Luana Tolentino

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Mestra em Educação pela UFOP. Atuou como professora de História em escolas públicas da periferia de Belo Horizonte e da região metropolitana. É autora dos livros 'Outra educação é possível: feminismo, antirracismo e inclusão em sala de aula' (Mazza Edições) e 'Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil' (Papirus 7 Mares).

Opinião

Sobrevivi ao racismo e estou aqui para contar

Com a certeza de que as crianças negras deste país poderão contar histórias diferentes das que eu contei no meu livro. A elas, dedico Sobrevivendo ao racismo

Luana Tolentino entrega uma edição do livro Sobrevivendo ao racismo a Suelaine Carneiro. Créditos: Marcelle Matias
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Nas últimas semanas, não tive condições de manter a periodicidade da minha coluna neste espaço. Estou às voltas com o lançamento de Sobrevivendo ao racismo: memórias, cartas e o cotidiano da discriminação no Brasil, meu mais novo livro. Entrevistas, viagens, lançamentos, ansiedade, preocupações e toda gama de atividades que marcam a chegada de uma nova obra. Somadas a tudo isso, as obrigações da vida adulta e uma tese para escrever. Ufa!

Confesso que produzir esse livro teve um alto custo emocional. Por vezes, eu me senti fragilizada, insone, com lágrimas nos olhos, já que ao longo de 175 páginas fiz um mergulho profundo nas histórias vivenciadas pela menina Luana, muito marcada pela violência racista, pela invisibilidade, pelo “apedrejamento moral”, sobretudo no espaço escolar. Ainda é difícil lembrar que diante de episódios em que fui vítima dessa “opressão sórdida”, como pontua o antropólogo Muniz Sodré, não pude contar com a intervenção, com uma única palavra de apoio e proteção por parte de meus professores.

É importante ressaltar que as histórias que narrei não são só minhas, infelizmente. Elas fazem parte das memórias de milhares de meninos e meninas negras deste país, conforme escreveu a ex-ministra Nilma Lino Gomes na orelha da publicação: “Este livro aborda os diversos momentos em que Luana Tolentino sofreu racismo e resistiu a ele, em especial, durante a trajetória escolar. A autora relata e analisa experiências de sofrimento e de resistência. Uma história que não é só dela. Situações semelhantes são enfrentadas pelas pessoas negras em todo o Brasil e em outros lugares do mundo”.

Mas nem só de lágrimas vive uma escritora. Sobrevivendo ao racismo tem me proporcionado a materialização do meu sonho infantil de escrever e publicar, além de experiências e emoções que jamais imaginei viver. Antes de nomeá-las, preciso sublinhar a generosidade do escritor Itamar Vieira Junior, que prontamente atendeu ao convite para prefaciar a obra. Nas primeiras páginas do meu “filho” recém-nascido, ele escreveu: A educadora Luana Tolentino, autora deste Sobrevivendo ao racismo, narra sua experiência como mulher negra brasileira. Primeiro, como criança periférica, lugar ocupado ostensivamente por pessoas pretas e pardas. Depois, como professora e intelectual, dando seu testemunho pessoal de como o racismo pode ser uma máquina de destruir humanos, e com eles suas dignidades e seus sonhos”. Itamar ainda recomendou o livro em sua prestigiosa coluna na Folha de S.Paulo. Felicidade maior não há.

No dia 27 de maio, o lançamento ocorreu em Belo Horizonte, minha “casa”, cidade natal, numa manhã ensolarada de outono. Havia pessoas queridas que conheço de longa data, como também gente que vi pela primeira vez e trouxe muita luz a esse momento singular da minha jornada. Mediado pela professora Luciana Matias, companheira de sonhos e lutas, a livraria ganhou um tom festivo com a chegada, de surpresa, da deputada estadual Macaé Evaristo, expoente da luta antirracista e defensora intransigente do direito à educação pública de qualidade. Como não poderia deixar de ser, Macaé foi recebida com uma sonora salva de palmas. Ela nos faz sonhar com outra política, com outro Brasil.

Na semana passada, estive em São Paulo. Mais ansiedade: “Tá muito frio aí?!”. “E se chover?!”. “Será que vai ter gente?”. Essas foram algumas das perguntas que me fiz por longos dias, num misto de angústia e preocupação. Mas deu tudo certo. Na noite do dia 20 de junho, após o início do lançamento, a Livraria da Travessa (Pinheiros) teve suas portas fechadas, pois não cabia mais ninguém. “Essa livraria nunca esteve tão cheia!”, disse um livreiro. Era tanta gente, tantas lágrimas emocionadas. Gente com o olhar e os ouvidos atentos às minhas histórias e às barbáries provocadas pelo racismo. A minha emoção e a dos participantes por diversas vezes foram interrompidas pelo sorriso, pela alegria luminosa da jornalista Karine Alves, que mediou o bate-papo. Eu me senti amada, acolhida, realizada. Em meio a essa noite definitiva, memorável, ainda pude contar com a cobertura da TV Cultura, o que me deixou extremamente honrada. A emissora paulistana sempre foi a preferida do meu pai e teve um papel importante na minha formação crítica, política, cultural e cidadã.

No próximo dia 06, mais um lançamento. Desta vez, na FliAraxá, festa literária organizada pelo grande jornalista Afonso Borges. Itamar Vieira Junior, Jeferson Tenório e Eliana Alves Cruz, expoentes da literatura brasileira, também estarão lá. Parece um sonho. Um sonho muito sonhado, que se tornou realidade.

Não foi fácil chegar até aqui. Só nós, negros e negras, sabemos o que é ter nossa humanidade e nossos direitos negados em função da cor da pele. Só nós sabemos o que é sobreviver ao racismo diariamente.

Sobrevivi e estou aqui para contar, com a certeza de que as crianças negras deste país poderão contar histórias diferentes das que eu contei no meu livro. A elas, dedico Sobrevivendo ao racismo.

Este texto não representa, necessariamente, a opinião de CartaCapital.

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