Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Tornar-se negro: um livro para compreender o que o racismo destrói na vida das pessoas

Neusa Santos Souza mostrou o alto preço pago pelos negros que conseguem ‘chegar lá’

Foto: Reprodução
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Em setembro deste ano, tive o privilégio de entrevistar o sociólogo Jessé Souza. Ao longo da nossa conversa, ele fez um apontamento que não sai da minha cabeça: “A única maneira de verdadeiramente explicar o racismo é compreendermos o que ele destrói nas pessoas”, disse o escritor. Aproveitando a deixa, perguntei o que o racismo destrói nas pessoas. O professor da UFABC respondeu: “O racismo destrói a humanidade delas. Com o racismo, você cria uma classe-raça ‘Geni’, na qual todo mundo pode cuspir, que se pode humilhar, matar, que ninguém vai se comover”.

‘Tornar-se negro ou as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social’ amplia e aprofunda as considerações de Jessé Souza. Fruto da tese de doutorado defendida em 1981 pela psicanalista e psiquiatra negra Neusa Santos Souza, a obra ficou mais de duas décadas fora do mercado editorial. Recém-lançado pela Zahar Editora, o livro é um verdadeiro marco, uma vez que foi o primeiro a promover uma ponte entre a psicanálise e a questão racial. ‘Tornar-se negro’ permanece atual, pois a discussão em torno da vida emocional da população negra ainda é incipiente e negligenciada no Brasil.

Prefaciado por Maria Lúcia da Silva e Jurandir Freire Costa, ‘Tornar-se negro’ vale-se dos diálogos que Neusa Santos Souza estabeleceu com autores como Sigmund Freud e Frantz Fanon, como também da história de vida de dez pessoas negras em vias de ascensão social para discutir os impactos do racismo na psique dos afro-brasileiros. Logo nas primeiras páginas, a psicanalista é categórica: “Saber-se negra é viver a experiência de ter sido massacrada em sua identidade, confundida em suas perspectivas, submetida a exigências, compelida a expectativas alienadas”.

Os entraves que impedem os negros de alcançarem melhores condições de vida são criados propositalmente

Neusa Santos Souza discute quão desafiador e violento é para a população negra viver em uma sociedade orientada por valores brancos, em que os espaços de decisão são ocupados por esse grupo. Ela afirma: “É a autoridade da estética branca que define o belo e sua contraparte, o feio, nesta sociedade classista, em que os lugares de poder e tomadas de decisões são ocupados hegemonicamente por brancos. (…) É essa mesma autoridade que conquista, de negros e brancos, o consenso legitimador dos padrões ideológicos que discriminam uns em detrimento dos outros”.

Em um país que defende a meritocracia para naturalizar a imoralidade das desigualdades sociorraciais, de maneira brilhante, Neusa Santos Souza mostrou o alto preço pago pelos negros que, ao driblar as barreiras impostas pela violência racista e pela pobreza, conseguem “chegar lá”. Segundo a autora, os entraves que impedem os negros de alcançarem melhores condições de vida são criados propositalmente, sendo um deles a difusão permanente e incessante de qualidades negativas do negro, com o intuito de manter a ordem social escravocrata que ainda vigora no Brasil.

No momento em que a luta pela democracia racial pulsa, Neusa Santos Souza nos lembra que a superação do racismo deve ser um compromisso de todos, cabendo aos negros o protagonismo, a vanguarda dessa empreitada.

‘Tornar-se negro’ é um livro que escancara as dores e as privações que a violência racial impõe a negros e negras, por isso deve ser leitura obrigatória para todo mundo, principalmente para os brancos, que têm sido amplamente beneficiados pelo racismo que nos fere e mata diariamente.

*A partir de hoje esta coluna entra de férias. Nos vemos novamente no dia 21 de janeiro. Desejo aos leitores e leitoras um Ano-Novo cheio de esperanças e realizações!

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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