Gustavo Freire Barbosa

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Advogado, mestre em direito constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Coautor de “Por que ler Marx hoje? Reflexões sobre trabalho e revolução”.

Opinião

Toffoli é um filho pródigo?

É intrigante o quanto Toffoli demorou para perceber o óbvio. Será que decidiria assim caso Bolsonaro tivesse sido reeleito?

O ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF). Foto: Nelson Jr./SCO/STF
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Houve um tempo em que o bolsolavajatismo tinha força suficiente para atrair mesmo aqueles cuja biografia indicaria alguma resistência. A conveniência de se alinhar à força política predominante, ao que parece, fez com que algumas vergonhas sumissem, dando lugar a papéis antes impensáveis.

É o caso do ministro José Antonio Dias Toffoli, nomeado para o STF em razão de sua advocacia militante junto ao Partido dos Trabalhadores. Seu desapego ao passado, contudo, ficou evidente antes mesmo de Jair Bolsonaro chegar ao Palácio do Planalto.

Apesar do voto favorável ao habeas corpus que livraria Lula da prisão em abril de 2018, Toffoli, poucos meses depois, proibiria que o atual Presidente da República, então encarcerado na sede da Polícia Federal em Curitiba, fosse entrevistado. Os jornalistas Florestan Fernandes Junior e Mônica Bergamo haviam obtido aprovação de Ricardo Lewandowski, colega de Toffoli no STF, para conduzir as entrevistas. O Ministro Luís Fux, alinhando-se com os interesses lavajatistas, rapidamente revogou a decisão de Lewandowski.

Toffoli, então presidente da suprema corte, viu-se obrigado a intervir. E interviu, alinhando-se a Fux. Apenas em abril de 2019, após o fim do ciclo eleitoral, o Supremo voltou atrás, permitindo que Lula fosse entrevistado.

Toffoli prosseguiu nessa linha, agora com a inglória tarefa de demonstrar fidelidade ao então mandatário: nomeou Fernando Azevedo e Silva, general da reserva, como assessor, suspendeu a liminar dada pelo ex-ministro Marco Aurélio que poderia soltar Lula e, num ato de crueldade e sadismo, o impediu de acompanhar o enterro do irmão.

Com a retração do bolsonarismo e o retorno do PT ao Planalto, Toffoli voltou a flertar com seu passado, comportando-se como uma espécie de filho pródigo.

Em maio, afirmou que condenou José Genoíno no “Mensalão” mesmo sabendo de sua inocência. Mais recentemente, decidiu pela anulação de todas as provas da Odebrecht adquiridas através de acordos de leniência, abalando os fundamentos da Lava Jato.

Além de ter declarado que as provas são imprestáveis para quaisquer fins, Toffoli orientou a AGU, a PGR e o CNJ a apurar a responsabilidade de agentes públicos envolvidos nestes acordos.

E mais: a partir das mensagens trocadas entre Sergio Moro e Deltan Dallagnol, concluiu que a prisão de Lula se tratou de “uma armação fruto de um projeto de poder de determinados agentes públicos”, afirmando também, “sem medo de errar”, que a Lava Jato “foi verdadeiro ovo da serpente dos ataques à democracia e às instituições que já se prenunciavam em ações e vozes desses agentes contra as instituições e ao próprio STF”.

É intrigante o quanto Toffoli demorou para perceber o óbvio. Será que decidiria assim caso Bolsonaro tivesse sido reeleito? A conveniência de tentar se reconciliar com o passado mostra, dentre outras coisas, a fragilidade das indicações petistas ao STF: a Toffoli se junta Fachin, outro que abandonou suas raízes ideológicas para se tornar um fervoroso apoiador da Lava Jato. Já Zanin, também advogado, está livre da acusação de peleguismo: nunca foi de esquerda e dá sinais concretos de que pretende ser coerente.

Na sua decisão mais recente, Toffoli classificou o caso Lula como “um dos maiores erros judiciários deste país”. Erro não, crime –cúmplice entusiasmado, influenciando diretamente o curso político do Brasil entre 2018 e 2022.

Que não nos esqueçamos.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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