Justiça
Zanin e as circunstâncias
A indicação do advogado ao STF vem prenhe da contradição dos nossos tempos
A confirmação de Cristiano Zanin para o STF reacende o debate acerca das relações entre política e Justiça. No Brasil, assim como em outros países latino-americanos, o processo de composição das cortes constitucionais é político, com marcada participação do presidente, responsável pela indicação daquele que virá a ser sabatinado pelo Legislativo. A relevância que a coalizão alcança, dada a peculiaridade do presidencialismo tupiniquim, é, porém, só comparável com a importância do próprio processo, considerando o enorme impacto político da atuação do Supremo por estas bandas. Isso releva o quadro institucional complexo do processo de indicação de um ministro para o STF. O governo que se vire entre as suas preferências, as exigências da coalizão e a pressão da opinião pública, em um contexto de protagonismo e hiperexposição do tribunal e de seus magistrados.
O nome de Zanin emergiu, portanto, de um cenário de disputas sobrepostas em múltiplas arenas, que afeta as relações de poder intragoverno, entre os três poderes da República e, ainda, a relação do governo com a opinião pública. Intramuros (de aliados e sua base), Lula enfrentou a pressão pela adoção de um critério de representatividade e diversidade (de gênero e raça). Por outro lado, a difícil relação com o Congresso tornou inafastável a consideração do critério de governabilidade. Lula precisa de aliados no Supremo, cujo desempenho pode selar o destino do governo (quiçá da democracia), a considerar-se a agenda à disposição da Corte, sem que seja necessário sequer projetar o que ainda virá a bater à porta. Não qualquer aliado, mas alguém que disponha do reconhecimento dos demais ministros, da experiência do trânsito no Supremo, como um ativo, para que se concretizem, de fato, as possibilidades de interações colegiadas positivas sob a perspectiva do governo.
Os critérios escolhidos pelos presidentes variam, portanto, de acordo com o contexto político, ainda que sob a base de alguns consensos. Os indicados devem possuir sólida formação jurídica e experiência profissional relevante, exibir conduta ética exemplar e reputação ilibada, mas isso ainda deixa uma larga margem de manobra. O próprio presidente Lula em mandatos anteriores privilegiou critérios de diversidade e representatividade em detrimento de considerações acerca da compatibilidade ideológica, partilha de valores públicos e percepções políticas comuns da realidade que dão conta das preocupações com a governabilidade. A avaliação do momento político atual deu, porém, força à construção da governabilidade.
As críticas a Zanin se traduzem em duas ordens de preocupações: com a independência judicial, relacionadas aos reclames sobre o suposto viés ideológico do indicado, e com a qualidade do desempenho do tribunal, vinculadas ao atributo da expertise, que muitos veem faltar. Zanin é conhecido como advogado e defensor de políticos e figuras públicas com tendências políticas específicas. Tornou-se figura pública destacada na defesa do presidente Lula na Lava Jato, o que, segundo críticos, ampliaria as chances de enviesamento ideológico em suas decisões como ministro, comprometendo a imparcialidade e a objetividade do tribunal. Paradoxalmente, embora seja um advogado conhecido e tenha atuado em casos de destaque, há quem aponte para sua falta de experiência e qualificação jurídicas em comparação com outros candidatos à vaga.
De fato, os ministros tendem a ser leais aos presidentes que os indicaram, especialmente quando há um alinhamento ideológico entre eles, de modo que se pode esperar que Zanin esteja mais inclinado a apoiar a agenda e as preferências políticas defendidas pelo governo do presidente que o nomeou, impactando o desempenho da Corte. Para além de todas as prerrogativas constitucionais de que gozam os magistrados e os tribunais em respeito ao princípio da independência judicial, dois aspectos, ao menos, relacionados à própria dinâmica política associada ao comportamento decisório dos ministros, afastam o risco de cooptação do tribunal pelo presidente. Em primeiro lugar, as preferências e posicionamentos políticos dos ministros evoluem ao longo do tempo, à medida que adquirem experiência, envolvendo-se na política da própria Corte, possibilitando um distanciamento das tendências do presidente que os nomeou. Ademais, e mesmo que se considere o fato de que, no STF, cada ministro, individualmente, retém muito poder decisório, é importante destacar a dimensão colegiada da Corte, cujo desempenho resulta da atuação de um conjunto de ministros com visões de mundo e posições políticas diversas e heterogêneas.
A Lava Jato, contudo, nos alerta para o fato de que a politização do Judiciário não é uma estratégia política sustentável no médio prazo. É pela política que se vai dar a reconstrução da democracia e de uma agenda emancipatória no País. A indicação de Zanin vem prenhe da contradição dos nossos tempos. •
Publicado na edição n° 1263 de CartaCapital, em 14 de junho de 2023.
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