Opinião
Teremos a eleição mais manipulada de nossa história
Bolsonaro e sua turma vão fazer todo tipo de bandalheira para se manter no poder. Na verdade, já fazem


Talvez você não tenha ainda se dado conta, mas teremos, neste ano, a eleição mais manipulada de nossa história. Mais do que em 2018. E é bom que ninguém se iluda, acredite que ela é normal e que “as instituições estão funcionando”, pois é anormal (com tendência a piorar) e as instituições não se mexem para evitá-lo.
Jair Bolsonaro e sua turma falam para quem quiser ouvir que não vão aceitar a derrota de mão beijada. Chegaram aonde estão por caminhos que nunca se repetirão e não pretendem condicionar sua permanência no poder a algo que desprezam, os ritos e regras da democracia. Vão fazer todo tipo de bandalheira para se manter no poder. Na verdade, já fazem.
Não é estranho que aqueles que estão no governo queiram permanecer e que a oposição queira derrotá-los. Na democracia é assim que as coisas funcionam e é bom para os cidadãos que assim seja, pois, na hora em que são convocados a se pronunciar, escolhem o lado que consideram mais capaz de provê-los daquilo que desejam, conscientes de que os candidatos propõem mais do que conseguem fazer. Disputas eleitorais não se resolvem apenas através de cálculos contábeis, e, em todas, há um componente de fantasia e sonho.
As irregularidades que acontecem (e vão se multiplicar) não são consequência de Bolsonaro buscar a reeleição. Muita gente se engana, imaginando que é o instituto que permite aos governantes disputar um segundo mandato que corrói o sistema político. É bom lembrar: tudo que o ex-capitão faz, faria na mesma intensidade, ou até mais, se não pudesse concorrer e lançasse outro nome para sucedê-lo, como um filho pilantra, um general pilantra ou outro pilantra qualquer.
Os problemas que vemos neste momento não são típicos da democracia, como promessas exageradas de campanha ou a compreensível busca da continuidade. O que o capitão e sua turma fazem é outra coisa. A primeira e mais escandalosa é a completa falta de escrúpulos na mistura de objetivos políticos subalternos com recursos públicos. Sem qualquer proposta de governo para um segundo mandato, salvo ficar no poder, Bolsonaro e sua turma não têm vergonha de empilhar promessas e benesses. Utilizam-se de recursos da coletividade para fins estritamente privados. Usam, em escala sem precedentes, o dinheiro dos contribuintes para comprar eleitores e apoiadores no Congresso.
No Brasil contemporâneo, nenhum governante fez coisa semelhante. Todos quiseram terminar bem o governo, habilitando-se a disputar com chances a reeleição ou a influir na eleição do sucessor. Bolsonaro passa, no entanto, por cima do que o Erário suporta e não tem limite ético de qualquer espécie. Parecidos com ele só prefeitos de última qualidade, dispostos a mentir desbragadamente e a deixar para seus sucessores contas impagáveis.
Isso se repete em outros fronts. O ex-capitão foi eleito para governar e não para se dedicar, em tempo praticamente integral, a seu único projeto, de continuar a se aproveitar do governo. Passa dias sem dar as caras no Planalto, inaugurando mata-burros ou comparecendo a formaturas de secundaristas de escolas militares. Enquanto torra recursos públicos e desperdiça o dinheiro que os contribuintes destinam à Presidência, volta e meia insinua que recorrerá ao uso da força, caso não vença a eleição. Segundo diz, as “suas” Forças Armadas e a “sua” polícia estão prontas a melar o jogo, caso nenhuma de suas outras malandragens funcione. Os cidadãos pagam para que elas os protejam, mas é ao ex-capitão que servem.
Na parte visível do governo, por aí vai. Na alocação das verbas que o Orçamento destina à publicidade do governo, só há dinheiro para adesistas, ignorando qualquer destinação técnica dos recursos. Em sua agenda, só há eventos com puxa-sacos, dos quais os opositores são expulsos a pauladas. Quando fala, apenas xinga e culpa adversários. Enquanto isso, nos subterrâneos, a baixaria de sempre: mentiras, boatos e fake news, fabricadas, às vezes, na antessala do próprio Bolsonaro e inundando todas as mídias.
É extraordinário que pouca gente se insurja contra as bandalheiras que ele faz na eleição. Talvez porque ninguém espera de um desclassificado algo diferente. Mas é indispensável reagir imediatamente aos seus desmandos, para preservar o pouco de institucionalidade que resta e evitar danos ainda maiores. •
PUBLICADO NA EDIÇÃO Nº 1195 DE CARTACAPITAL, EM 16 DE FEVEREIRO DE 2022.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título “Mão grande na eleição”
Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.
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