Augusto Diniz

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Jornalista há 25 anos, com passagem em diversas editorias. Foi produtor musical e escreve sobre música desde 2014.

Opinião

Ronaldo do Bandolim: ordem para tocar baixo e nota de jornal equivocada

Um recorte sobre as andanças de um dos grandes músicos brasileiros

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Ronaldo do Bandolim lembra que há uns 10 anos estava em São Paulo para uma apresentação instrumental com outros artistas, em um evento com a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Ele e o grupo tocavam, e entre uma música instrumental e outra ouviam aplausos tímidos da plateia sentada a volta de mesas devidamente organizadas no salão.

Certa altura, uma mulher do cerimonial daquele encontro, a distância, começou a fazer gestos com as mãos típico para abaixar o som. Talvez aquele som contratado estivesse incomodando os convivas.

Na ocasião do lançamento do seu primeiro registro solo, interpretando com seu bandolim Juventino Maciel e Jonas do Cavaquinho (1992) – outro disco solo (ótimo) de Ronaldo é sobre a complexa obra de Ernesto Nazareth (2009) -, uma jornalista publicou uma nota em O Globo enaltecendo o trabalho de estreia intitulando-o como “iniciante” na música.

Ele recorda com risos o fato. O bandolinista já tinha cerca de 20 anos de estrada com apresentações e gravações importantes nas costas, como em um dos discos de Nelson Gonçalves.

Época de Ouro

Ronaldo iniciou carreira para valer quando ingressou no Época de Ouro, uma das mais expressivas reuniões de instrumentistas da história da música brasileira, criado pelo notável Jacob do Bandolim.

Com o falecimento de Jacob em 1969, o grupo só veio retomar as atividades em 1973. Um ano depois Ronaldo acabou indo para o grupo fazer as vezes do bandolim, ao lado de Dino Sete Cordas, César Faria e Jorginho do Pandeiro – enfim, só cobra criada.

Nos anos 90 criou com os violonistas Zé Paulo Becker e Marcello Gonçalves o Trio Madeira Brasil.

O bandolinista, nascido em Petrópolis, mas estabelecido em Niterói desde jovem, membro de uma família de profícuos músicos, já gravou e participou de apresentação de quase todos grandes artistas brasileiros em quase 50 anos de carreira.

O que há em comum nesses trabalhos é o virtuosismo empregado, o que o faz ser percebido a ouvidos atentos na composição musical.

Ronaldo do Bandolim tem uma forma exemplar de tocar seu instrumento de ofício, que fazem suas cordas ressaltarem na execução, respeitando arranjos e bases instrumentais.

Habilidade perceptível em vários trabalhos

Não é só nos registros solos que se reconhece um instrumentista de alto nível.

Nos casos dos discos em que fez com o Época de Ouro (grupo que ele voltou a tocar depois de um período afastado e lança inclusive agora disco novo, o De Pai pra Filho) e o Trio Madeira Brasil, ouve-se um Ronaldo genial em vários momentos.

A habilidade é perceptível ainda em outros trabalhos, como com o irmão, o violonista Rogério Souza, nos cds Época de Choro (2007), em homenagem a Carlinhos Leite, e Retrato Brasileiro (2009), uma releitura da obra de Baden Powell.

Nos discos em que gravou de Beth Carvalho, onde a banda é composta por inúmeros músicos, nota-se claramente suas interferências magistrais e elegantes, assim como no disco Batuque (2001) de Ney Matogrosso, apenas para citar alguns.

No exterior

Hoje, ele exalta o trabalho que tem desenvolvido no exterior, como com a pianista japonesa Sachiko Ito. O projeto é centrado nas composições de Ernesto Nazareth e do pianista Scott Joplin, o “pai do jazz”.

Aliás, é no exterior que tem buscado novos caminhos em meio à drástica queda de casas de música no Rio, pelo menos voltado ao choro, ao samba e a música instrumental, onde chegou a tocar todos os dias na primeira década dos anos 2000.

Ronaldo, também engenheiro e hoje aposentado dessa profissão, reconhece o fato de ter tido outra função profissional como importante à sobrevivência – quase todos os músicos brasileiros da velha guarda exerceram outra profissão para ter renda fixa ao longo da vida.

Apresentação antológica

Outro dia Ronaldo estava em Santos para um show no Clube do Choro, no centro histórico. Um público ansioso o aguardava na casa.

Apresentou-se primeiro com alunos ligados à escola do Clube. Depois, tocou ao lado do Luizinho Sete Cordas (violão), Arnaldinho do Cavaco e Lima (pandeiro).

Foi uma apresentação antológica. Sentiu-se à vontade ao lado de um dos maiores violonistas brasileiros, o Luizinho, e profundo entendedor de choro, como Ronaldo.

No dia seguinte foi ao Bar do Alemão e se apresentou na casa lotada com o jovem e promissor bandolinista Fernando Dalcin, que não escondia seu contentamento de se apresentar com quem chamou de “lenda” da música brasileira ao microfone.

Neste show, Ronaldo vai contando histórias e tocando. Músicos iniciantes apareceram para assistir sua apresentação. Gravam, tiram fotos e no fim executa um choro com o bandolinista com o estabelecimento já fechando.

Ronaldo vai de apresentações com o primeiro time ao encontro com quem sonha ainda muito na música. Com isso, segue estabelecendo pontes com diversas gerações.

Usa o bandolim como extensão de si para fora. Um excepcional instrumentista que exprime a arte com propriedade e a generosidade de mestre.

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