Opinião

Ver um país que deixa o fascismo para trás é algo belo

Como bem aferira Antonio Gramsci, uma das características intrínsecas ao absolutismo é o belicismo

Imagem: Sergio Lima/AFP
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“O material do poeta é a vida, e só a vida, com tudo o que ela tem de sórdido e sublime.”
Vinicius de Moraes.

Ver um país que deixa o fascismo para trás é algo belo.

Isso vale para o Brasil da atualidade, como valera para a Itália e a Alemanha após a II Guerra.

Entretanto, o inverso é verdadeiro: que triste ver a sorte de países que tanto sofreram com as ditaduras, como Portugal, Espanha e França, além dos acima citados, os quais deslizam, nova e lentamente, para o autoritarismo.

Como bem aferira Antonio Gramsci, uma das características intrínsecas ao absolutismo é o belicismo.

Alemanha, França e Portugal acabam de concordar em entregar carros de combate à Ucrânia. Ao contrário, nada se ouve deles sobre iniciativas diplomáticas para que se ponha fim ao conflito, em cuja gênese a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que integram, de nenhuma forma está alheia.

Pior, além de levar o mundo à beira do precipício, pela terceira vez em pouco mais de um século, o Velho (mais adequado seria Vetusto) Continente ainda tem a pachorra de querer opinar sobre a diplomacia alheia, estando em vereda perigosíssima e tendo extinto, praticamente, aquela de alguns de seus membros, como é o caso de Portugal e Itália, que, literalmente, desapareceram da cena diplomática multilateral.

Em tuíte recente, o representante da União Europeia (UE) em Brasília (não “embaixador”, como “O Globo” o qualificou) retransmitiu a crítica de um conhecido colonizado brasileiro, supostamente jornalista, com críticas à política externa nacional, em relação a Cuba, Venezuela e Nicarágua.

Posteriormente, o suposto diplomata apagou a postagem, provavelmente repreendido por Bruxelas, que tenta nos fazer assinar um acordo Mercosul – UE, negociado pelo desgoverno passado e claramente nocivo aos interesses nacionais, com grande potencial de acelerar ainda mais a desindustrialização do país, em benefício dos sempre mais ávidos capitalistas da velha Europa, que se mantém socialmente suicida.

Aliás, também homicida, uma vez que o governo da França, com um sistema de saúde cada vez mais precarizado, propôs aumentar em mais dois anos a idade mínima para as aposentadorias, passando de 62 para 64 anos.

Em “A vida não é útil”, de Ailton Krenak (Editora Companhia das Letras), o autor recorda: “Em ‘Esferas da insurreição’, Suely Rolnik diz que o capitalismo sofreu uma transformação tão grande que virou necrocapitalismo; que esse capitalismo nem precisa mais da materialidade das coisas, pode transformar tudo numa fantasia financeira e fazer de conta que o mundo está operante, ativo, mesmo quando tudo estiver entrando pelo cano. É uma distopia: em vez de imaginar mundos, a gente os consome. Depois que comermos a Terra, vamos comer a Lua, Marte e outros planetas. A mesma dificuldade que muita gente tem em entender que a Terra é um organismo vivo, eu tenho em entender que o capitalismo é um ente com o qual podemos tratar. Ele não é um ente, mas um fenômeno que afeta a vida e o estado mental de pessoas do planeta inteiro – não vejo como dialogar com isso.” Ainda denuncia a falsidade da ideia “de campo de um lado e cidade do outro.”

Demais, Krenak complementa: “Os povos nativos resistem a essa investida do branco porque sabem que ele está enganado, e, na maioria das vezes, são tratados como loucos. Escapar dessa captura, experimentar uma existência que não se rendeu ao sentido utilitário da vida, cria um lugar de silêncio interior…O pensamento vazio dos brancos não consegue conviver com a ideia de viver à toa no mundo, acham que o trabalho é a razão da existência. Eles escravizam tanto os outros que agora precisam escravizar a si mesmos. Não podem parar e experimentar a vida como um dom e o mundo como um lugar maravilhoso. O mundo possível que a gente pode compartilhar não tem que ser um inferno, pode ser bom. Eles ficam horrorizados com isso, e dizem que somos preguiçosos, que não quisemos nos civilizar. Como se ‘civilizar-se’ fosse um destino. Isso é uma religião lá deles: a religião da civilização. Mudam de repertório, mas repetem a dança, e a coreografia é a mesma: um pisar duro sobre a terra. A nossa é pisar leve, bem leve.”

Sim, como anseiam os povos ao lazer!

Por exemplo, em Jundiaí, a Festa da Uva, ao longo de janeiro, trouxe milhares de pessoas aos seus pavilhões, demonstrando o desejo de lazer e encontro, de um povo que estava cada vez mais apartado em casas, condomínios, carros e até smartphones.

Nas sextas-feiras, nos sábados e nos domingos a afluência de pessoas foi impressionante, com ônibus de excursões vindo de todo o interior do estado.

Invistamos em lazer! O potencial é evidente e necessário!

Em contraposição, a Brigada Militar, em Porto Alegre, investiu contra brincantes, na noite de domingo, na Cidade Baixa, bairro boêmio da capital gaúcha, por estarem batucando em ensaio pré-carnavalesco!

Na verdade, trata-se de política municipal de limpeza étnica, para não permitir que a cultura afrodescendente possa-se reproduzir, gratuitamente, no centro da cidade.

Mais uma vez, a imprensa brasileira notícia muito a limpeza étnica no Leste Europeu, mas é incapaz de identificá-la no próprio país, pior ainda no Sul Maravilha.

Sejamos firmes ao identificar nossas mazelas e denunciá-las! Estamos vencendo o fascismo, apesar do nazismo ter marcado mais um tento em Santa Catarina, com a cassação, pela Câmara Municipal de São Miguel do Oeste, da vereadora que denunciara a prática de saudações nazistas na cidade, a corajosa Maria Teresa Capra.

Não esmoreçamos, pois “o tempo está ao nosso lado”, contextualizando a letra da famosa canção de Irma Thomas, popularizada (mas para ela e alguns, roubada) pelo grupo inglês Rolling Stones.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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