Alberto Villas

[email protected]

Jornalista e escritor, edita a newsletter 'O Sol' e está escrevendo o livro 'O ano em que você nasceu'

Opinião

Tá na mesa!

Na minha casa só tinham dois livros de culinária. O ‘Dona Benta’, a bíblia da minha mãe, era todo estropiado

Foto: Divulgação
Apoie Siga-nos no

Na minha casa só tinham dois livros de culinária. Um era o Dona Benta, a bíblia da minha mãe, e o outro se chamava Bolos Maravilhosos. Não sei bem por que os meus pais compraram o dos bolos. Era um livro luxuoso, com fotos maravilhosas de bolos de casamento, aqueles com dois, três, até cinco andares.

O Dona Benta era todo estropiado. De tempos em tempos, meu pai passava umas tiras de durex pra ele não soltar as páginas. O outro estava sempre novinho, mas nós, os filhos, adorávamos folhear. Nunca, nenhum daqueles bolos foi feito no lar dos Villas.

Muito tempo depois, na onda dos fascículos, completamos os dez volumes da enciclopédia Bom Apetite, mas também pouca usada. O forte mesmo era o Dona Benta.

No trivial, minha mãe era uma cozinheira de mão cheia. Arroz, feijão, legumes, verduras, bifes, angu, ela era craque. Fazia também estrogonofe, picadinho, pastelão, omeletes e sopas, muitas sopas quando fazia frio.

Não existia frescura na cozinha da minha casa.

O domingo era diferente. O meu pai cozinhava e ele gostava de um cozido espanhol, de um creme de aspargos, de uma bacalhoada assada, de uma canja, riquíssima.

Toda essa introdução pra dizer uma coisa que está na minha cabeça desde segunda-feira, quando o jornaleiro deixou na minha portaria uma revista chamada Comer & Beber, com o que há de melhor na gastronomia paulistana. São 228 páginas que estou folheando uma a uma, desde o início da semana.

De segunda a sexta, a gente comia basicamente um arroz com feijão, um legume que variava do chuchu, da abobrinha, da vagem, do quiabo, da couve, entre outros. Angu era sagrado naquele lar mineiro. Todo dia. De vez em quando tinha uma farofa de banana, uma sardinha em lata, um purê com salsichas que eram vendidas em latas onde se lia: salsichas tipo Viena.

A carne era bovina. De tempos em tempos, minha mãe fazia uma linguiça de porco ou, quem sabe, uma costelinha também de porco.

Na minha infância não tinha kiwi, pitaia nem mangostino. Goiaba, carambola, jabuticaba não eram vendidas no sacolão. Quem quisesse, era só no pé. Melão era coisa de rico e uva era só um tipo e no Natal. Bem como o pêssego, a ameixa vermelha e todas aquelas frutas secas.

Quando eu bato os olhos nos pratos dos restaurantes vencedores da Comer & Beber, muito bem fotografados, fico pasmo:

Pato no recheio de tortellini no caldo de tucupi

Tomates em cubos com pérolas de jabuticaba

Espaguetini com camarão carabineiro

Pacherri com linguiça Blumenau

Talharim de arroz negro

Enroladinho adornado por ovas de mujol

Pra beber? Uma caipirinha de café e, para acompanhar, uma nuvem de camarões.

Sei não, mas na hora da comida, eu sou do camarão ensopadinho com chuchu.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

ENTENDA MAIS SOBRE: , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo