Alberto Villas
[email protected]Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'
Quando o Willian Bonner anunciou o fim da apuração, senti que estava começando uma Vida Nova Total. Agora é só conservar
Meninos ainda, gostávamos de brincar de vida nova total. Eu e meu irmão. Quando a nossa bagunça em casa estava generalizada, colocávamos a mão na consciência e declarávamos guerra aquela zona federal e decidíamos investir numa vida nova, que chamávamos de VNTotal.
O que era essa vida nova total?
Nosso mundo girava em torno daquela casa da Rua Rio Verde, no bairro do Carmo, em Belo Horizonte. Não ia muito longe. E declarar vida nova total significava colocar tudo em ordem para recomeçar uma vida mais organizada, sonho da nossa mãe.
Colocar tudo em ordem significava colocar tudo em ordem mesmo! E geralmente era sábado, dia sem aula, que decretávamos mãos à obra!
Começávamos pelo pombal. Com um balde, vassoura, rodo e um litro de Creolina, limpávamos aquilo a fundo. Esfregávamos o chão, as paredes, reorganizávamos cada um dos ninhos, sem incomodar o casal que estava chocando.
Do pombal, passávamos para os passarinhos. Eram meia dúzia de gaiolas e elas também passavam por uma faxina e tanto. Colocávamos areia, alpiste, água fresca, meio ovo cozido para os canarinhos e meio jiló para os periquitos. Dependurávamos as gaiolas no sol da manhã e os passarinhos, em algazarra, pulavam de poleiro em poleiro, beliscando o jiló, o ovo cozido.
Subíamos a escada que ia do terreiro (mineiro não fala quintal) até a cozinha e íamos direto atacar o nosso quarto. Éramos pequenos, mas o trabalho parecia de profissional.
Separávamos as roupas sujas e arrumávamos os armários, empilhando camisetas, dobrando cuecas e meias, dependurando calças e blusas de frio.
Organizávamos por data e empilhávamos nossas revistas, eu a Realidade e o meu irmão, a Quatro Rodas. Eu gostava dos gibis do Walt Disney, ele era viciado naqueles livrinhos de bolso do FBI.
Tudo arrumadinho, tirávamos as tranqueiras da pasta de couro e começávamos a colocar ordem no material escolar. Os livros, os cadernos, apontávamos os lápis, lavávamos com água e sabão as borrachas, colocávamos no estojo o compasso, o transferidor, as réguas e esquadros.
Os nossos bonequinhos e os carrinhos Match Box de coleção, arrumávamos em duas caixas de sapato.
Limpávamos os vidros da janela, as paredes, passávamos cera no chão e, em seguida, a enceradeira.
Tudo arrumadinho, nossa mãe ficava orgulhosa e dizia apenas:
– Agora é só conservar!
Tomávamos banho, penteávamos o cabelo e declarávamos que a Vida Nova Total estava começando naquele momento.
No domingo passado, quando o Willian Bonner anunciou o fim da apuração das eleições presidenciais, eu senti que estava começando uma Vida Nova Total.
Agora é só conservar!
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