista, de 328 bilhões). Sua fatia no PIB é de 9%, a maior entre os municípios.

Satélites. Tabata Amaral sonha com uma quimera, Datena em sua chapa, para não ser coadjuvante. Salles é um espectro. O governador Freitas assiste à novela – Imagem: GOVSP, Lula Marques/Agência PT e Gilberto Marques

Falcão vê uma eleição difícil à frente, mesmo com Lula em cena, mas há razões para o otimismo da futura chapa. Ventos progressistas têm soprado na cidade. Na campanha municipal de 2020, ­Boulos alcançou 40% no segundo turno contra Bruno Covas, do PSDB. Sua votação no primeiro turno, aquela que ele pôde considerar obra pessoal (o PT tinha um concorrente, Jilmar Tatto, que terminou com 8%), foi de 1 milhão, semelhante àquela obtida como deputado paulista mais votado dois anos depois. Em 2022, Lula ganhou de Bolsonaro na cidade em ambos os turnos (53% no segundo). O PT não triunfava numa corrida presidencial desde 2002, com o próprio Lula (Marta era a prefeita). O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também venceu nos dois turnos em 2022 ao concorrer a governador (teve 54%), embora no fim tenha sido batido pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas, do Republicanos.

A eleição de 2022 desenhou a aliança PT-PSOL de agora. Boulos era pré-candidato a governador e rivalizaria com ­Haddad pelo voto à esquerda. Por insistência de Lula e do agora ministro da Fazenda, desistiu para apoiar o petista, em troca da promessa de que o partido estaria a seu lado na sucessão de Nunes. A parceria fez o deputado bancar a nomeação de outro quadro do PSOL, a deputada Sonia Guajajara, para o Ministério dos Povos Indígenas. Uma ala da legenda era contra ocupar cargos em Brasília. Tentou tomar o controle da sigla em outubro de 2023, na eleição interna, mas perdeu para as correntes de Boulos e do então presidente, Juliano Medeiros. Foi eleita para o lugar de Medeiros a historiadora ­Paula ­Coradi, coordenadora da campanha de Boulos a prefeito em 2020.

Coradi vê uma diferença entre 2020 e 2024: Boulos lidera as pesquisas de momento, 28% na média de três levantamentos divulgados em dezembro e janeiro. Nunes aparece em segundo, com 21%. A dianteira permite ao deputado ditar o rumo da campanha, segundo a psolista. O marqueteiro de Boulos será Lula Guimarães, aquele do slogan “João Trabalhador” inventado para João Doria na disputa vencida pelo tucano no município em 2016. O plano, dizem colaboradores do deputado, é fazer inicialmente uma campanha focada nos problemas da cidade, na falta de realizações de Nunes e nos casos de corrupção. Ao mesmo tempo, haverá um esforço para neutralizar ataques de que Boulos é “extremista” e não tem o que mostrar na carreira política. Para estas duas últimas tarefas, Marta é um trunfo. Não é uma radical e tem um legado administrativo na cidade.

O eleitorado paulistano rejeita Bolsonaro: 68% não votaria em um nome apoiado pelo ex-presidente

A grande aposta de Boulos será, porém, nacionalizar a campanha. Apresentar um duelo entre ele e Lula contra Nunes e Jair Bolsonaro. O ex-presidente é um “pepino” para o prefeito, daí este ter dito nos últimos dias que acha “covarde” nacionalizar a eleição. Nunes quer envergonhadamente o apoio do capitão. Segundo uma pesquisa Datafolha de agosto passado, 68% dos paulistanos rejeitavam votar em um candidato de Bolsonaro. Após o levantamento, Nunes, que flertava com o ex-presidente, foi a um debate em uma faculdade e, questionado pela plateia sobre ligações com ele, comentou: “Eu, do lado do Bolsonaro?” Mais: “Não tenho proximidade com o presidente Bolsonaro como não tenho com o presidente Lula”. Um dia depois, pregava publicamente a união da direita contra o que chamou de “a extrema-esquerda”, rótulo que tenta carimbar em Boulos.

O esforço do prefeito, comenta-se no MDB, tem sido manter o ex-presidente por perto, mas nem tanto, e ao mesmo tempo não o irritar, a ponto de Bolsonaro resolver lançar um aliado puro-sangue. Em 12 de dezembro, o capitão comentou em uma entrevista: “Salles prefeito”. Ricardo­ ­Salles, ex-ministro do Meio Ambiente e atual deputado pelo PL paulista, pretendia ser o bolsonarista desavergonhado na eleição. A declaração a favor de Salles levou Nunes a afirmar na semana seguinte: “Eu quero, é importante que tenha o apoio do presidente Bolsonaro. É fundamental o apoio do presidente Bolsonaro”.

Agora o ex-presidente considera ­Salles “página virada” e, nos últimos dias, indicou um nome para vice de Nunes. Trata-se de Ricardo de Mello Araújo, ex-chefe da Rota, tropa de elite da PM paulista, e ex-ocupante de cargo no governo do capitão. O martelo ainda não está batido. Pelo perfil, Araújo imprimiria um carimbo muito forte de “bolsonarista” na chapa de Nunes, algo que o prefeito tenta evitar. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, tem o poder de efetivar a designação. Consta que ainda há chance de uma delegada, Raquel Gallinati, ser a escolhida. O marqueteiro do PL, ­Duda Lima, que trabalhou para a frustrada reeleição de Bolsonaro, deverá assessorar Nunes. Terá uma missão complicada.

*Fonte: Média dos levantamentos Apex Partners, Atlas Intel e Paraná Pesquisas, feitos em dezembro

Nunes é impopular, embora sua situação já tenha sido pior. Em uma pesquisa de janeiro do Ipec, o ex-Ibope, só 17% dos paulistanos achavam sua gestão ótima ou boa. Para 42%, era regular e para 38%, ruim ou péssima. Em 2021 e 2022, o índice negativo estava em 45% e o positivo, em torno de 10%. Colaboradores emedebistas da pré-campanha de Nunes reconhecem sua fragilidade eleitoral. O prefeito chegou ao cargo não pelo voto, mas por uma fatalidade: a morte de Bruno Covas, de quem era vice, cinco meses após a posse, em 2021. No MDB, aposta-se, porém, que a campanha permitirá mostrar quem é Nunes e suas realizações. Citam, por exemplo, o fim das filas para matricular crianças em creches de 2020 em diante, a vacinação contra a ­Covid-19 em 2021 e a pavimentação de ruas.

Outro trunfo do prefeito seria o apoio da nata do dito “Centrão”. Além de ­Costa Neto, do PL, a canoa de Nunes conta, por ora, com Gilberto Kassab, vice-governador paulista e cacique do PSD, ­Ciro ­Nogueira, senador pelo Piauí e chefe do PP, e Marcos Pereira, deputado e líder do Republicanos. A campanha do prefeito será coordenada pelo presidente do MDB, deputado Baleia Rossi. Caso a aliança se confirme, o prefeito terá uma ­enormidade de propaganda na tevê, muito dinheiro e uma penca de cabos eleitorais.

A disputa em São Paulo deve ter no páreo os deputados Tabata Amaral, do PSB, e Kim Kataguiri, do União Brasil. Candidatos a coadjuvantes, no entanto. Para o bem e para o mal, o que se desenha é um mano a mano indireto entre Lula e Bolsonaro. •

Publicado na edição n° 1297 de CartaCapital, em 14 de fevereiro de 2024.

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