Opinião

Uma vela para a política, outra para a guerra

Embora os movimentos de Bolsonaro pareçam contraditórios, são complementares na medida em que alimentam o conflito entre instituições

Uma vela para a política, outra para a guerra
Uma vela para a política, outra para a guerra
O presidente da República, Jair Bolsonaro. Foto: Marcos Corrêa/PR
Apoie Siga-nos no

por Igor Felippe Santos

A reforma ministerial de Jair Bolsonaro, que trocou seis ministros em um mesmo dia, faz parte de um processo que começou no final do ano passado.

O governo Bolsonaro consolidou-se sobre um tripé: os núcleos ideológico, o jurídico-militar e o econômico. O presidente era o símbolo da ordem e autoridade; o então ministro da Justiça Sergio Moro estandarte da luta contra a corrupção; e o superministro da Economia Paulo Guedes o fiador neoliberal.

O núcleo ideológico, que atuava como “cachorro louco” do bolsonarismo, fazendo “testes” e limpando o terreno para as ações do presidente, tem perdido protagonismo. No início da pandemia, esse segmento saiu às ruas acusando uma manobra para derrubar o presidente e alimentando a sombra de golpe que resiste neste governo. O Supremo reagiu abrindo inquéritos com o objetivo de investigar denunciações caluniosas e ameaças contra ministros da Corte e decretando prisões.

Em meio à reação do STF, o ministro da Educação Abraham Weintraub caiu. Essa crise precipita com a prisão de Queiroz, em Atibaia, no interior de São Paulo, na casa do advogado da família Frederick Wassef.

Desde então, Bolsonaro passou a guardar uma “margem de segurança” de seu núcleo ideológico, e o aciona pontualmente em disputas de seu interesse. Ao mesmo tempo, se aproximou da direita fisiológica e buscou ampliar suas relações com o STF.

A reforma ministerial em curso, prevista desde o começo do ano, faz parte desse processo, com o elemento extraordinário da troca no Ministério da Defesa e o desdobramento da saída dos comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha.

O centrão ganha mais espaço na gestão da relação com o Congresso com a nomeação de Flavia Arruda, do PL, para a secretaria de governo, e com o deslocamento do general da reserva Luiz Eduardo Ramos para a Casa Civil. Até então, Ramos atuava na negociação com os parlamentares e Arruda presidiu a comissão mista do Orçamento, que definiu os projetos e emendas a serem liberadas no ano.

A nomeação do delegado da Polícia Federal Anderson Torres, atual secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, para o Ministério da Justiça aponta que Bolsonaro quer aumentar o controle e endurecer as diretrizes sobre áreas estratégicas. Ele é de confiança da família e amigo de Flávio. Ficará sob seu comando a Secretaria Nacional de Segurança Pública, que faz interlocução com a Polícia Militar em todos os estados. Com a volta de André Mendonça para a Advocacia-Geral da União, o presidente ganha maior comando na defesa jurídica do governo.

A saída do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa teve como decorrência a saída dos comandantes do Exército, da Aeronáutica e da Marinha.

Azevedo e Silva ascendeu à política antes da chegada de Bolsonaro à presidência. Foi assessor parlamentar do Exército no Congresso, foi assessor do gabinete do ex-presidente do Supremo Dias Toffoli, e chegou ao Executivo no Ministério da Defesa indicado por Eduardo Villas-Boas. Ou seja, tem conexões, influência e menor dependência de Bolsonaro.

A indicação de general Braga Netto para a Defesa, assim como as mudanças na Justiça e na AGU, indicam que Bolsonaro quer mais controle sobre as Forças Armadas, colocando em postos chaves militares que se subordinem a seu comando. Para isso, precisava afastar o general Edson Leal Pujol do posto de comandante do Exército.

Embora os movimentos de Bolsonaro pareçam contraditórios, são complementares na medida em que alimentam o conflito entre as instituições. Avançando ou recuando, Bolsonaro estará no centro do embate político.

Por um lado, ele fortalece a articulação política no Congresso, consolidando sua influência e construindo uma base para a eleição de 2022. Entende que vive o pior dos momentos e terá que atravessar o deserto da pandemia e da crise, mas poderá se recuperar, levando adiante o projeto neoliberal e reagrupando a direita para as eleições. Assim, acende uma vela para a política.

Por outro lado, ao impor sacrífícios ao núcleo ideológico, Bolsonaro compensa seus seguidofes endurecendo a condução da Defesa e da Justiça. Ou seja, prepara-se para um cenário de agudização da crise, com convulsão social pelo empobrecimento da população e um eventual estouro de mobilizações de massa, assim como amedronta os setores do capital e seus porta-vozes que elevam as críticas ao governo. E acende outra vela para a guerra.

*Igor Felippe Santos é jornalista

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Muita gente esqueceu o que escreveu, disse ou defendeu. Nós não. O compromisso de CartaCapital com os princípios do bom jornalismo permanece o mesmo.

O combate à desigualdade nos importa. A denúncia das injustiças importa. Importa uma democracia digna do nome. Importa o apego à verdade factual e a honestidade.

Estamos aqui, há 30 anos, porque nos importamos. Como nossos fiéis leitores, CartaCapital segue atenta.

Se o bom jornalismo também importa para você, nos ajude a seguir lutando. Assine a edição semanal de CartaCapital ou contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo