Alberto Villas

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Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Tinha, mas acabou

Em São Paulo, tinha a coxinha da Vilinha, a Cantina da China, o Museu do Disco, a Fnac, o Café Romano, a Pastelaria do Chinês, o PlayCenter…

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil
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Bem no centro da praça da Savassi, em Belo Horizonte, tinha uma superbanca de jornal. Enquanto meu pai entrava para comprar o pão de meio quilo, tomar um Mate-Couro estupidamente gelado e ficar papeando com o Geraldo Savassi, eu ficava admirando todas as publicações dependuradas com pregadores de roupa.

Passava os olhos em tudo. Gênios da Pintura, Medicina e Saúde, Conhecer, A Bíblia mais Bela do Mundo, Ciência Ilustrada, Povos & Países, Grandes Personagens da Nossa História, Os Cientistas, História da Música Popular Brasileira, As Grandes Óperas, Cozinha de A a Z, Os Bichos, Tecnirama. Tinha de tudo, mas acabou.

Descendo a Major Sertório, em São Paulo, tinha um restaurante chamado Jotas, que eu adorava. Comia lá um bife à milanesa com arroz e creme de espinafre, como em nenhum outro lugar do mundo. Tinha, mas acabou.

Na Rambla de Barcelona, eu ficava encantado com os animais. Pombos, galos garnisé, peixinhos vermelhos, coelhos de orelha baixa, tartaruguinhas, passarinhos de todas as cores. Tinha uma fauna enorme, mas acabou.

Em Copacabana, era sagrado. Toda segunda-feira, dia de folga, ia na Modern Sound. Era uma loja de discos, uma das melhores do Brasil. A melhor. Ficava horas ali olhando aqueles escaninhos, e sempre achava uma coisa que só tinha ali. O vinil Aprender a Nadar, do Jards Macalé, por exemplo. Tinha discos clássicos incríveis. Tinha, mas acabou.

Em Cataguases, era no hotel do meu tio, o Hotel Villas, que eu me hospedava quando a minha família ia visitar os parentes. O cheiro que saia da chapa onde o meu tio Izidro passava os bifes nunca saiu do meu olfato. Ele se espalhava por todos os cômodos, anunciando que o almoço estava quase pronto.

Em Sabará, no Clube Albert Scharlé, o pombal era uma atração. Eram trinta e seis ninhos construídos em forma de condomínio. Só tinham pombos brancos, garbosos, de raça. Ali nasciam, todos os meses, pelo menos uns dez borrachos. Cresciam muito rápido, mas tinham medo do primeiro voo, despencar ali de cima.

No Líbano, num povoado chamado El Methein, passei os melhores dias da minha vida. Visitando a família Haddad, indo de casa em casa, comendo aquelas delícias, tomando suco de romã e saboreando figos secos em que acabei me viciando. Ali moravam as pessoas mais emotivas do mundo. Tinha muito damasco, muita ameixa, muita uva, mas dizem que a guerra levou tudo. Acabou.

Em Belo Horizonte, tinha também o Bar Grapette, a Confeitaria Bosch, os produtos importados das Estâncias Califórnia, a Guanabara, a Bemoreira, a Livraria Van Damme, o Peps, mas acabou.

Em São Paulo, tinha a coxinha da Vilinha, a Cantina da China, o Museu do Disco, a Fnac, o Café Romano, a Pastelaria do Chinês, o PlayCenter, o Jornal da Tarde, tinha tanta coisa. Tinha, mas acabou tudo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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