Opinião

Se no Brasil o ano só começa depois do Carnaval, começamos bem

Somos todos, sem exceção, depositários de saberes, que se complementam, não se eliminam, não competem

Grafite de Marielle Franco (Foto: ABr)
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Sem dúvida, o Carnaval é uma das grandes contribuições brasileiras para a cultura da humanidade. Como Gramsci bem identificara, a cultura é o centro da política.

Portanto, o Brasil contribui para a política mundial com o maior espetáculo da terra: em todo o mundo não há registro de uma festa tão popular; extensa, em um território dessa amplitude; e intensa, em cada comunidade do país.

Muda a capital: as duas precedentes, Rio de Janeiro e Salvador, recuperam a primazia, demonstrando que a festa é fruto do encontro das diversidades; das formas distintas de expressão; do amálgama de etnias, raças e saberes da nação mais biomegadiversa do planeta. Um chamado para os defensores de muros de qualquer sorte.

Neste ano, tudo foi ainda melhor: em 2018, a Tuiuti, escola de samba do Rio de Janeiro, politizara o desfile da Sapucaí como nunca antes. Neste ano, agregou-se a ela a Estação Primeira de Mangueira, que se sagrou campeã, com todas as notas máximas. O vigésimo título da escola.

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Se no Brasil dizemos que o ano começa depois do Carnaval, começamos bem.

Concomitantemente, outra grande novidade política: a sociedade civil organizou-se de forma inusitada para se contrapor ao golpe de estado na Venezuela, que poderia degenerar em guerra com o Brasil. Um ator, José de Abreu, “autoproclamou-se” presidente do Brasil, a exemplo do que o ilegítimo Juan Guaidó fizera na Venezuela.

Trata-se de solidariedade inédita, de efeito devastador sobre os golpistas nativos, mas principalmente os alienígenas, promotores do golpe de estado no país vizinho, ansiosos por, mais uma vez, apoderarem-se do petróleo e demais riquezas minerais daquela riquíssima nação, principalmente do ouro, de que a Venezuela detém uma das maiores jazidas do planeta.

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Imediatamente, tivemos uma autoproclamada vice-presidente, a deputada federal Maria do Rosário, ex-ministra de Direitos Humanos e grande protetora, promotora e provedora deles no país, tendo sido, por essa razão, reiteradamente agredida por toscos personagens da cena política nacional, algum, em altíssimo cargo.

Ministros sucedem-se na aceitação das pastas, formando uma pletora de ícones que vão do líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Guilherme Boulos, ao cantor e compositor Chico Buarque de Holanda. O shadow cabinet faz enorme sombra às sombras. Assombra.

Porém, não se trata de bravata, mas de forma originalíssima de organização da sociedade civil, de “ver, julgar e agir”, conforme aos ensinamentos da Encíclica Mater et Magistra, de São João XXIII, de 1961. Não se tem registro de outra forma similar de ação direta em política externa: universal, porque perfeitamente aplicável a outras situações, inclusive internas, como a recriação do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), por exemplo, ou a criação do Conselho de Política Externa (CONPEB).

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Afinal, somos o país de Paulo Freire! O gênio que percebeu que os oprimidos têm a arma da educação como principal aliada na libertação do jugo da dominação.

Somos todos, sem exceção, depositários de saberes, que se complementam, não se eliminam, não competem, como bem afirmou o grande teólogo Leonardo Boff. Ao contrário, necessitam uns dos outros para que a verdade se faça, qual um mosaico, sendo que parte da disfunção ideológica da dominação consiste justamente na negação desse truísmo. Aos libertários, pois, a proclamar a verdade! Em alto e bom som e, principalmente, exercê-la!

Transpondo para o contexto latino-americano, vamos compondo nosso jogral de libertação, conscientes dos desafios, mas também da força cultural e humana da Pátria Grande. Somos povos de uma riqueza extraordinária, que a força da dominação tenta deslegitimar, temerosa.

Fazemos política da forma mais prazerosa, em festa, em comunhão, por isso também somos povos de uma espiritualidade tão rica, muitas vezes manipulada, como se viu recentemente na campanha eleitoral.

Mas não nos rendemos: a cada golpe da tristeza, a alegria rebrota ainda mais viva; a cada golpe da dor, a cura se impõe; a cada golpe da farsa, a verdade surge cristalina, nova e criativa.

E, lembrando os ensinamentos do Papa Francisco de que “a política é a melhor forma de fazer caridade”, não poderia a sociedade civil brasileira ter prestado melhor ajuda humanitária à Venezuela, fazendo política externa da melhor e mais refinada qualidade.

Saberão os potenciais invasores que terão de se ver não com um país, mas com um continente, pleno de imaginação, soluções e discernimento; disposto a mostrar-lhes que teriam muito mais a ganhar em mudar o muro em ponte, pois ao sul do Rio Grande, sabemos ser milhões de pessoas brincando, cantando, dançando, fazendo política e até política externa. Se quiserem aprender a ser felizes, são muito bem vindos, pois o samba, o reggae e o jazz, esses sempre foram irmãos e irmãs, pois, como diz o presidente autoproclamado José de Abreu, queremos estar “não acima, mas ao lado” de todos.

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