Chico Whitaker

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É arquiteto e ativista social, foi vereador em São Paulo pelo PT, secretário executivo da Comissão Brasileira Justiça e Paz, cofundador do Fórum Social Mundial, membro da Coalizão por um Brasil Livre de Usinas Nucleares, Premio Nobel Alternativo de 2006.

Opinião

Voto participativo, uma nova modalidade democrática

Temos de encontrar modos democráticos de enfrentar o flagelo da despolitização e da desinformação, para que aproveitadores não inflem maiorias oportunistas

Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
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Na primeira semana de outubro, os interessados nos destinos do País tiveram a boa notícia de que a minirreforma eleitoral, aprovada pela Câmara dos Deputados, não seria discutida pelo Senado a tempo de torná-la vigente nas próximas eleições municipais de 2024. Era o resultado da ação de várias organizações da sociedade civil e de uma frente parlamentar, contra “uma reforma eleitoreira de quem legisla em causa própria” – como foi classificada – e que, além disso, vinha carregada de retrocessos inaceitáveis.

Outro condicionante dessa ação vitoriosa foi menos noticiado: uma “petição” digital contra essa reforma, via plataforma Change.org, recebeu em 72 horas mais de mil assinaturas – 1.178 para ser exato – de cidadãs e cidadãos conscientes da necessidade de expressar sua oposição a desvirtuamentos do processo eleitoral, instrumento central da democracia. Uma tal rápida e consistente reação cívica ao que estava sendo proposto não foi decisiva para a derrota da minirreforma, mas sem dúvida teve um papel importante, como pressão cidadã sobre quem o decidiria no Senado.

Na verdade, o direito universal ao voto foi uma das grandes conquistas da democracia. Mas a direita há muito tempo sabe que boa parte do eleitorado é despolitizada e desinformada, sem consciência do seu imenso poder de escolher quem governe ou a represente na feitura das leis. Além disso, tem muitos preconceitos e acredita facilmente em mentiras.

Prova disso foram as eleições em que tecnologias modernas, de direcionamento de mensagens para pessoas passíveis de serem enganadas, deram a vitória ao Brexit, a Trump e a Bolsonaro. Nem falemos dos riscos que correrão em outubro os argentinos com o inesperado e inacreditável Milei, que ademais se apoia num perigoso descrédito da política. Mas é triste constatar como em 2022 foram aqui facilmente eleitos os mourões, moros, pazuelos, damares, salles e tarcisios da vida, sócios do desastre que vitimou o Brasil de 2018 a 2022.

Para evitar tudo isso não bastam desabafos como o dos espanhóis que gritavam “vocês não nos representam!” Nem se pode cogitar de soluções autoritárias, como se “bons tiranos” existissem. Temos que encontrar modos democráticos de enfrentar o flagelo da despolitização e da desinformação, para que aproveitadores não inflem, nos parlamentos, maiorias oportunistas que imponham seus interesses ao do atendimento das necessidades sociais. Assim como para impedir a já antiga prática da compra de votos, usada e abusada por políticos para quem será tanto melhor quanto mais gente necessitada existir.

É nessa perspectiva que o ocorrido com a minirreforma eleitoral mostra que existem também outras tecnologias modernas – como as chamadas “petições” pela internet – criadas sem intenções manipuladoras. Muitos consideram essas petições deseducadoras, porque não estimulam a reflexão, e dão às pessoas a possibilidade de somente apertar um botão para rapidamente escapar de pressões políticas e sociais., que as impedem de pensar somente no que de fato lhes interesse… Mas se forem articuladas com outras operações de informação e divulgação, como as necessárias em plebiscitos e referendos, podem levar a melhores resultados, além de ajudar na formação política de que sentimos falta. E criam o que poderíamos chamar de “voto participativo”.

Cada plebiscito ou referendo exige a explicação do que se quer ou não se quer com determinada política, e não somente a propaganda das qualidades e bondades de candidatos a representantes políticos. E a decisão a ser tomada é sobre algo que pode vir a ser lei, ou começar a ser concretamente feito pelo governo. Por exemplo, quantas barbaridades em São Paulo teriam sido evitadas se, para cada obra de valor elevado ou significativo impacto ambiental, tivessem sido feitos os plebiscitos autorizados há mais de 30 anos em um dos artigos na Lei Orgânica do Município, aliás nunca regulamentado nem pelos nossos vereadores nem pelos prefeitos (houve três ou quatro tentativas, mas grandes obras também podem propiciar grandes comissões, e não se sabe ao certo se foi por isso que nada se conseguiu).

Os suíços fazem plebiscitos quase semanais, do nível municipal ao federal. O país é conservador e nunca daria seu “sim” a novas medidas e práticas de vida como as que estão sendo exigidas para evitar o fim das condições de vida na Terra por força da ganância, do petróleo ou do nuclear… Mas, pelo menos, garantem melhorias nas condições de vida de suas maiorias, que aliás já vivem muito melhor até do que nossas pequenas classes médias…

Seria então muito oportuno “plebiscitar” o que o Senado for decidindo ao longo de 2024 e 2025, na elaboração em curso do Código Eleitoral de que precisamos, para entrar em vigor nas eleições de 2026. Não se trata de utilizar o processo de “consultas”, bem-intencionadas mas burocráticas e sem efeito vinculante, já feitas pelo Legislativo federal. Trata-se de começar a utilizar o “voto participativo” em “petições” propostas pela sociedade. Por sorte há gente que já começa a pensar nisso, a partir do que ocorreu com a minirreforma que o Senado não aprovou. Será uma grande contribuição para a frente, em nossa frágil democracia.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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