Sociedade

Tragédia em Petrópolis: ‘O poder público não pode se mover somente pela urgência da catástrofe’

Especialistas cobram medidas de enfrentamento às mudanças climáticas que castigam estados brasileiros nos últimos meses

Créditos: CARL DE SOUZA / AFP
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Desde a terça-feira 15, Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, tenta dimensionar a tragédia que se abateu sobre a cidade após uma forte tempestade. Em seis horas, choveu o esperado para um mês. O cenário é de destruição: os mortos já passam dos 100 e as equipes de resgate, compostas por bombeiros, socorristas e voluntários, ainda não podem calcular quantas pessoas estão soterradas.

Especialistas ouvidos por CartaCapital reconhecem que o País tem enfrentado eventos extremos decorrentes do agravamento da crise climática, como chuvas intensas, alagamentos, deslizamentos e secas prolongadas. Mas não atribuem o cenário somente às causas naturais.

“O problema da crise climática não é natural, mas social”, atesta o porta-voz do Greenpeace Brasil, Rodrigo Santos de Jesus. “Estamos vivendo um período de crise climática acentuada pelo aumento da temperatura da superfície global, que tornará esses eventos cada vez mais intensos. Mas o nosso questionamento é: qual é a infraestrutura que temos para que possamos criar resiliência perante as comunidades que vivem em área de risco ou que estão em situação de vulnerabilidade? A resposta para isso é: nenhuma”, critica o especialista, que vê descaso das autoridades.

“Não existe uma prioridade em termos de planejamento urbanístico para áreas de risco – às vezes, sequer existe um mapeamento de vulnerabilidade socioeconômico e suscetibilidade para esses riscos dentro das cidades ou em zonas rurais. É preciso reconhecer, primeiramente, que existe uma emergência climática, que esses impactos são uma realidade presente e não futura, e somar esforços para garantir essas infraestruturas.”

Após a tragédia em Petrópolis, o Greenpeace lançou um abaixo-assinado para pressionar governadores a decretarem emergência climática e para convocar a sociedade civil a cobrá-los para que criem planos de adaptação climática com ações estruturais, principalmente para as populações em situação de vulnerabilidade.

“Não podemos permitir que o poder público se mova somente pela urgência da catástrofe. É nosso dever pressionar os governadores para que coloquem em prática medidas de adaptação à emergência climática”, diz o texto que acompanha a petição.

Jesus explicou que o enfrentamento de um cenário de emergência climática pressupõe outras atitudes por parte de governantes, como controle e fiscalização para zerar o desmatamento, mapeamento das áreas de vulnerabilidade, orçamentos previstos para perdas e danos materiais em tragédias e realização de audiências publicas com as populações mais afetadas.

O movimento, ressaltou, deve ser intersetorial: “Esses planos e ações não podem ficar circunscritos a pastas ou comitês de meio ambiente, precisam dialogar com vários setores. Precisamos de infraestrutura para que a sociedade tenha moradia, mas também segurança alimentar, centros de saúde e outros direitos básicos que possam garantir resiliência, que é a capacidade das comunidades de enfrentar os impactos já previstos pela crise climática”.

Créditos: PLAUCHEUR / AFP

“Hoje, essa agenda segue negligenciada pelas governanças, que atuam com total despreparo, em total desconexão com a realidade concreta que os impactos impõem”, acrescentou.

Em 2018, o estado do Rio de Janeiro formulou um plano de adaptação climática a fim de apontar medidas a serem tomadas no âmbito de políticas públicas, de intervenção física e de conscientização das comunidades. O documento reconhecia que o estado é ‘particularmente vulnerável a desastres naturais associados a eventos extremos em decorrência de históricas e constantes alterações no espaço físico e de questões biofísicas, como o relevo montanhoso, a descaracterização de rios e córregos, e o desmatamento da cobertura original de Mata Atlântica, bem como da ocupação desordenada de sua zona costeira’.

Ainda de acordo com o relatório, entre 1991 e 2016, o estado do Rio de Janeiro foi atingido por 753 eventos relativos a desastres naturais, impactando 90 dos seus 92 municípios. O maior deles ocorreu em 2011, quando mais de 900 pessoas morreram na Região Serrana. O município com maior número de episódios é Petrópolis, atingido por 36 ocorrências de desastres naturais, todos relacionados a extremos de pluviosidade.

Dados do Observatório do Clima e Saúde da Fiocruz mostram que os danos humanos resultantes desses desastres naturais entre os anos de 2001 a
2013 (exceto 2012 por ausência de dados) no estado somaram: 1.381 mortes, 150.809 desalojados, 43.491 desabrigados e 7.882 feridos.

CartaCapital questionou ao governo do Rio se o documento levou a ações de prevenção específicas para Petrópolis e se há um levantamento de quantos imóveis do município estão em áreas classificadas como de alto e muito alto risco para deslizamentos e enchentes.

Em nota, o governo informou que, desde novembro de 2021, adquiriu e contratou mais de R$ 350 milhões em materiais e serviços para serem especificamente utilizados no Plano de Contingência para as Chuvas de Verão. Lançado anualmente, o plano evita preços elevados, gasto emergencial e a necessidade de dispensa de licitação.

O governo também disse realizar ações em Petrópolis para ‘melhoria do escoamento’, com investimento de 28 milhões de reais; ‘limpeza’, com o programa ‘Limpa Rio’; e ‘habitação’, com o programa ‘Casa da Gente’, criado em setembro de 2021. “Vale ressaltar que, diante da crise em Petrópolis, uma equipe está preparada para contratações adicionais necessárias”, acrescentou.

Nos últimos meses, Bahia, Goiás e Minas Gerais também têm sofrido com enchentes. Em Minas, 341 municípios decretaram situação de calamidade ou emergência até fevereiro. Regiões que tradicionalmente são atingidas pelas secas no estado, como o Vale do Mucuri e o Jequitinhonha, ficaram inundadas.

Neste ano, as fortes precipitações também castigaram estados como Maranhão, Pará, Piauí, Tocantins e São Paulo.

Enquanto isso, os termômetros no Rio Grande do Sul registraram um calor sem precedentes. As temperaturas superaram os 43ºC, deixando mais de 200 municípios sob alerta.

O secretário-executivo do Observatório do Clima, Marcio Astrini, explica ser difícil cravar que um determinado fenômeno natural seja consequência imediata das mudanças climáticas, “mas o que sabemos é que elas provocam exatamente o que vimos no sul da Bahia, no norte de Minas Gerais ou agora em Petrópolis”.

O especialista também assegurou que não há mais dúvidas científicas sobre o aumento da temperatura no planeta. “Estudos já apontam para cerca de 1,1 grau mais quente em comparação à era pré-industrial. Também é sabido que esse aquecimento é derivado das ações humanas e da maior concentração de carbono na atmosfera.”

Astrini ainda vê como fundamental a elaboração de políticas de adaptação climática. “Adaptação em lugares mais vulneráveis se trata de salvar vidas. E existe algo similar em todas as últimas tragédias, que é vitimar as populações mais pobres, geralmente alocadas em áreas de risco de desabamento, deslizamento de terra ou enchente – ou que não vão conseguir readequar o seu roçado, em caso de áreas agrícolas. Então, adaptação deveria ser a palavra de ordem para os governos dessas localidades.”

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