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Zanin e as circunstâncias

A indicação do advogado ao STF vem prenhe da contradição dos nossos tempos

ADVOGADO CRISTIANO ZANIN MARTINS. FOTO: SYLVIO SIRANGELO/AFP
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A confirmação de Cristiano ­Zanin para o STF reacende o debate acerca das relações entre política e Justiça. No Brasil, assim como em outros países latino-americanos, o processo de composição das cortes constitucionais é político, com marcada participação do presidente, responsável pela indicação daquele que virá a ser sabatinado pelo Legislativo. A relevância que a coalizão alcança, dada a peculiaridade do presidencialismo tupiniquim, é, porém, só comparável com a importância do próprio processo, considerando o enorme impacto político da atuação do Supremo por estas bandas. Isso releva o quadro institucional complexo do processo de indicação de um ministro para o STF. O governo que se vire entre as suas preferências, as exigências da coalizão e a pressão da opinião pública, em um contexto de protagonismo e hiperexposição do tribunal e de seus magistrados.

O nome de Zanin emergiu, portanto, de um cenário de disputas sobrepostas em múltiplas arenas, que afeta as relações de poder intragoverno, entre os três poderes da República e, ainda, a relação do governo com a opinião pública. Intramuros (de aliados e sua base), Lula enfrentou a pressão pela adoção de um critério de representatividade e diversidade (de gênero e raça). Por outro lado, a difícil relação com o Congresso tornou inafastável a consideração do critério de governabilidade. Lula precisa de aliados no Supremo, cujo desempenho pode selar o destino do governo (quiçá da democracia), a considerar-se a agenda à disposição da Corte, sem que seja necessário sequer projetar o que ainda virá a bater à porta. Não qualquer aliado, mas alguém que disponha do reconhecimento dos demais ministros, da expe­riência do trânsito no Supremo, como um ativo, para que se concretizem, de fato, as possibilidades de interações colegiadas positivas sob a perspectiva do governo.

Os critérios escolhidos pelos presidentes variam, portanto, de acordo com o contexto político, ainda que sob a base de alguns consensos. Os indicados devem possuir sólida formação jurídica e experiência profissional relevante, exibir conduta ética exemplar e reputação ilibada, mas isso ainda deixa uma larga margem de manobra. O próprio presidente Lula em mandatos anteriores privilegiou critérios de diversidade e representatividade em detrimento de considerações acerca da compatibilidade ideológica, partilha de valores públicos e percepções políticas comuns da realidade que dão conta das preocupações com a governabilidade. A avaliação do momento político atual deu, porém, força à construção da governabilidade.

As críticas a Zanin se traduzem em ­duas ordens de preocupações: com a independência judicial, relacionadas aos reclames sobre o suposto viés ideológico do indicado, e com a qualidade do desempenho do tribunal, vinculadas ao atributo da expertise, que muitos veem faltar. Zanin é conhecido como advogado e defensor de políticos e figuras públicas com tendências políticas específicas. Tornou-se figura pública destacada na defesa do presidente Lula na Lava Jato, o que, segundo críticos, ampliaria as chances de enviesamento ideológico em suas decisões como ministro, comprometendo a imparcialidade e a objetividade do tribunal. Paradoxalmente, embora seja um advogado conhecido e tenha atuado em casos de destaque, há quem aponte para sua falta de experiência e qualificação jurídicas em comparação com outros candidatos à vaga.

De fato, os ministros tendem a ser ­leais aos presidentes que os indicaram, especialmente quando há um alinhamento ideológico entre eles, de modo que se pode esperar que Zanin esteja mais inclinado a apoiar a agenda e as preferências políticas defendidas pelo governo do presidente que o nomeou, impactando o desempenho da Corte. Para além de todas as prerrogativas constitucionais de que gozam os magistrados e os tribunais em respeito ao princípio da independência judicial, dois aspectos, ao menos, relacionados à própria dinâmica política associada ao comportamento decisório dos ministros, afastam o risco de cooptação do tribunal pelo presidente. Em primeiro lugar, as preferências e posicionamentos políticos dos ministros evoluem ao longo do tempo, à medida que adquirem experiência, envolvendo-se na política da própria Corte, possibilitando um distanciamento das tendências do presidente que os nomeou. Ademais, e mesmo que se considere o fato de que, no STF, cada ministro, individualmente, retém muito poder decisório, é importante destacar a dimensão colegiada da Corte, cujo desempenho resulta da atuação de um conjunto de ministros com visões de mundo e posições políticas diversas e heterogêneas.

A Lava Jato, contudo, nos alerta para o fato de que a politização do Judiciário não é uma estratégia política sustentável no médio prazo. É pela política que se vai dar a reconstrução da democracia e de uma agenda emancipatória no País. A indicação de Zanin vem prenhe da contradição dos nossos tempos. •

Publicado na edição n° 1263 de CartaCapital, em 14 de junho de 2023.

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