Gabriela Araújo

Fabiano Silva dos Santos

Marco Aurélio de Carvalho

Opinião

Uma régua para Moro

Moro sucumbiu à vaidade e passou a circular pelo País com um ego que só não era maior que a sua falta de caráter e cinismo

Seria ele a terceira via?
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As eleições podem ser uma boa oportunidade para conhecermos melhor o ex-juiz Sergio Moro e, por que não, para até mesmo julgá-lo. Se estiver realmente disposto a participar do jogo democrático, ele terá a oportunidade de apresentar suas ideias e de defendê-las publicamente em debates e entrevistas. Apesar de ter ocupado um enorme espaço na mídia e nas redes socais, o ex-juiz é um personagem pouco conhecido, quase misterioso. Ele ganhou fama ao mandar prender políticos e empresário ricos. Na maioria das vezes, de forma seletiva e sem a observância dos limites da própria lei que dizia aplicar. Recebeu homenagens e desfilou em tapetes vermelhos mundo afora. O Brasil chegou a respirar aliviado, acreditando ter encontrado seu cavaleiro destemido na luta contra a corrupção.

Moro, no auge da fama, deixou o cargo de juiz para ser ministro de Jair ­Bolsonaro, que ajudou a eleger com o apoio decisivo e determinante dos “filhos de ­Januário”, os “meninos dourados de Curitiba”. Visto desde o início como candidato competitivo em uma eventual ­disputa pelo cargo do chefe Bolsonaro, Moro sucumbiu à vaidade e passou a circular pelo País com um ego que só não era maior que a sua falta de caráter e cinismo. Hoje, talvez, esse ego concorra com a vergonha que deveria sentir por ter comprometido a credibilidade do nosso sistema de Justiça.

 

O caldo começou a azedar, entretanto, quando uma série de áudios vazados revelaram os métodos pavorosos de trabalho do ex-juiz. Muitas das arbitrariedades denunciadas por advogados de réus da Lava Jato desde seus primórdios vieram a público narradas em primeira pessoa. O trabalho de Moro foi aplaudido efusivamente por seus pares, até que uma decisão do Supremo Tribunal Federal o considerou parcial. Segundo o STF, ele cometeu o pecado maior que pode ser atribuído a um juiz: em vez de julgar, valeu-se de suas prerrogativas para favorecer de forma injusta e injustificada um dos lados. Nos últimos meses, várias de suas decisões foram reformadas. Foi como se parte da opinião pública descobrisse que o médico antes aclamado por salvar vidas era na verdade o responsável por ministrar o veneno de que padeciam seus pacientes.

Moro, desmascarado e enfraquecido, rompeu com o bolsonarismo e saiu acuado de um governo que entrou para a história por seus inúmeros e significativos fracassos e retrocessos. Seus admiradores e entusiastas têm, contudo, uma teo­ria quase pronta. Defendem seu legado de caçador de corruptos e afirmam que seus oponentes o temem por suas virtudes e qualidades. Ora, vale a pena então um exame mais detalhado de Moro, nos diversos papéis que desempenhou recentemente.

Como juiz. Imparcialidade é o que se espera de um magistrado acima de tudo. É seu dever agir com bases técnicas, legais e intelectuais diante de um contraditório livremente debatido, com equanimidade, com paridade de armas.

Resta ver como ele se comporta na campanha

Moro fez armações espúrias com procuradores, intimidou réus e testemunhas, grampeou advogados, ignorou provas e vazou documentos seletivamente para prejudicar investigados, desrespeitando assim as regras processuais que deveria garantir. Por essa medida, foi um mau juiz. Para dizer o menos.

Como ministro. O que se espera de um bom ministro é a habilidade para implementar e executar programas de governo em benefício da sociedade. Moro aceitou o cargo de ministro da Justiça sob o pretexto de que no governo estaria mais bem posicionado para enfrentar a corrupção. Tentou avançar na aprovação de dez medidas que considerava fundamentais. De cara, seu projeto desagradou a juristas e foi rejeitado em vários segmentos da sociedade. Não conseguiu catalisar apoio no Congresso nem mobilizar a sociedade para sustentá-lo. Foi incapaz de convencer seu próprio chefe, Bolsonaro. Deixou o governo humilhado, após uma passagem apagada, sem nenhum legado. Foi um péssimo ministro.

Como advogado. Um bom advogado deve fazer o que estiver a seu alcance para defender seus clientes, dentro dos limites da ética, da lei e da Justiça. Depois que saiu do governo, Moro foi contratado como advogado da consultoria jurídica Alvarez&Marsal, administradora judicial da Odebrecht, uma das empresas mais atingidas por suas ações durante a Operação Lava Jato. Poucos movimentos de profissionais produziram tantas surpresas e indignação. Moro ignorou a ética e mudou de lado sem revelar qualquer desconforto. Não agiu como se espera de um bom profissional. Foi um mau advogado. Seu despreparo técnico e sua falta de cultura jurídica são características que sempre o acompanharam nas atividades jurídicas e políticas que abraçou.

Como homem público. Grandes homens públicos são aqueles que, acima de tudo, dão bons exemplos e conseguem colocar os interesses comuns acima dos seus. Moro prometeu que seria sempre juiz e correu para agarrar um convite a ministro. Escolheu um lado quando deveria ser imparcial. Aceitou um emprego cheio de mistérios, apesar de um evidente conflito ético. Prometeu que não disputaria eleições, mas está filiado e fala como candidato. Nesse campo, Moro dá péssimos exemplos.

Como político. Alguns acham que bons políticos são aqueles que se guiam pela lógica de que qualquer estratégia é válida para atingir os objetivos desejados. Se for julgado por essa medida, Moro é um verdadeiro príncipe.

Cada detalhe conhecido sobre seu trabalho na Lava Jato confirma a tese de que ele era movido por uma obsessão: tirar das eleições de 2018 o ex-presidente Lula, que liderava todas as pesquisas eleitorais de forma indiscutível. Moro mandou Lula para a cadeia e Bolsonaro para o Planalto. No sentido mais sujo e selvagem da política, tornou-se um de seus ilustres representantes.

O ex-presidente Lula reconquistou seus direitos políticos. Foi absolvido de todas as acusações indevidamente imputadas. Nas várias voltas que o mundo dá, quem diria, Moro tem perdido de lavada na Justiça, onde várias de suas sentenças são anuladas, justamente onde se esperava que tivesse suas bases mais sólidas. Bolsonaro, seu ex-chefe, fugiu de todos os debates. Moro ainda pode tentar dar um bom exemplo. Se tiver coragem de enfrentá-los, será muito interessante avaliá-lo nessa arena. Quem sabe descobriremos quem é de fato Sergio Moro. •


*Coordenadores do Grupo Prerrogativas.

PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1190 DE CARTACAPITAL, EM 6 DE JANEIRO DE 2022.

CRÉDITOS DA PÁGINA: DANILO MARTINS/PODEMOS 19

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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