Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Uma história da MPB

Outro dia entrei num sebo aqui em São Paulo e vi, em cima do balcão, uma coleção completa e impecável da História da Música Popular Brasileira…

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Outro dia entrei num sebo aqui em São Paulo e vi, em cima do balcão, uma coleção completa e impecável da História da Música Popular Brasileira. Apesar de ter uma em casa, meus olhos encheram de brilho, mas o vendedor foi logo avisando: está vendida! Só podia.

Mesmo assim, olhei as lombadas impecáveis, parecia coisa saindo da gráfica. A História da Música Popular Brasileira foi lançada pela Editora Abril, nas bancas, em 1970. Tinha eu vinte anos de idade quando comecei a comprar, a cada quinze dias, os fascículos, que vinham acompanhados de um mini-LP com oito faixas.

O primeiro, Noel Rosa, me encantou Maria Bethânia cantando Três Apitos, Aracy de Almeida interpretando Último Desejo, Orlando Silva com Dama do Cabaré, Martinho da Vila com Conversa de Botequim, por aí.

Eu andava mergulhado no rock and roll, principalmente. Sim, era um garoto que amava os Beatles e os Rolling Stones. Mas estava também apaixonado pela Tropicália. O poeta desfolhava a bandeira e a manhã tropical se iniciava, resplendente, cadeira fagueira, num calor girassol com alegria, na geleia geral brasileira que o Jornal do Brasil anunciava.

O meu pai não gostava de rock, muito menos dos Beatles e dos Rolling Stones. Ele gostava de Geraldo Pereira, Vicente Celestino, Ismael Silva, Sinhô, Lupicínio, Caymmi, Pixinguinha.

Esperei ansioso o segundo número e veio o Pixinguinha, o Pixinguinha que o meu pai tanto amava. Foi quando ouvi pela primeira vez, me lembro bem, Rosa, Carinhoso, Urubu e Um a Zero.

Continuei amando o rock and roll, mas, a cada quinze dias, ia conhecendo, descobrindo e gostando dos compositores do meu pai: Haroldo Lobo, Billy Blanco, Orestes Barbosa, Herivelto Martins.

Eu perguntei ao vendedor do sebo, quem havia deixado ali aquela coleção impecável. Ele contou que, de tempos em tempos, aparece ali coleções completas e números avulsos da História da Música Popular Brasileira.

Os pais estão morrendo e os filhos não sabem o que fazer com essas coisas. Aí vendem tudo, às vezes a preço de banana. Quem hoje quer ocupar prateleiras e mais prateleiras com coleções de discos, com O Tesouro da Juventude, o Mundo da Criança?, ele me explicou.

Deixei ali aquele pacotão embalado em papel filme ali em cima do balcão e fui circular pelo sebo. Adoro as coisas fora de ordem porque, de repente, você encontra uma preciosidade, como a primeira edição do livro Fazenda Modelo, do Chico Buarque.

Aquilo que o vendedor me disse, ficou na minha cabeça. Os pais estão morrendo… Fiz as contas: os pais tinham uns quarenta anos naquele 1970… é, hoje estariam com 93 anos, por aí. Enfim, não estariam.

Bem, como eu tinha vinte anos quando comprei o Noel, ainda tenho uns anos de vida pela frente. Tempo, por exemplo, para ouvir Palpite Infeliz, numa velha vitrola:

Quem é você que não sabe o que diz?

Meu Deus do céu, que palpite infeliz

Salve Estácio, Salgueiro, Mangueira,

Oswaldo Cruz e Matriz,

Que sempre souberam muito bem

Que a Vila não quer abafar ninguém

Só quer mostrar que faz samba também

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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