Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Uma semana de 22

Do congolês assassinado por cobrar 200 reais até as chuvas em Petrópolis

Créditos: CARL DE SOUZA / AFP
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No primeiro dia, antes mesmo da meia-noite, um jovem congolês, negro, no Brasil desde pequenininho, resolveu ir até um quiosque na praia Barra da Tijuca chamado Tropicália, na outrora Cidade Maravilhosa. Não foi ali à toa, e sim para cobrar duzentos reais que o dono lhe devia, por serviços prestados.

Sem o dinheiro na mão, uma pequena confusão foi formada, até que brutamontes partiram pra cima do congolês. Magro e indefeso, ele ainda tentou se desvencilhar da violência, mas não conseguiu. De repente, um taco de beisebol escondido atrás do freezer enferrujado apareceu nas mão de um dos agressores.

O congolês recebeu contusões na cabeça, nas pernas, nas costas, nos pulmões, nos rins, no baço. E morreu. O corpo ficou ali estendido no chão durante um bom tempo, enquanto um funcionário do quiosque repunha as cervejas baratas no freezer enferrujado.

No segundo dia, um outro negro, voltava de mais um dia de trabalho. Quando se aproximou do condomínio onde morava, em São Gonçalo, ele abriu a mochila para tirar a chave de casa, aflito que estava para ver a mulher e a filha de seis anos.

Foi quando levou três tiros à queima-roupa. Ainda teve tempo para levantar as mãos numa tentativa de dizer que era morador do condomínio. Foram suas últimas palavras. O atirador, um sargento, disse que atirou em legítima defesa. Ele confundiu o morador preto com um ladrão, um bandido qualquer.

No terceiro dia, Franco da Rocha, em São Paulo, veio abaixo. As fortes chuvas derrubaram barrancos que foram parar em cima de barracos frágeis e soterrando vinte e três moradores. Adultos, idosos, crianças. Morreram sufocados pela lama, sem tempo para pedir ajuda a Deus.

No quarto dia, por volta de dez horas da noite, um garoto de 17 anos, pai de uma menininha de vinte dias, estava fazendo a sua última entrega de comida naquele dia, o que lhe renderia 70 reais de diária. Ele estava ao lado da sua bicicleta, sua bike, sua magrela, como ele a chamava. O boné, moda na cabeça dos jovens da periferia, estava dependurado no guidão, ao lado da máscara que o protegia do Ômicron.

Um motorista bêbado, com a carteira cassada, veio em alta velocidade e jogou o corpo do jovem no chão. Moradores da região correram para tentar a ressurreição, em vão. O assassino continuou dentro do carro, sem saber muito onde estava. Sem saber que tinha assassinado um jovem, pai de uma menininha de vinte dias.

No quinto dia, um menino de nove anos tentou se esconder debaixo da cama quando viu um homem com um revólver na mão entrando em seu quarto, em Barreiros, zona da Mata Sul de Pernambuco. Achou que era a polícia. Ele ainda conseguiu se enfiar debaixo da cama patente, mas o atirador o encontrou, encondidinho e atirou. Foram vários tiros. Quem matou o menino? É o que a comunidade pergunta a toda hora, em cada esquina do vilarejo.

No sexto dia, por volta de nove e pouco da noite, o céu desabou sobre a charmosa cidade de Petrópolis, outrora imperial. A água foi subindo, arrastando automóveis, moticicletas, cachorros aflitos, eletrodomésticos, móveis e estofados. E pessoas. Os morros começaram a despencar sobre Petrópolis e, por volta de uma da tarde, o Jornal Hoje anunciou que os soldados do Corpo de Bombeiros já tinham contado mais de cem mortos.

No sétimo dia, Deus descansou.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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