

Opinião
Zanin no Supremo
A nomeação do advogado para a Corte representa um ganho para as instituições e para a sociedade


O Senado aprovou, após sabatina, a indicação, realizada pelo presidente Lula, de Cristiano Zanin para o cargo de ministro do Supremo Tribunal Federal. Zanin, inegavelmente, preenche com louvor os requisitos constitucionais para a investidura na condição de ministro da Corte Suprema. O notável saber jurídico e a reputação ilibada são cristalinos.
Defensor da democracia, dos direitos fundamentais e dos interesses nacionais, o causídico, demonstrando singular trajetória de dignificação da advocacia, atuou com brilho e venceu o caso mais relevante da história judicial brasileira. Em verdade, fez história com sua defesa. Para além de diversas violações aos direitos fundamentais, ao devido processo legal, ao princípio da imparcialidade da jurisdição e dos deveres impostos aos integrantes do Ministério Público, a vulgarmente conhecida Operação Lava Jato orquestrou, em detrimento da própria democracia, da estabilidade das nossas instituições e das empresas nacionais, um projeto de domínio político e de ascensão messiânica de agentes públicos. Ou seja, ao contrário de mero erro judicial, solipsismo, ativismo ou de qualquer manifestação de decisionismo voluntarista, a Lava Jato fulminou, por meio de táticas de estado de exceção, o próprio pacto civilizatório que se estabelece entre o Estado e os indivíduos.
Zanin foi invulgar no reconhecimento e desmantelamento de referidas táticas de exceção. Muito além da defesa de um direito individualmente considerado, atuou decisivamente para resguardar o nosso Estado Democrático de Direito.
Ademais, são absolutamente equivocadas as críticas no sentido de que o exercício da advocacia, em favor do presidente Lula, representaria obstáculo à nomeação como ministro do Supremo. Em qualquer circunstância, a figura do advogado jamais se confunde com aquela do cliente. O advogado não defende a pessoa do acusado, mas seus direitos.
A defesa dos direitos é uma das mais essenciais atividades para a democracia e para a vida civilizada. Por essa razão, a preservação da advocacia é essencial para a própria democracia constitucional. Elevar alguém à condição de advogado desse ou daquele cliente como critério de vedação à investidura como ministro do STF – prejudicando, em última instância, o País e a democracia – é impedir que a advocacia acesse o Supremo.
É preciso considerar ainda que os processos enfrentados pelo presidente Lula na Lava Jato não se enquadram como causas quaisquer, mas de processos penais de exceção, consoante nomenclatura que adotamos em nossos estudos nos últimos anos. As medidas de exceção contra Lula subverteram a nossa própria democracia constitucional. Como sabemos, os abusos cometidos na atividade de persecução política acabaram por afetar a democracia brasileira ao impedir o presidente Lula de participar do processo eleitoral do ano de 2018, abrindo caminho para o deletério bolsonarismo.
Por todas essas razões, não nos deparamos com um caso qualquer na nossa história. Se não foi o mais relevante, é um dos mais importantes casos da justiça penal de toda a nossa história. A defesa realizada nesse contexto não pode ser caracterizada como vulgar. Em verdade, foi uma defesa épica, histórica, diante de uma situação na qual o juiz se portou de forma parcial e suspeita e, mais do que isso, produziu – travestidas de processo penal – nefastas medidas de exceção.
Além das referidas características, demandou-se, por parte da defesa, um grande enfrentamento com relação à mídia, que tentou formar a culpa do presidente Lula, cabendo aos seus defensores invulgar coragem diante da intensa crítica, inclusive com repercussões em suas vidas pessoais. Demonstrou-se, assim, características que devem fazer parte do perfil de um ministro do STF.
De todo modo, o mais relevante é que o exercício da advocacia não pode implicar qualquer restrição à possibilidade de investidura ao Supremo. Não há nada de antiético na indicação de qualquer advogado que tenha prestado serviços ao presidente da República, em especial um advogado que tenha atuado em caso de singular relevância.
Querer impedir o advogado de exercer função no Supremo por conta de caso que atuou representa um ataque à advocacia, uma das mais relevantes instituições privadas da democracia. E atacar a advocacia é atacar a democracia constitucional.
Nesses termos, a investidura de Zanin representa, decisivamente, um ganho para as nossas instituições e para a nossa sociedade. O guardião da Constituição, seguramente, seguirá no cumprimento de suas relevantes missões constitucionais através de integrantes que a dignificam. •
Publicado na edição n° 1266 de CartaCapital, em 05 de julho de 2023.
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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